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Europa negocia tarifas como ditam as regras, mas Trump está rasgando o manual

O governo Trump enxerga as negociações tarifárias como uma oportunidade para pressionar um rival. Já as autoridades da União Europeia conduzem o diálogo como se estivessem tratando com um aliado

24 mai 2025 - 16h27

A União Europeia tem seguido regras consagradas do comércio global ao tentar negociar com o governo dos Estados Unidos para evitar tarifas pesadas sobre carros, produtos farmacêuticos e praticamente qualquer outro item. O problema? O presidente americano Donald Trump está rasgando esse manual.

Trump anunciou em uma postagem na Truth Social, na manhã de sexta-feira (23), que está recomendando uma tarifa de 50% sobre as importações europeias a partir de 1º de junho, alegando que as barreiras comerciais, impostos, penalidades corporativas e outras políticas do bloco contribuíram para um desequilíbrio comercial com os EUA que seria "totalmente inaceitável".

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"A União Europeia, que foi formada com o principal propósito de tirar vantagem dos Estados Unidos no Comércio, tem sido muito difícil de lidar," escreveu Trump. "Nossas discussões com eles não estão indo a lugar nenhum!", acrescentou.

O anúncio surpresa veio após meses de negociações entre essas duas grandes economias, que, como sugerido por Trump, fizeram poucos avanços. Os oficiais europeus abordaram as negociações como se estivessem lidando com um aliado. Mas encontraram uma administração Trump que vê isso menos como uma oportunidade para dois amigos geopolíticos buscarem uma solução mutuamente benéfica e mais como uma chance de pressionar um rival comercial a fazer concessões.

Desde que assumiu o cargo em janeiro, Trump impôs sucessivas tarifas ao bloco econômico de 27 países e ao resto do mundo. Ele mirou setores como aço, alumínio e automóveis com taxas específicas, além de ameaçar impor alíquotas mais amplas para a maioria dos parceiros comerciais dos EUA. Em abril, no entanto, anunciou uma pausa nessas tarifas gerais por 90 dias, enquanto os países negociavam acordos.

O anúncio do presidente, se implementado, não só atingiria a União Europeia com essas tarifas amplas antes do fim do período de negociação planejado, como também mais do que dobraria a taxa que o bloco esperava.

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Durante as negociações, os representantes do bloco europeu sugeriram o que chamaram de soluções vantajosas para ambos os lados, incluindo um plano para eliminar tarifas sobre produtos industriais e comprar mais gás dos Estados Unidos.

Mas, segundo diplomatas, autoridades e pessoas familiarizadas com as negociações, os negociadores americanos têm buscado ofertas unilaterais. Os próprios funcionários da Casa Branca deram a entender que isso não é uma troca. É apenas uma tomada. "Acredito que o presidente ache que as propostas da UE não têm a mesma qualidade que vimos de outros parceiros comerciais importantes," disse Scott Bessent, secretário do Tesouro dos EUA, à Fox News na sexta-feira (23).

As tarifas são apenas um dos aspectos da reformulação da relação entre Estados Unidos e Europa, que por gerações esteve entre os aliados mais próximos da América. Trump fez críticas verbais a Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, ao mesmo tempo em que recuou no apoio pleno ao país em sua guerra contra a Rússia. Ele insistiu que os Estados Unidos não vão mais pagar pela segurança da Europa e até sugeriu que pode não apoiar membros da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) que, segundo ele, não contribuem suficientemente para a própria defesa.

À medida que Trump remodela os contornos básicos da relação entre EUA e Europa, ele pressiona o bloco a realizar várias mudanças relacionadas ao comércio que os funcionários da UE não estão dispostos sequer a considerar.

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Trump quer que os países europeus eliminem o sistema de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), um tributo chave sobre o consumo — algo que, segundo os negociadores, está fora de cogitação. Autoridades americanas também sugeriram que a Europa mude seus padrões sanitários alimentares para importar mais carne bovina americana — outra proposta rejeitada.

Houve também críticas a Europa por suas regulações sobre serviços digitais e empresas de redes sociais — políticas que os europeus também se recusam a reconsiderar. Mas, ao contrário de economias menores como o Reino Unido, que já firmou um acordo com o governo Trump, a União Europeia tem uma relação comercial grande o suficiente com os Estados Unidos para que seus dirigentes acreditem que têm algum grau de influência.

A relação comercial da Europa com os Estados Unidos é, segundo algumas métricas, a maior do mundo. Quase 5 bilhões de dólares em bens e serviços cruzam o Atlântico diariamente entre os dois parceiros, segundo estimativas da UE. Embora a Europa venda mais bens para os EUA do que compre — o déficit comercial de bens foi de cerca de 180 bilhões de dólares em 2023 — ela compra mais serviços americanos do que vende de volta.

Maros Sefcovic, o comissário europeu de comércio, e seus colegas viajaram repetidamente a Washington, capital dos EUA, para conversar com Howard Lutnick, secretário de comércio, e Jamieson Greer, representante comercial do governo americano.

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Sefcovic conversou com seus colegas nos Estados Unidos na sexta-feira após a ameaça de Trump e publicou nas redes sociais: "O comércio UE-EUA é incomparável e deve ser guiado pelo respeito mútuo, não por ameaças. Estamos prontos para defender nossos interesses".

Além de fazer propostas, os funcionários europeus também prepararam duas ondas de contramedidas que aplicariam tarifas mais altas sobre produtos americanos que entram na Europa, caso nenhum acordo seja alcançado. A segunda rodada de tarifas de retaliação — que poderia atingir 95 bilhões de euros em bens americanos, como bourbon e soja — ainda está sendo ajustada.

Nem as ofertas nem as ameaças da Europa foram bem recebidas pelo governo Trump. "Existem países impossíveis na União Europeia," disse Lutnick em um evento da Axios no início da semana.

Analistas em Washington e Bruxelas disseram na sexta-feira que veem a tarifa de 50% como uma tática de negociação. Mas como essa disputa será resolvida ainda é incerto. "Existe uma diferença significativa entre as expectativas da UE sobre o que pode alcançar nessas conversas e o que a administração americana está disposta a conceder," disse Jörn Fleck, diretor sênior do Europe Center no Atlantic Council, em Washington.

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Se as tarifas de 50% realmente entrarem em vigor e forem mantidas, seriam devastadoras para o bloco. Atualmente, a UE enfrenta tarifas gerais de 10% sobre suas exportações, como outros países. Após o término da pausa de 90 dias em julho, o bloco esperava enfrentar tarifas de 20%, conforme anunciado anteriormente pelos EUA.

As autoridades europeias esperavam que as tarifas voltassem a níveis similares aos que prevaleciam antes deste ano, uma redução até mesmo dos atuais 10%. Mas essa não é a proposta da equipe de Trump. "O presidente decidirá se nos fizeram uma proposta que justifique modificar os termos tarifários," disse Lutnick no início da semana.

"Se eles não nos fizerem uma proposta que justifique a mudança, o presidente escreverá uma carta dizendo: 'Caro país A, agradecemos profundamente por fazer negócios conosco. Aqui está sua tarifa.'" E completou: "Não haverá piso abaixo de 10."

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