A Polícia Federal optou por não participar de uma operação no Rio que resultou em mais de cem mortes, gerando surpresa e questionamentos do presidente Lula e do ministro Ricardo Lewandowski sobre a compatibilidade da ação com o Estado democrático de direito.
O diretor-geral da Polícia Federal (PF), Andrei Rodrigues, confirmou que houve contato no nível operacional com as chefias locais do Rio de Janeiro antes da operação policial realizada nesta quarta-feira, 29, que resultou em mais de cem mortes, mas que a corporação optou por não atuar.
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Segundo ele, foi informado que "haveria uma grande operação" e questionado se a PF teria possibilidade de atuação em sua área. "Entendemos que não era o modo que a Polícia Federal atua, o modo de fazer operações", afirmou Rodrigues, explicando que a PF não teria atribuição legal para participar e, portanto, "não fazia sentido a nossa participação".
Os jornalistas insistiram se essa comunicação não configuraria um aviso formal à PF. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, interveio e respondeu que, se o governo do Rio de Janeiro queria ajuda, a comunicação deveria ter sido feita de forma institucional.
"A comunicação entre governantes, entre o governador de estado e o governo federal, tem que se dar ao nível das autoridades de hierarquia mais elevada. Então, essa operação, uma operação deste nível, deste porte, não pode ser acordada num segundo ou terceiro escalão. Então, se fosse uma operação que exigisse a interferência do governo federal, o presidente da República deveria ser avisado, ou o vice-presidente, que estava respondendo pela presidência, ou o ministro da Justiça e Segurança Pública, ou o próprio diretor-geral da Polícia Federal".
Ida ao Rio
Durante entrevista coletiva, Lewandowski e Rodrigues anunciaram que viajariam ao Rio de Janeiro ainda nesta quarta-feira, 29, para se reunir com o governador Cláudio Castro.
O ministro afirmou que colocaria à disposição peritos criminais e médicos legistas da Força Nacional, da PF e de outras polícias estaduais, além do banco de dados da Polícia Federal, para identificar se os mortos tinham ligação com organizações criminosas. "Vamos ouvir o governador, saber o que ele precisa", disse.
Presidente 'estarrecido'
Lewandowski relatou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ficou "estarrecido" com o resultado da Operação Contenção, e pediu um "apanhado geral do que aconteceu".
Segundo o ministro, Lula se mostrou surpreso que uma ação dessa dimensão fosse realizada sem o conhecimento do governo federal. "De certa maneira, o presidente se mostrou surpreso que uma operação desta envergadura fosse desencadeada sem uma possibilidade de o governo federal participar, sobretudo com informações e apoio logístico", afirmou.
O ministro comparou negativamente a ação no Rio à Operação Carbono Oculto, deflagrada em São Paulo contra o crime organizado no setor de combustíveis. "Feita com muita técnica, sem o disparo de um tiro, desbaratamos quadrilhas importantes, arrecadamos muito material, houve uma conjunção de esforço da Polícia Federal, da Receita Federal, do COAF, do Ministério Público e da Polícia Militar local", disse.
Lewandowski questionou ainda a compatibilidade da operação com o Estado democrático de direito: "A primeira impressão que se tem é, óbvio, que foi uma operação extremamente cruenta, extremamente violenta. E vamos pensar se esse tipo de ação é compatível com o Estado democrático de direito que nos rege desde a Constituição de 88".
Além de Lewandowski e Rodrigues, participaram da reunião com Lula os ministros Rui Costa (Casa Civil), Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais), Macaé Evaristo (Direitos Humanos), Anielle Franco (Igualdade Racial) e outros integrantes do primeiro escalão do governo.
O encontro ocorreu um dia após o retorno de Lula de sua viagem à Ásia, que incluiu passagens pela Indonésia — a primeira visita de um presidente brasileiro desde 2008 — e pela Malásia, após 30 anos sem representação do país no local.