Há franquias que já nascem para dividir opiniões, e Terrifier é uma delas. Sangue por todo lado, crueldade visceral nojenta e um humor tão sombrio que chega a incomodar: esse é o pacote que transformou Art, o Palhaço, em um dos vilões mais marcantes do terror moderno.
Não é exagero colocá-lo ao lado de lendas como Michael Myers, Jason Voorhees ou Freddy Krueger — ele já habita o mesmo imaginário pop. Então, sendo eu um fã de filmes de terror, quando anunciaram um jogo baseado na série, fiquei bastante animado. Porém, a surpresa veio com o formato escolhido: um beat ’em up 2D de rolagem lateral e visual retrô. Confira a seguir aqui no Game On o que esperar desse game.
Massacre com alma retrô
Desenvolvido pelo estúdio indie Relevo e distribuído pela Selecta Play, Terrifier: The ARTcade Game tenta traduzir a violência estilizada dos filmes em um jogo que conversa muito mais com o clássico Splatterhouse (lembra dele?) do que com o horror da franquia original.
Em vez de recontar a trama dos filmes, o jogo abraça a metalinguagem: você controla Art e sua trupe insana em uma vendeta contra Hollywood, que estaria “roubando” seus crimes para fazer dinheiro. São ondas de batalhas em sets de filmagens psicodélicos, confrontos com técnicos de som superpoderosos e produtores caricatos (inspirados em membros reais da equipe dos filmes), além de encontros com figuras já conhecidas da mitologia da franquia. Vendo assim, parece delicioso, não é?
Mas basta alguns minutos de gameplay para perceber que o charme não se sustenta. Em um momento em que o beat ’em up vive uma nova fase de ouro — vide Streets of Rage 4, TMNT: Shredder’s Revenge ou até pequenas pérolas indie, como Absolum, que revigoraram o gênero —, ARTcade parece um visitante de outra época que não aprendeu a envelhecer.
O combate é raso, sem peso, sem ritmo; um botão de combo automático, um ataque forte isolado e algumas variantes de pulo e corrida que nunca evoluem para algo interessante. Não há malabarismos, não há cadência, não há aquela sensação gostosa de domínio que define um bom beat ’em up. É como socar o ar enquanto espera que algo divertido aconteça.
As execuções — um recurso que poderia ser o grande diferencial, dado o histórico sangrento da série — se esgotam rápido: cada personagem tem apenas duas animações, e repetir isso fase após fase tira todo o impacto. O jogo ainda adiciona pequenos tropeços irritantes, como ter de martelar um botão para se levantar do chão todas as vezes, algo que quebra completamente o fluxo da ação.
E tudo isso dói mais porque dá para ver que existe paixão no projeto. Há modos extras, conteúdo para desbloquear e a possibilidade de se jogar com quatro pessoas simultaneamente - além de Art, é possível escolher outras figuras que aparecem nos filmes, como a versão corrompida de Victoria “Vicky” Heyes, a entidade da Pequena Garota Pálida e Adam Burke, a versão maligna do enfermeiro vivido por Chris Jericho nos longas.
Nada disso, porém, compensa uma jogabilidade que simplesmente não acompanha o que o gênero voltou a produzir nos últimos anos. É frustrante, especialmente para quem conhece o potencial estético e narrativo do universo da franquia. Art, o Palhaço, merecia algo mais inspirado.
O visual retrô é até charmoso e tenta recriar aquela estética de fliperama feita de sprites exagerados e cores saturadas, lembrando muito a escola artística popularizada por Scott Pilgrim vs. the World: The Game.
Mas enquanto o clássico inspirado nos quadrinhos entrega animações fluidas, personalidade transbordando em cada golpe e um cuidado quase artesanal com cada quadro, ARTcade adota um estilo mais cru, propositalmente sujo, que combina com o clima gore da franquia, mas carece da mesma finesse técnica.
A comparação evidencia o contraste: Scott Pilgrim usa o retrô como estilo e celebração; Terrifier abraça o retrô como brutalidade, como se cada pixel tivesse sido mergulhado em sangue. É um visual que funciona pela temática, mas não alcança o mesmo charme ou o mesmo impacto estilizado de seu “primo” mais famoso.
O único elemento que realmente se destaca é a trilha sonora. Cody Carpenter — filho do lendário cineasta e compositor John Carpenter e herdeiro natural da musicalidade sintetizada do mestre — entrega um trabalho soberbo, que inclusive remixa temas conhecidos dos filmes. É aquele tipo de música que, em um jogo melhor, seria lembrada por anos.
Outro ponto que merece destaque é a localização em português do Brasil, que, apesar de simples, cumpre bem seu papel ao tornar o game mais acessível para o público brasileiro — especialmente para quem já acompanha a franquia e vibra com cada novo lançamento envolvendo o palhaço psicopata.
Considerações
No fim das contas, Terrifier: The ARTcade Game é um daqueles títulos que nascem com uma boa ideia, mas tropeçam justamente no que deveria sustentá-lo: a jogabilidade. O conceito metalinguístico, o humor ácido, a estética de fliperama e até o elenco de personagens tinham potencial para transformar o game em uma pequena joia cult dentro do gênero.
Em vez disso, o que recebemos é uma experiência engessada, repetitiva e incapaz de acompanhar o renascimento criativo dos beat ’em ups nos últimos anos. É como assistir a um filme de horror com um vilão icônico, mas cuja direção simplesmente não sabe como fazer todas as peças funcionarem juntas. Fica a esperança de que, no futuro, alguém finalmente consiga transformar esse universo sangrento em um jogo tão memorável quanto o próprio Art.
Terrifier: The ARTcade Game está disponível para PC, PlayStation 5, Switch e Xbox Series.
Esta análise foi feita no PlayStation 5, com uma cópia do jogo gentilmente cedida pela Selecta Play.