No julgamento da trama golpista, o ministro Luiz Fux citou os juristas Luigi Ferrajoli e Cesare Beccaria para defender limites rigorosos à atuação punitiva do Estado, destacando a necessidade de obediência à legalidade e condenando penas além do previsto em lei.
No julgamento que analisa a trama golpista envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), divergiu do relator Alexandre de Moraes e recorreu a dois nomes centrais da história do Direito penal: Luigi Ferrajoli e Cesare Beccaria. Ambos foram citados como referências para sustentar sua posição sobre os limites da punição.
Receba as principais notícias direto no WhatsApp! Inscreva-se no canal do Terra
Ao julgar o caso, Fux citou o pensamento de Ferrajoli para destacar que o poder de punir do Estado é uma decisão extremo e deve ser usado com cuidado. Ao referenciar Beccaria, destacou que o juiz não pode ser mais severo que a lei.
Luigi Ferrajoli
Nascido em Florença em 1940, Ferrajoli é um dos principais teóricos do garantismo penal, corrente que defende limites rígidos à atuação do Estado no campo punitivo. Ex-juiz entre 1967 e 1975, ele integrou o grupo Magistratura democrática, de orientação progressista.
A partir da década de 1970, tornou-se professor de Filosofia e Teoria Geral do Direito, consolidando sua carreira acadêmica na Universidade de Camerino e, mais tarde, em Roma Tre. Sua obra mais conhecida, Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal, tornou-se referência mundial.
Fux, que critica o julgamento, no entanto, levanta controvérsia ao citar o jurista em seu voto, uma vez que o próprio italiano elogiou o STF. Em entrevista ao portal Metrópoles, Ferrajoli afirmou que o processo contra Bolsonaro representa "um sinal de grande civilidade e de defesa do Estado de Direito contra a tentativa de golpe". Para ele, a reação brasileira à ameaça democrática "significa a vitória do Direito sobre a força", em contraste com os Estados Unidos, onde o ataque ao Capitólio não teve resposta semelhante.
Cesare Beccaria
Ao lado de Ferrajoli, Fux citou Cesare Beccaria, pensador italiano do século XVIII considerado um dos fundadores do direito penal moderno. Em seu voto, o ministro reiterou a lição clássica do autor: "apenas as leis podem indicar as penas de cada delito". Para ele, um juiz que aplica castigos mais rigorosos que os previstos em lei "se torna injusto".
Beccaria, nascido em Milão em 1738, foi jurista, filósofo, economista e escritor. Sua principal obra, Dos Delitos e das Penas, publicada em 1764, lançou as bases para uma nova concepção do sistema penal. Entre suas ideias centrais estavam a igualdade perante a lei, a rejeição da pena de morte, o fim da tortura como instrumento de prova e a defesa de julgamentos públicos e céleres.
Fux recuperou esse legado ao argumentar que nenhum magistrado pode, mesmo sob o pretexto do bem público, aumentar a pena além do que foi estabelecido pelo legislador. Citando Beccaria, afirmou que "a partir do momento em que o juiz se faz mais severo que a lei, ele se torna injusto".