Herlander Zola, aos 51 anos, tornou-se o primeiro brasileiro a liderar a Stellantis na América do Sul, assumindo uma posição que tradicionalmente foi ocupada por executivos italianos. Em apresentação à imprensa nesta segunda-feira, o executivo, que está no setor automotivo desde 2000 e passou por Volkswagen, BMW e Audi antes de chegar à então Fiat em 2017, não escondeu a dimensão do desafio que tem pela frente.
“Esse novo desafio não é algo tão comum. Um brasileiro chegar na posição de chefe da América do Sul de uma montadora, evidentemente é algo que me enche de orgulho”, afirmou Zola. “Estou muito consciente do tamanho da responsabilidade, do tamanho da empresa e da representatividade que ela tem, para que, de fato, a gente tenha a oportunidade de lidar e liderar e para que a empresa continue entregando bons resultados.”
Zola sucede dois líderes italianos que marcaram a história recente da operação: Antonio Filosa, hoje CEO global da Stellantis, e Emanuele Cappellano, atualmente à frente da operação europeia. O novo presidente destacou que ambos foram fundamentais para conquistar algo que considera essencial para o sucesso na região: autonomia local para tomada de decisões.
Transformação em três pilares
O executivo foi enfático ao reconhecer o cenário de mudanças profundas pelo qual passa a indústria automotiva. “O momento que a gente vive hoje na indústria automotiva é de transformação”, disse Zola, apontando três pilares estratégicos que norteiam as ações do grupo: sustentabilidade, mobilidade e novas tecnologias.
“Muitos de nós, alguns anos atrás, talvez imaginássemos que a velocidade da mudança de comportamento do consumidor fosse um pouco diferente do que ela tem sido na realidade. O mercado e o comportamento do consumidor estão mudando muito mais rápido do que muitos esperavam”, reconheceu o presidente. Para ele, a capacidade de cada empresa se adaptar a essas mudanças com velocidade e eficiência é o que determinará quem continuará crescendo.
A estratégia da Stellantis, segundo Zola, está clara: “O cliente precisa sempre estar no centro das nossas atenções. É fundamental termos capacidade de identificar as necessidades dos nossos clientes, como o mercado está mudando, para virmos sempre de maneira muito eficiente e muito rápida com soluções.”
Para 2026, Zola expôs cinco novidades: dois modelos Leapmotor, o Jeep Avenger, a Ram Dakota e um Fiat sob uma capa, o que sugere a estreia do Panda, novo compacto de entrada.
Produzir o que vende, não vender o que produz
Um dos conceitos que Zola mais enfatizou durante sua apresentação foi a necessidade de inverter a lógica tradicional da indústria. “Nós precisamos fazer com que a empresa tenha a capacidade de produzir o que vende e não de vender o que ela produz”, afirmou. Para ele, vender o que produz requer um esforço maior e leva à perda de eficiência, em termos de resultado financeiro.
Essa filosofia se torna ainda mais relevante diante do crescimento acelerado das marcas chinesas no mercado brasileiro. Zola apresentou números que mostram como a participação dos fabricantes chineses saltou de menos de 1% em 2019 para praticamente 9% atualmente, ultrapassando até mesmo a marca de 10% em alguns meses recentes.
“É claro que alguém ganhou 10% e alguém perdeu. Evidentemente, alguém perdeu”, reconheceu o executivo. “O que é importante é que, até o momento, as nossas estratégias estão seguindo na direção certa, porque não perdemos. Eles ganharam 10% de espaço ao longo dos últimos cinco anos, e a Stellantis não perdeu. Pelo contrário, ganhou espaço no mercado brasileiro.”
Os números reforçam o argumento: a Stellantis mantém 29,5% de participação no mercado brasileiro, 31% na Argentina e 22,8% no Uruguai, liderando a região com 23% de market share na América do Sul.
A resposta com a Leapmotor
Zola deixou claro que os bons resultados atuais não são motivo para acomodação. “Isso não é um motivo para jogar confete do alto. O que precisa ser feito para continuar ganhando espaço no mercado e não correndo o risco de perder com a chegada dos chineses, de novos produtos e de novas tecnologias?”
A resposta estratégica da Stellantis chama-se Leapmotor, sexta marca do grupo no Brasil, que estreia com dois modelos de SUVs: o C10, oferecido tanto na versão 100% elétrica quanto com o sistema ultra híbrido EREV (Extended Range Electric Vehicle), e o B10. A marca chinesa, fundada em 2015 e já consolidada em seu mercado de origem, chega ao Brasil com uma proposta diferenciada.
“Ela nasceu eletrificada, minimalista, futurista, super tecnológica”, destacou Zola sobre a Leapmotor. Na China, ela já tem mais de 1 milhão de carros produzidos, 1.700 pontos de venda e, no último mês, vendeu 65 mil carros.
O executivo foi cuidadoso ao definir as expectativas para a nova marca. “Não temos a ambição que outras marcas chinesas têm de chegar e em seis meses estar vendendo volumes astronômicos, com uma rede gigantesca. Não é esse o nosso plano. Nós vamos dar passo a passo. Nós vamos construir um plano absolutamente gradativo de crescimento”, afirmou.
A Leapmotor inicia operações com 36 lojas em 29 cidades brasileiras, todas em concessionários que já trabalham com outras marcas do grupo Stellantis e isso é uma vantagem competitiva por poderem compartilhar oficinas e aproveitar o know-how já estabelecido.
Sobre a possível localização da produção da Leapmotor, o presidente foi cauteloso mas deixou claro o caminho: “Não é uma decisão tomada, mas é algo que claramente vem sendo estudado por nós com bastante intensidade e eu espero avançar nessa direção o mais rápido possível para garantir a nossa competitividade no futuro.”
‘Aqui não tem zona de conforto’
O novo comandante da operação sul-americana quer continuar líder e sem zona de conforto. “É exatamente a capacidade que temos de desafiar os nossos times, de querer fazer melhor, de fazer mais e de trazer tecnologias que se adaptem melhor às necessidades do cliente. Isso é o que vai nos dar a oportunidade de continuar na posição que estamos”, completou.
Eletrificação acelerada do portfólio
Quando questionado sobre a estratégia de eletrificação, Zola foi claro: a Stellantis vai acelerar significativamente a introdução de veículos eletrificados em todas as suas marcas. Ao longo dos próximos meses, todas as outras marcas do grupo terão de maneira gradual. E em 2026 o grupo vai expandir a eletrificação na frota como um todo, em todas as marcas.
Ele não tem dúvidas que os híbridos vão ter um espaço muito maior no mercado do que os elétricos no Brasil durante um bom período. Até que o País tenha uma estrutura completamente diferente do que existe hoje para o veículo elétrico atender as necessidades dos consumidores.
Sobre o futuro da eletrificação no Brasil, Zola foi ainda mais longe: “Eu tenho convicção de que dentro de um cenário de cinco anos, com toda certeza, os híbridos ou os eletrificados, de alguma forma vão superar os carros a combustão, em termos de volume.”
Crise de semicondutores e soluções emergenciais
Zola abordou uma questão urgente que preocupa toda a indústria: a possível falta de semicondutores devido a restrições impostas pela China. “É um tema que nos fez perder uma parte do sábado e do domingo, debatendo, fazendo reuniões e tentando identificar uma solução que possa ser eficiente e imediata, porque claramente estamos na iminência de uma parada das nossas fábricas caso a gente não consiga resolver essa situação”, revelou.
O executivo elogiou o trabalho da Anfavea junto ao governo brasileiro e se mostrou otimista. “Acho que a Anfavea trabalhou muito bem junto com o governo, buscando uma solução. Eu mesmo tive a oportunidade de participar de uma reunião na Anfavea na última semana, junto com outros CEOs de outras montadoras. Nossa expectativa hoje é bem mais otimista do que era na sexta-feira anterior. Eu acredito que, de fato, vamos chegar em uma solução.”
2026 em cenário desafiador
Zola foi cauteloso sobre 2026. “Claramente um ano de difícil leitura, um ano eleitoral no Brasil, portanto, com todas as movimentações que hoje influenciam o mercado, especialmente taxa de juros, que está no nível altíssimo, o maior, basicamente, dos últimos 10 anos.”
Sua perspectiva para o ano que vem não é de um crescimento muito ostensivo. “É provável que o mercado cresça este ano algo entre 3% e 4% e para 2026 vai ficar mais perto de 3%, olhando para o cenário atual”, projetou o executivo.
Zola encerrou sua apresentação reforçando o otimismo apesar dos desafios. “Mesmo em um mercado super desafiador, cada vez mais competitivo, em transformação, diante dos nossos assets, dos planos de produto, especialmente da atitude do nosso time, eu acredito que vamos continuar avançando e ocupando uma posição de muito destaque no mercado.”