O terceiro dia do julgamento de Jair Bolsonaro no STF foi marcado por tensões e divergências entre os ministros, com Alexandre de Moraes e Flávio Dino pressionando Luiz Fux, enquanto especialistas avaliam que o tribunal busca enviar um recado contra ameaças ao Estado Democrático de Direito.
O terceiro dia de julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal (STF) foi marcado por momentos de tensão entre os ministros Luiz Fux e Flávio Dino e Alexandre de Moraes. O episódio expôs divergências internas sobre a condução dos trabalhos e deu o tom político de uma sessão que, além de decidir o futuro do ex-presidente, pode indicar um recado mais amplo, conforme especialistas ao Terra.
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Nesta terça-feira, os ministros Moraes e Dino comentaram a invasão ao STF no dia 7 de setembro de 2021, momento em que Fux presidia a Corte, e reforçaram a gravidade dos atos e necessidade de resposta. Dino, por sua vez, também discutiu brevemente com Fux após interromper o voto do relator, Alexandre de Moraes e ser repreendido.
O criminalista e professor substituto de Processo Penal na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Rafael Fonseca avalia que a postura de Luiz Fux, que vota nesta quarta-feira, já sinaliza divergências. Com isso, o especialista entende que há uma busca por pressionar Fux por parte dos ministros Moraes e Dino.
"Há uma clara predisposição do ministro Luiz Fux de não condenar por todas as acusações e de discordar. Ele já demonstrou isso, inclusive, quando disse que a matéria devia ser afetada ao plenário".
Para o criminalista Jaime Fusco, os debates no plenário não podem ser vistos apenas como discussões técnicas, mas como uma resposta às ameaças à democracia.
"Eu acho que existe um recado para todo e qualquer um que enaltece discurso a favor da tortura. A gente tem que lembrar, o ex-presidente Bolsonaro, ele fez um discurso enaltecendo Carlos Ustra, enaltecendo a tortura. Ali é o início, é o início de uma sequência de declarações públicas que inflamaram a massa".
Segundo Fusco, as manifestações de Moraes e Dino refletem a gravidade desses antecedentes.
"Eu acho que quando o Alexandre de Moraes e o Dino, eles dão um recado, eles dão um recado porque se eles estivessem no STF à época, essa ação do Bolsonaro, da cassação da Dilma Rousseff, enaltecer a tortura e o Carlos Alberto Ustra, aquilo ali já pode ser entendido como um ato contrário ao Estado Democrático de Direito".
Ele avalia que a posição do tribunal serve também como um aviso à sociedade:
"É um alerta para toda a sociedade também, não só para o ministro. Para qualquer um que tenha, por objetivo, atentar contra o Estado Democrático de Direito".
Fusco ainda lembrou que a unanimidade do julgamento seria importante para reduzir recursos, mas não acredita que esse seja o objetivo de Moraes e Dino. "Se for unânime, evitaria recurso. Mas eu não acredito que seja unânime, por conta até da aplicação da pena. Nesses tipos de crime, é muito difícil você ter unanimidade na aplicação da pena".
Entenda troca de farpas
Um dos momentos foi a discussão de Fux com Flávio Dino, que pediu para fazer dois comentários enquanto Moraes lia seu voto. A intervenção foi contestada por Fux, que relembrou um acordo prévio estabelecido em uma sala anexa ao plenário, com Cristiano Zanin, para que os ministros não interrompessem os votos dos colegas.
Outro momento que expõe divergências ocorreu quando Moraes destacou em seu voto que Bolsonaro, desde 2021, utilizava discursos, entrevistas e transmissões ao vivo para atacar o Judiciário. Ele citou o pronunciamento de 7 de setembro daquele ano, quando o então presidente afirmou, na Avenida Paulista, que se Luiz Fux, então presidente do STF, não enquadrasse Moraes, "esse Poder pode sofrer aquilo que não queremos".
Para Moraes, tratava-se de "grave e clara ameaça de impedir ou restringir o livre exercício do Poder Judiciário". Dino também citou a invasão. "Não era bíblia verde e amarela, mas punhal verde e amarelo".
O ministro Alexandre de Moraes também lembrou outra fala de Bolsonaro, quando disse que Alexandre de Moraes "tem tempo ainda para se redimir, tem tempo ainda para arquivar seus inquéritos". Na avaliação do relator, a postura do ex-presidente foi típica de regimes autoritários: "Só nas ditaduras juízes ou ministros fazem o que o ditador determina", afirmou Moraes, em um recado indireto a Fux, segundo especialistas.
Próximos passos no julgamento
O julgamento será retomado nesta quarta-feira, a partir das 9h, com o voto de Luiz Fux. Em seguida, votarão Cármen Lúcia e Cristiano Zanin - possibilidade é que esses votos fiquem para quinta-feira.