Volkswagen Tera provoca efeito dominó e define preços e forças do mercado

Nova ofensiva da Volkswagen pressiona rivais, derruba preços, mexe nos SUVs familiares e expõe a falta de renovação no segmento de entrada

6 dez 2025 - 09h54

Semanas atrás, dei aqui um palpite sobre as consequências da chegada do VW Tera ao mercado de SUVs subcompactos. A despeito das paixões dos leitores pela marca A e B, e o verdadeiro ódio que alguns nutrem pelas fabricantes C e D, eu só fiz uma análise do que parecia óbvio, goste-se ou não do novo SUV da marca. Ele se tornaria um dos carros mais vendidos do país, tamanha a disposição que a Volkswagen parecia ter em colocá-lo desde o início na mesma prateleira de Fusca e Gol, isto é, os dois carros mais importantes da história da marca no país.

Aproveitando o relatório dos modelos mais vendidos do país em novembro, além do acumulado do ano, produzido pelos amigos da K.Lume Consultoria, eu me deparo com o VW Tera na vice-liderança das vendas em novembro pelo segundo mês consecutivo, atrás só de Fiat Strada. Já são mais de 37 mil unidades do Tera emplacadas no país em poucos meses de mercado.

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Adivinhar que o Tera se colocaria como um dos mais vendidos era moleza. Mais do que isso: arrisquei o palpite que os concorrentes diretos iriam ter preços derrubados no varejo, visto que o modelo da VW parecia estrear no país com um apetite voraz, daqueles que reposicionam os principais rivais – goste-se ou não do carro e da marca.

Volkswagen Tera High 170 TSI 1.0
Volkswagen Tera High 170 TSI 1.0
Foto: VW / Guia do Carro

Qual não foi minha surpresa (estou sendo cínico, desculpe, surpresa nenhuma) quando vejo o Renault Kardian sendo anunciado por R$ 97.990. Procure no seu marketplace favorito. Tá lá. Ou estão lá. São vários os anúncios abaixo de R$ 100 mil. Essa versão Evolution na tabela, com câmbio manual, custa R$ 113.690. Precisa dizer mais alguma coisa?

SUVs familiares tem pelo menos três chineses muito fortes

Quando você olha a lista dos mais vendidos, Toyota Corolla Cross e Jeep Compass ainda aparecem lá em cima, no topo do ranking. O primeiro fez 57 mil unidades de janeiro a novembro, enquanto o vice-líder alcançou 54,6 mil. “Ah, mas os chineses não estão incomodando?” Opa, se estão. O trio mais vendido nessa mesma faixa de preços (CAOA Chery Tiggo7, GWM Haval H6 e BYD Song) somam 94,8 mil unidades.

Além de tirarem vendas da dupla campeã, o que parece óbvio, eles mexem sensivelmente nas margens, pelo menos no caso do Compass. O Corolla Cross segura muito mais os preços no varejo, sendo encontrado praticamente no preço de tabela: R$ 190 mil. Mas o Compass... derreteu. A versão Longitude, que custa R$ 196 mil no preço de lista, é facilmente encontrada por R$ 15 mil ou R$ 20 mil a menos.

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E não é que a Saveiro está lá também?

O sucesso do Fiat Strada é tão emblemático, liderando as vendas de todos os carros e comerciais leves vendidos no país (128,4 mil unidades nos primeiros 11 meses do ano, contra 112,2 mil do segundo colocado, o VW Polo), que a gente olha para o VW Saveiro e não reconhece sua relevância. Pois, no mesmo período de janeiro a novembro, ele emplacou 59,6 mil unidades – é o nono veículo mais vendido do país.

O duelo das famílias mostra vantagem da Volkswagen

Há quatro duplas que praticamente ocupam todo o segmento de veículos compactos do país: VW Polo/Virtus, Fiat Argo/Cronos, Chevrolet Onix/Onix Plus e Hyundai HB20/HB20S. Você arriscaria um palpite em como se perfila o ranking de vendas das respectivas duplas? Vamos lá: a VW fez 146,8 mil carros, seguida por GM (118,2 mil), Fiat (116,1 mil) e Hyundai (109,8 mil). Mas atenção: na dupla campeã, o mérito é do Polo: ele tem 76% do mix.

Hilux continua lá em cima, mas a tropa inimiga se aproxima 

A diferença para as demais vem caindo. Lembro de ter trabalhado em pesquisas de mercado apurando números e mapa de calor das vendas de picapes médias nas mais variadas regiões do país. Isso quando a JAC ensaiava o lançamento da Hunter. Eu tinha os números consolidados de 2023. E a Hilux era dona de quase metade do segmento.

Ela continua líder. São 45,4 mil unidades emplacadas. Só que a tropa está se aproximando: Ford Ranger (30,8 mil). A diferença nunca foi tão pequena entre líder e vice. E a Chevrolet S10 vem encostadinha na Ranger: 27,9 mil. Na sequência, você tem Mitsubishi (L200+Triton), com 14 mil, Fiat Titano (5,8 mil), Nissan Frontier (5 mil), VW Amarok (2,4 mil). As chinesas da BYD, Foton e JAC somam 1,7 mil.

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Mercado brasileiro não cresce porque não tem novidade

Já abordei esse tema. O mercado brasileiro continuará patinando na faixa de 2,5 milhões a 2,6 milhões, a se comprovar com as vendas desse mês no fechamento do ano, por diversas condições macroeconômicas, como juros altos que dificultam o acesso ao crédito. Mas também por falta de produtos atrativos na base da pirâmide.

Nenhum mercado em um país em desenvolvimento cresce na faixa dos médios – mesmo o europeu, que viu o VW Golf reinar por décadas, hoje assiste à supremacia nas vendas do Dacia Sandero. Por que me refiro a isso?

Ora, o Brasil tem, na prática, só dois carros subcompactos: Fiat Mobi e Renault Kwid. Juntos, eles venderam 118,7 mil unidades. Não que brasileiro aprecie carro com menos de 3,7 metros, não é isso. Mas a possibilidade de alavancar um crescimento significativo nas vendas, que interfira nos volumes globais, não se dará com a chegada de novos SUVs, pois esses são exemplares lá na casa dos R$ 150 mil a R$ 200 mil. Quando chega uma novidade, o mercado não cresce. A novidade toma venda do amiguinho.

Quando você tem opções atrativas no segmento de entrada, aí sim o mercado cresce, pois você atrai quem hoje só atua nos seminovos. Maior prova disso foi a chegada do BYD Dolphin Mini, que trouxe o preço de um carro 100% elétrico para menos de R$ 120 mil. Não à toa, ele faz 2,5 mil ou 2,6 mil unidades mensais.

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Imagina quando os chineses tiverem economia de escala

Já estou cantando essa bola há tempos: as marcas chinesas estão começando a produzir no Brasil, vêm formando redes autorizadas, além de apresentarem tecnologias interessantíssimas para os compradores de carros de R$ 180 mil a R$ 250 mil. Por isso têm feito tanto barulho.

Nesse processo de estreia no país, você trabalha com carros que te deem imagem de marca e margem de lucro, isto é, eletrificados, grandes, luxuosos... ou tudo isso misturado, preferencialmente. Haverá um dia em que elas terão a rede bem distribuída, a imagem consolidada... e passarão a ter, também, a tal economia de escala. Esse é um pressuposto básico para mergulhar no segmento de carros subcompactos e compactos, ou seja, você ganha mais no volume do que na margem. Um dia, eles chegarão lá.

Já imaginou a choradeira de quem hoje poderia enxergar esse nicho como estratégico para crescer com volumes de vendas... mas não o faz, porque é mais fácil fazer um “hatch altinho”, mais conhecido como SUV compacto, e cobrar R$ 150 mil? Anota aí. Logo logo acontece.

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