A passagem de um tornado com ventos de 330 km/h pela cidade de Rio Bonito do Iguaçu (PR), no último dia 7 de novembro, matou ao menos sete pessoas e deixou 750 feridos. Outros dois tornados simultâneos, com velocidade de até 250 km/h, atingiram os municípios de Guarapuava e Turvo. O fenômeno foi um dos mais intensos a atingir o solo brasileiro, chegando ao índice F3 na Escala Fujita - que vai até 5.
De acordo com o geógrafo Daniel Henrique Candido, o Brasil é um dos países que mais registram tornados no mundo. Isso tem a ver com condições atmosféricas e de relevo, principalmente nas regiões Sudeste e Sul do País. Um levantamento de tornados que afetaram o Brasil aparece na tese de doutorado defendida por Daniel em 2012, na Unicamp: foram 205 somente entre 1990 e 2011.
Com as mudanças climáticas, a tendência é que eventos como esse se tornem cada vez mais frequentes, alerta o engenheiro hidrólogo Arlan Scortegagna. "Se era pra acontecer a cada 10, 20 anos, agora vai acontecer a cada cinco. Essa é a grande preocupação", diz.
Evento climático gera desinformação nas redes
Mas, em vez de despertar preocupação diante das mudanças climáticas, fenômenos como esse têm sido alvo de teorias da conspiração. Nos últimos dias, se espalharam pelas redes sociais conteúdos afirmando que o tornado que atingiu cidades paranaenses foi criado intencionalmente com o intuito de provocar destruição em massa.
Isso teria ocorrido propositalmente na mesma época em que ocorre a COP 30 em Belém (PA), para forçar as cidades a serem reconstruídas de acordo com padrões de sustentabilidade da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), o que é falso.
Como se forma um tornado?
Para os teóricos da conspiração, tornados, ciclones e furacões são como armas geopolíticas, passíveis de serem criados artificialmente e em proporções como a que causou destruição no interior do Paraná na semana passada. Mas não é assim que funciona.
Em entrevista logo após a defesa da tese de doutorado, o geógrafo Daniel Henrique Candido explicou que, para que um tornado se forme, é preciso que haja uma nuvem específica, chamada de cumulonimbus. Essa é uma nuvem densa de tempestade, com grande desenvolvimento na vertical. Associada ao aquecimento do solo, há uma turbulência no interior da nuvem, o que provoca uma movimentação mais intensa do ar, levando à formação do tornado.
"Esses eventos acontecem por forças naturais: choques de massas de ar em diferentes temperaturas. O tempo todo isso está acontecendo e, volta e meia, isso acontece de uma forma mais crítica e provoca um desastre, que foi o que aconteceu ali no Paraná", explica Scortegagna.
O fenômeno ocorre de forma natural e tende a acontecer com mais frequência com as mudanças climáticas porque é influenciado pelo aquecimento do solo. Scortegagna explica que o ser humano não possui tecnologia para criar este tipo de evento artificialmente porque demanda quantidades muito grandes de energia. "São massas de ar inteiras que estão se deslocando e nada disso pode ser efetivamente causado pelo homem", afirma.
Sistema Haarp não tem capacidade de alterar o clima
Uma das publicações de maior engajamento nas redes sugere que o tornado que atingiu o Paraná foi fabricado com uma tecnologia de ponta. O autor não cita a tecnologia, mas pede que seus seguidores digam nos comentários ao que ele está se referindo. Muitos respondem que ele fala sobre o sistema de ondas eletromagnéticas Haarp.
A teoria diz que o sistema aquece as águas do oceano e envia ondas para a atmosfera, provocando alterações no clima e desencadeando eventos como tempestades, ciclones, tornados e furacões. Diferentemente do que a publicação faz parecer, esse sistema não é capaz de alterar o clima, como mostrou em 2024 o Projeto Comprova, do qual o Verifica faz parte.
Haarp é a sigla em inglês para "High-frequency Active Auroral Research Program", programa desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Alaska Fairbanks na década de 1990, para estudar ondas na ionosfera, uma camada que fica acima da superfície terrestre. Segundo o site da universidade, os pesquisadores usam um conjunto de antenas para emitir ondas nessa camada e observar como elas se comportam.
No entanto, essa interação não chega a ocorrer na troposfera, a camada onde é produzido o clima terrestre. "As ondas de rádio nas faixas de frequência transmitidas pelo Haarp não são absorvidas nem pela troposfera nem pela estratosfera — as duas camadas da atmosfera responsáveis ??pelos fenômenos climáticos da Terra. Como não há interação, não há como controlar o clima", diz a página do projeto.
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Histórico de tornados no Brasil
Em 2012, quando defendeu sua tese de doutorado, Daniel Henrique Candido explicou que os tornados só passaram a ser estudados no Brasil a partir de 1991. Naquele ano, a cidade de Itu (SP) foi atingida por um dos tornados mais violentos que já afetaram o País. Dezesseis pessoas morreram, e casas, plantações e até torres de transmissão de energia foram destruídas na madrugada do dia 30 de setembro.
É provável que o Brasil tenha sofrido com tornados antes, mas a falta de conhecimento sobre a possibilidade de que esses fenômenos ocorressem no País fez com que diversos episódios possam ter sido considerados como "fortes vendavais".
Não só o Brasil, mas a porção sudeste da América do Sul aparece em segundo lugar no ranking mundial da incidência de tornados. A região fica atrás apenas de uma área entre o meio-oeste e sul dos Estados Unidos conhecida como Tornado Alley.
Em alguns dos vídeos que viralizaram nas redes sociais, autores alegam falsamente que o Brasil nunca registrou um tornado com ventos de 250 km/h. Além do tornado de Itu, em 1991, o Paraná teve um evento parecido em 1992, na cidade de Almirante Tamandaré com seis mortos. Em 2005, fábricas, casas e prédios públicos foram destruídos por outro tornado em Indaiatuba (SP).
Teorias da conspiração se repetem
Não é a primeira vez que um evento climático ocorrido no Brasil ganha a atenção de teóricos da conspiração. Em maio de 2024, quando uma catástrofe climática atingiu o Rio Grande do Sul, as redes foram inundadas por publicações que atribuíam os temporais a um plano de agentes globais ocultos. O Verifica dementiu as alegações.
Alguns dos que acreditam que os tornados são fenômenos criados intencionalmente os com armas. Há quem veja similaridades com a destruição provocada pelos bombardeios israelenses em Gaza. Outros dizem que fenômenos climáticos ocorridos em outras partes do mundo são similares ao registrado no Paraná porque seguem um padrão com as mesmas intenções.
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