"Todo ano, importadores chegam dizendo: 'preciso de 100 mil toneladas', 'preciso de 200 mil toneladas para fechar a conta interna'." A frase do consultor José Pimenta, da BMJ Consultoria, sintetiza a centralidade do agronegócio brasileiro no tabuleiro global. Em um mundo onde inflação, choques logísticos e protecionismo se acumulam, o Brasil virou fator de equilíbrio, um complemento indispensável para dezenas de países que dependem da produção nacional para abastecer suas populações.
No painel "O futuro do Agro", Pimenta observou que essa dependência não é ocasional, é estrutural. "Segurança alimentar virou um ativo geopolítico", afirmou. China, Índia, países do Oriente Médio, diversos mercados africanos e mesmo grandes economias desenvolvidas hoje, como até os Estados Unidos, consideram o Brasil um pilar de estabilidade.
Não por acaso, desde a pandemia já são mais de 3 mil medidas protecionistas no mundo, e quase metade delas vem de Estados Unidos, União Europeia e China, afetando diretamente o comércio agrícola. "Num ambiente como esse, quem consegue entregar volume, regularidade e qualidade ganha espaço. E o Brasil entrega."
Mas ocupar esse lugar no mundo traz responsabilidades e pressões que o setor sente dentro da porteira. É nessa tensão entre oportunidades globais e gargalos internos que estão os desafios do agronegócio da próxima década.
Competitividade
Alexandre Pedro Schenkel, produtor rural e presidente do Instituto Brasileiro do Algodão (Iba), reforçou que garantir esse papel global exige recuperar competitividade. "O produtor brasileiro está no limite. O custo de produção explodiu", afirmou. Fertilizantes, biotecnologia, defensivos, tudo ficou mais caro. "Todo mundo na cadeia ganhou muito na última década. Agora, todo mundo precisa ajudar a equilibrar."
Schenkel chama atenção para um ponto que o resto do mundo ainda não enxerga com clareza: a disputa desigual entre fibras naturais e sintéticas. Enquanto o Brasil se firma entre os maiores produtores globais de algodão de alta qualidade, 95% das fibras importadas pelo País são sintéticas, basicamente plástico.
"Estamos trazendo para dentro do País um problema de microplástico que vai cair no rio, no mar e na roupa das próximas gerações. É uma discussão de saúde pública." Para ele, o futuro da agricultura brasileira passa pela agenda do "bio": biofibras, biossumos, biocombustíveis e bioalimentos.
No setor da soja, o desafio não é só produzir, é comprovar que a produção está dentro das regras, principalmente as ambientais. "A dificuldade hoje não é cumprir, é provar que cumprimos", explicou Pedro Garcia, gerente de sustentabilidade da Abiove.
O Código Florestal, a rastreabilidade crescente e as ferramentas de monitoramento são reconhecidas globalmente, mas as novas regras europeias elevaram a pressão a outro nível. "Os mercados querem ver, querem transparência total. E as empresas precisam mostrar, em detalhes, de onde vêm os grãos e como é feita a checagem."
Para Garcia, o Brasil tem condições técnicas e legais para atender. O problema é fazer isso à velocidade exigida pelo mercado internacional, especialmente quando a narrativa externa sobre o País oscila entre confiança e desconfiança.
Infraestrutura
A pressão externa por confiabilidade esbarra em um gargalo interno conhecido e persistente: logística e armazenagem. "Chegamos ao ponto de ter oferta, ter demanda, ter comprador, e não ter como entregar", resume Sérgio Bortolozzo, presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB).
Ele aponta que o País avançou em portos, ferrovias e escoamento, mas não resolveu o básico, a infraestrutura interna. No Brasil, 80% da carga do agro (índice que representa o consumo interno) circula em estradas saturadas. E, com juros altos, ficou inviável para o produtor investir na construção de silos próprios.
"Ninguém aguenta financiar armazenagem a 18%, 20% ao ano." Para Bortolozzo, há também uma batalha de imagem a ser enfrentada - e perdida até agora. "O agro fala com convertidos. Precisamos explicar para o País o que somos, o que fazemos, como produzimos."
Insegurança
Tania Zanella, presidente do Instituto Pensar Agro e superintendente da Organização das Cooperativas Brasileiras, tece as preocupações dos demais em um mesmo enredo. Para ela, o Brasil só manterá sua posição global se der ao produtor segurança jurídica, regulatória e operacional. "É impressionante: somos responsáveis por 25% do PIB, mas vivemos sob uma espada permanente. Mudam regras, mudam interpretações, mudam processos. Isso trava decisões de investimento."
Instrumentos centrais como Plano Safra, seguro rural e mecanismos de mitigação de risco climático caminham devagar demais diante de eventos extremos que se multiplicam. E reforça o papel do cooperativismo como rede de proteção e escala: 53% da originação de grãos do País já passa por cooperativas, e 71% dos cooperados são agricultores familiares. "O cooperativismo dá acesso a tecnologia, crédito, assistência e mercado. Ele segura a barra."
Se o Brasil tem clima, escala, tecnologia e reputação agrícola suficientes para continuar sendo o "plano B, C e D" de muitos países, ele não pode deixar de fazer a lição de casa, segundo os especialistas no tema reunidos no Summit Estadão Agro. E a lista de tarefas é grande: logística, previsibilidade regulatória, competitividade, comunicação e comprovação de sustentabilidade.
Se não fizer, outros fornecedores ocuparão o espaço. Se fizer, reforça sua posição estratégica no mundo. Ou, então, a analogia de Schenkel é quem aparece na curva: "Quando aperta, o produtor brasileiro é o Ayrton Senna da agricultura mundial, que se destacava mais do que os outros na chuva."
Passaporte para a competitividade
Na abertura do Summit Agro 2025, Eurípedes Alcântara, diretor de Jornalismo do Grupo Estado, chamou atenção para o fato de que o agronegócio nacional, agora, aposta na tecnologia como passaporte para competitividade. "Diante de regras globais mais rígidas, como a exigência de rastreabilidade da União Europeia, o Brasil precisa comunicar melhor seus avanços e acelerar inovação", analisou o jornalista.
Além disso, a digitalização dos sistemas de monitoramento e a inteligência aplicada ao campo, segundo Alcântara, tornam-se essenciais para diversificar mercados, garantir sustentabilidade e afirmar o papel estratégico do País na segurança alimentar mundial.