Postagens sugerem que crise climática não é urgente e atrasam adesão a ações concretas

CONTEÚDOS NÃO NEGAM IMPACTO HUMANO NO AQUECIMENTO DO PLANETA, MAS MINIMIZAM EMERGÊNCIA OU FOCAM EM DIFICULDADES DA TRANSIÇÃO ECOLÓGICA

7 nov 2025 - 17h45

Com os impactos das mudanças climáticas cada vez mais visíveis, o negacionismo clássico tem dado lugar nas redes sociais a uma estratégia de desinformação chamada de atraso climático. Ela não nega o aquecimento global e o impacto da ação humana. Em vez disso, foca nas dificuldades de se fazer a transição para uma economia de baixo carbono ou trata o problema como se não fosse uma questão de emergência.

Coordenação de entidades indígenas fez protesto na pré-cop, em Brasília.
Coordenação de entidades indígenas fez protesto na pré-cop, em Brasília.
Foto: Wilton Junior/Estadão / Estadão

As postagens em redes sociais analisadas pelo Verifica desinformam sobre políticas de desenvolvimento sustentável, dizendo que elas são colocadas em prática em detrimento do crescimento econômico. Algumas criticam projetos de preservação ou até o combate a crimes ambientais. Outras alegam que nações desenvolvidas teriam interesse no subdesenvolvimento de países pobres.

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A professora de comunicação da Universidade Federal do Pará Elaide Martins diz que, em comum, os conteúdos têm como estratégia deslegitimar medidas ambientais necessárias. Elaide também é coordenadora da regional norte da Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNDC), grupo de compartilhamento de conhecimentos entre universidades e organizações da sociedade civil. Ela lembra que o fenômeno do atraso climático se espalha em contextos sociais polarizados.

"Na Amazônia temos muitos conflitos agrários", disse. "Esses conflitos envolvem madeireiros, garimpeiros, povos indígenas e outros povos tradicionais. Então, a desinformação se amplifica nesse cenário."

Em fevereiro, a Polícia Federal realizou operação de retirada de invasores na terra indígena Apyterewa, em São Félix do Xingu (PA). As pessoas retiradas do local já haviam recebido indenização para se estabelecer em outro lugar ou chegaram na região após ela já ter sido demarcada. A operação foi uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). Um vídeo viral na época mostrava cenas de uma desintrusão anterior, com retirada de gado criado ilegalmente na região. Legenda sobreposta ao vídeo acusava falsamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de desapropriar propriedades para entregá-las à produtora de alimentos JBS e ao filho Fábio Luis Lula da Silva, o Lulinha. Na verdade, a terra desocupada foi devolvida aos indígenas. O gado apreendido foi levado a frigoríficos e a carne, doada para os indígenas e para a Secretaria de Assistência Social do Estado.

A desinformação sobre ações de repressão de crimes ambientais é uma faceta brasileira do atraso climático. Ela confunde a população sobre a legalidade de ações estatais e mina a adesão a práticas que aliem produção e preservação.

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A coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araujo, diz que o Brasil historicamente falha na aplicação de sua legislação ambiental. "Uma coisa é a nossa legislação ambiental, outra coisa é a gente conseguir aplicar. É uma batalha constante", diz.

Ações climáticas e soberania: quem está de fato comprometido?

Uma mensagem que circulou no WhatsApp em maio dizia que a Organização das Nações Unidas (ONU) estaria "usando o pretexto do combate às mudanças climáticas para justificar ações drásticas contra o Brasil", dentre elas o "controle internacional das políticas ambientais brasileiras e até intervenções diretas na Amazônia".

A ONU é citada em peças de desinformação por ser um espaço em que os países se juntam para estabelecer políticas em conjunto. Para as questões ligadas ao meio ambiente, isso acontece na COP. Foi na COP 21, por exemplo, que quase 200 países se comprometeram a não aumentar a temperatura média global 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais.

Mas essa meta coletiva não foi imposta de forma arbitrária por alguns países, como sugerem postagens enganosas encontradas no monitoramento feito pela reportagem. O objetivo em comum está embasado nas evidências científicas de alto nível coletadas por um Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC).

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É preciso dizer que cada país tem autonomia para definir como contribuirá para atingir a meta. As ações estão descritas nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs).

Chamar as medidas de proteção ambiental de ingerência externa ou ataque à soberania nacional é uma característica de outra estratégia do atraso climático: o redirecionamento da responsabilidade.

Neste caso, alega-se que os países ricos teriam chegado ao seu atual grau de desenvolvimento graças a ações poluentes. Assim, eles é que teriam o ônus maior de fazer a transição climática. Pedir aos países pobres que façam a lição de casa significaria, assim, impedi-los de desenvolver suas economias.

Ataque a pessoas e instituições

O atraso climático não serve apenas para enfraquecer políticas públicas de combate às mudanças climáticas. Ele pode também ser voltado contra pessoas, órgãos e instituições atuantes na proteção ambiental. Podem atacar sua autoridade ou credibilidade na área. O intuito é deslegitimar suas reivindicações e ações.

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A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, é alvo de um boato antigo. Circula nas redes sociais a acusação falsa de que seu marido seria um contrabandista de madeira. O boato tem origem em um bate-boca no Congresso, em 2011, com o ex-deputado Aldo Rebelo. Ele acusou o marido de Marina de irregularidades na ONG Fase. A denúncia foi investigada e arquivada pela Procuradoria-Geral da República por falta de provas.

O governo federal também foi alvo de acusações falsas. Em julho de 2023, o governo Lula instaurou o Conselho de Desenvolvimento Social Sustentável (CDESS). O grupo serve para apoiar a criação de políticas públicas para promover o desenvolvimento econômico e social sustentável.

Uma mensagem que circulou no WhatsApp trazia a lista dos indicados com a alegação falsa de que eles teriam salário de R$ 60 mil e um bônus de R$ 15 mil por reunião. Na verdade, a participação dos conselheiros é feita sem remuneração (art. 14 do decreto 11.454).

"O movimento ativista ambientalista sofre constantes campanhas difamatórias", lembrou a professora Elaide.

Há casos de irregularidades, mas ela fala que não se pode generalizar para todas as organizações.

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"Elas são alvo de narrativas desinformativas que deslegitimam suas demandas", afirmou. "O intuito, obviamente, é impedir que haja minimamente conquistas a favor da questão da sustentabilidade e da preservação do meio ambiente."

Este texto faz parte de uma série de reportagens que o Estadão Verifica está publicando sobre desinformação climática que circula no Brasil. O tema ganhou relevância devido à realização da Conferência das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (COP 30), em Belém. As postagens citadas foram compiladas a partir da base de checagens que o Verifica tem no WhatsApp.

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