As novas regras do Saque-Aniversário do FGTS, que limitam valores e operações, dificultam o acesso ao crédito mais barato, prejudicando especialmente famílias de baixa renda, aumentando o endividamento e a desigualdade financeira no Brasil.
Milhões de brasileiros que encontraram no Saque-Aniversário do FGTS uma forma de pagar contas, sair do vermelho e reorganizar o orçamento perderam o acesso ao crédito mais barato do país.
Em vigor desde 1º de novembro, as novas regras aprovadas pelo Conselho Curador do FGTS limitam o valor das antecipações a R$ 500, restringem o número de operações a cinco por ano e impõem uma carência mínima de 90 dias para a primeira contratação. As medidas entram em vigor justamente em um momento de recorde de endividamento das famílias brasileiras.
Segundo estudo da FGV, o Saque-Aniversário já movimentou R$ 206 bilhões desde 2020 e se consolidou como uma das principais ferramentas de reequilíbrio financeiro entre as classes de menor renda. Mais de 57% dos beneficiários utilizaram os recursos para quitar dívidas, enquanto 26% destinaram o valor a despesas essenciais como aluguel, energia e alimentação.
Para a PROTESTE Euroconsumers-Brasil, organização de defesa do consumidor, as novas regras penalizam quem mais precisa e agravam a exclusão financeira. O crédito com base no FGTS tem juros médios de 1,79% ao mês, contra 3,79% no consignado privado, disponível apenas a celetistas ativos, e até 20% ao mês para negativados fora da plataforma do governo. Ao restringir essa modalidade, o governo empurra o trabalhador para linhas impagáveis e tira dele o poder de escolher como usar o próprio dinheiro.
O impacto é direto. Famílias com renda de até três salários mínimos, parcela mais vulnerável da população, perdem o acesso a uma linha de crédito segura, transparente e com desconto direto em folha. O que deveria proteger o trabalhador acaba reduzindo sua autonomia e ampliando a desigualdade financeira.
A Alexsandra dos Santos Silva, de 51 anos, assistente de asseio e conservação em São Paulo, recorre ao Saque-Aniversário sempre que possível para equilibrar as contas e garantir o básico em casa. “Me ajudou muito. Tem horas que passo aperto, mas quando aparece esse dinheiro já me ajuda a comprar uma mistura ou até pagar uma conta. Se o governo mudar, vai fazer com que o pobre se meta em outros empréstimos com mais juros”, conta.
Já Tamiris Farias, de 36 anos, secretária executiva, vive uma realidade diferente, mas igualmente afetada. Ela usou o Saque-Aniversário de forma pontual, em um momento de aperto, e hoje não faz mais uso da modalidade. “O saque me ajudou a desafogar algumas despesas e até a provisionar gastos que poderiam comprometer minha renda. Com o limite atual de R$ 500, eu certamente teria recorrido a outras opções de empréstimo, e com juros bem maiores.”
As duas histórias mostram que as novas regras atingem perfis diferentes de trabalhadores, tanto quem depende do benefício para sustentar a casa quanto quem o utilizava de forma planejada como alternativa de crédito.
Para a PROTESTE, o verdadeiro problema não está no Saque-Aniversário, mas na regra que impede o trabalhador demitido sem justa causa de sacar o saldo integral do FGTS. Essa limitação é a única falha que precisa ser corrigida, pois o fundo tem recursos mais que suficientes para garantir tanto o Saque-Aniversário quanto o Saque-Rescisão. Em 2024, o FGTS totalizava R$ 770,4 bilhões, mantendo plena capacidade de financiar habitação, infraestrutura e a própria proteção ao trabalhador.
Dados que mostram o impacto social do Saque-Aniversário
O Saque-Aniversário injetou R$ 206 bilhões na economia desde 2020
57% dos beneficiários usaram o crédito para quitar dívidas
26% destinaram o valor a despesas básicas como alimentação e aluguel
O FGTS mantém saldo superior a R$ 770 bilhões, mesmo após cinco anos da modalidade
A taxa média de juros do crédito via FGTS é de 1,79% ao mês, contra 3,79% no consignado privado e até 20% ao mês em modalidades tradicionais do mercado
(*) Homework inspira transformação no mundo do trabalho, nos negócios, na sociedade. É criação da Compasso, agência de conteúdo e conexão.