Como a perfurmaria viajou por milênios da Mesopotâmia à Europa

28 dez 2025 - 06h41

Fragrâncias já serviram às mais variadas funções, incluindo purificação e mumificação. Indústria europeia cresceu a partir de vários impérios, comércio e colonialismo.A palavra "perfume" tem um significado que poucos hoje disputariam: um líquido fragrante num frasco, em geral de aparência sofisticada. Mas o próprio nome, derivado do latim "per fumum" — que significa "através da fumaça" — indica que o que entendemos hoje como perfurmaria difere enormemente da sua origem e dos seus usos no passado.

Perfumes já tiveram diversos fórmulas e funções ao longo da História, como óleos essenciais sem álcool vendidos na Índia
Perfumes já tiveram diversos fórmulas e funções ao longo da História, como óleos essenciais sem álcool vendidos na Índia
Foto: DW / Deutsche Welle

Na verdade, a história dos perfumes já passou por avanços científicos, transferência de conhecimento, expansão comercial, colonialismo, extração de recursos naturais e, mais recentemente, marketing eurocêntrico.

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Chineses, hindus, egípcios, israelitas, cartagineses, árabes, gregos e romanos já conheciam a perfumaria. Há referências ao perfume e ao seu uso tanto na Bíblia quanto nos Hadith, os ditos e ações do Profeta Maomé.

Assim como nenhum perfume único pode capturar todos os aromas do mundo, nenhuma narrativa pode abranger as suas diversas histórias. "É isso que eu amo no perfume: um gesto muito pequeno na pele com uma história enorme e cheia de camadas por trás," diz o perfumista e historiador Alexandre Helwani à DW.

Uma história tão antiga quanto o tempo

A perfumaria primitiva, que remonta a mais de 4 mil anos na antiga Mesopotâmia, envolvia a queima de substâncias aromáticas como olíbano e mirra. Acreditava-se que a fumaça ascendente fazia a ponte entre a terra e o divino.

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De fato, o primeiro "nariz" registrado — ou, seja, mestre perfumista altamente qualificado — foi uma mulher chamada Tapputi, uma química cujos trabalhos na Mesopotâmia foram documentados em uma tábua cuneiforme datada de cerca de 1.200 a.C.

"Tapputi era uma muraqqitu, uma categoria profissional distinta de perfumistas ligadas às cortes assírias e babilônicas. Sua importância estava em atestar que mulheres ocupassem um papel de alto status 'perfumístico' nas cortes reais", conta Helwani.

A arqueoquímica Barbara Huber, cujo trabalho foca nas relações entre humanos e plantas ao longo da história, explica ainda que "perfume" passou a englobar, com o tempo, uma ampla gama de materiais e práticas aromáticas: queima de incenso e madeiras aromáticas, óleos perfumados, bálsamos, unguentos e até cosméticos.

"Muitos desses produtos eram usados não apenas para adorno pessoal, mas para rituais, oferendas a divindades, purificação ou cura. As fronteiras entre perfume, medicina e cosméticos eram frequentemente difusas", afirma.

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No Egito antigo, óleos aromáticos e resinas eram centrais nos rituais e na mumificação. Já na Índia, aplicava-se pasta de sândalo na pele, traçava-se jasmim nos cabelos e incorporava-se açafrão às roupas — uma prática sensorial em camadas que santificava o próprio corpo.

Pesquisas recentes revelaram até que esculturas greco-romanas de deuses e deusas eram "perfumadas" com substâncias aromáticas para parecerem mais vívidas.

Da fumaça à destilação

O que começou como incenso e bálsamos foi transformado no mundo árabe em destilações líquidas durante a Idade de Ouro Islâmica. No século 9, em Bagdá, o polímata Al-Kindi escreveu O Livro da Química do Perfume e das Destilações, o primeiro manual abrangente sobre perfumaria.

Um século depois, o persa Ibn Sina (conhecido no Ocidente como Avicena) aperfeiçoou a destilação a vapor para extrair óleos essenciais de flores, especialmente rosas, criando um modelo para perfumistas posteriores. Estabeleceram-se então muitas das técnicas fundamentais que sustentam a indústria moderna de fragrâncias.

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Esses avanços chegariam à Europa por diversas rotas. As regiões da Península Ibérica sob domínio muçulmano entre os séculos 13 e 14 serviram como ponte acadêmica, onde estudiosos traduziram textos árabes para o latim.

Ao mesmo tempo, o comércio mediterrâneo levava água de rosas e especiarias para portos como Veneza e Gênova, enquanto as Cruzadas expunham os europeus às práticas médicas e aromáticas árabes.

Mas a Europa não era estranha à perfumaria. Os romanos tinham banhos e óleos perfumados, e nobres medievais usavam ervas, pomanders e incenso.

Na Idade Média, o perfume atendia a necessidades práticas e simbólicas: médicos enchiam suas máscaras em forma de bico com ervas para filtrar o "ar ruim" que acreditavam causar a Peste Negra. Já Luís 14º, da França, tinha sua água de flor de laranjeira favorita jorrando das fontes do Palácio de Versalhes.

As técnicas avançadas e os ricos ingredientes do mundo árabe, entretanto, reacenderam e transformaram a perfumaria europeia, que passou a usar álcool como base para criar perfumes mais leves e duradouros.

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"Água de colonialismo"

Com a perfumaria europeia florescendo, especialmente na França, a expansão colonial forneceu os ingredientes para sustentar a indústria nascente.

Um exemplo marcante é a baunilha. Trazida à Europa pelos espanhóis no século 16, ela se tornou uma importante cultura colonial no Oceano Índico. Helwani cita a história de Edmond Albius, um menino escravizado na Ilha Reunião (antiga Bourbon), que aos 12 anos, em 1841, descobriu o método prático para polinizar manualmente as orquídeas de baunilha.

"Se não fosse por ele, a baunilha teria permanecido uma raridade. Em um mundo de tecnologias patenteadas, sempre me perguntei quão bilionário Edmond Albius teria sido, se não tivesse sido escravizado", observa Helwani. "Quando falamos da 'história do perfume', estamos simultaneamente falando da história dos impérios, do comércio e do colonialismo."

Com o tempo, as casas de perfume europeias tornaram-se centrais no branding e no marketing, consolidando a associação entre refinamento e estética europeia. "Embora os ingredientes fundamentais venham de diversas regiões globais com ricas tradições históricas de uso aromático, a apresentação e as narrativas de marketing tendem a ser eurocêntricas", afirma Huber.

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Algumas casas europeias que classificam fragrâncias como "orientais" têm atraído críticas. "O 'Oriente' tenta encapsular uma vasta região (...) onde muitas práticas e matérias-primas da perfumaria se originaram", diz uma petição online sobre o tema. "O uso consistente do termo para evocar o exótico e o perfumado apaga o imperialismo e a islamofobia que continuam a desestabilizar essas áreas do mundo hoje."

Desde os anos 2000, o marketing tem substituído "oriental" por "âmbar" para descrever fragrâncias quentes.

A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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