Expandir negociações comerciais além do acordo com a União Europeia hoje interessa à esquerda e à direita do bloco sul-americano, diz professor da UnB.A Cúpula do Mercosul em Foz do Iguaçu, neste sábado (20/12), teve manifestações claras de desacordo entre seus dois principais líderes, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula das Silva , e seu homólogo argentino, Javier Milei , sobre a situação na Venezuela, sob cerco dos EUA.
Mas as diferenças políticas entre os membros do bloco vão além desse conflito. Dos quatro países fundadores do Mercosul, dois são hoje governados pela esquerda (Brasil e Uruguai ) e dois pela direita (Argentina e Paraguai ).
A Bolívia, que aderiu em 2024 e está em processo de adaptação de suas normas internas às regras do bloco, empossou em novembro passado seu novo presidente, de direita, Rodrigo Paz , após duas décadas de domínio da esquerda.
Mesmo nesse cenário, a tendência é que o Mercosul siga buscando novos acordos comerciais , pois é uma agenda que interessa tanto à direita como à esquerda no bloco, diz à DW Haroldo Ramanzini Júnior, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB).
"Em que pese as diferenças políticas entre as lideranças de parte dos países do Mercosul, há certa convergência na priorização das negociações comerciais do bloco [...] A agenda de negociações comerciais é uma das poucas que gera certa coesão", afirma.
Ela avalia que o eventual naufrágio do acordo com a União Europeia (UE) - que estava previsto para ser assinado no sábado e foi adiado para 12 de janeiro - impactará a credibilidade do bloco europeu "não apenas em relação ao Mercosul, mas também em relação a outros parceiros internacionais".
O Mercosul assinou em dezembro de 2023 um acordo de livre comércio com Singapura, após 12 anos sem novos tratados do tipo, e em setembro deste ano um acordo de livre comércio os países da EFTA (Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça). Há negociações em andamento com Emirados Árabes, Canadá e Índia.
Além das parcerias comerciais externas, Ramanzini destaca que é "fundamental" que o Mercosul também se esforce para ampliar o comércio intrabloco e a integração produtiva regional.
Hoje o comércio intrabloco entre os países do Mercosul representa 11% do comércio total na região. Na União Europeia, essa cifra é de 61%, e na Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), de 21%, segundo dados apresentados pelo Itamaraty.
DW: Como o senhor avaliou o adiamento da eventual assinatura do acordo com a UE, planejada para este sábado, e qual seria o impacto para o Mercosul caso o acordo naufrague de vez?
Haroldo Ramanzini Júnior: Considerando a importância geopolítica do acordo no atual contexto de instabilidades globais e o esforço realizado pelas partes para concluir as negociações, o adiamento da assinatura não é um bom sinal.
Cabe observar que a dificuldade para a assinatura está do lado da UE, em que pese os esforços do Mercosul para atender as demandas do lado europeu. Essa situação pode gerar certa redução da confiança política, impactando a própria credibilidade do bloco europeu, não apenas em relação ao Mercosul, mas também em relação a outros parceiros internacionais.
Independentemente de o acordo vir a naufragar ou não, penso que o Mercosul continuará buscando avançar a sua agenda comercial. A experiência da negociação com a UE em termos de construção da posição negociadora e dos temas cobertos pelo acordo será útil para as outras negociações que o Mercosul está envolvido.
Há clima político no Mercosul atualmente para avançar em outras frentes de expansão de mercados?
Em que pese as diferenças políticas entre as lideranças de parte dos países do Mercosul, há certa convergência na priorização das negociações comerciais do bloco. Essa é uma agenda que se vincula com a necessidade de diversificação geoeconômica e de abertura de novos mercados. Nessa agenda comercial, é importante lembrar que há também espaço para avançar medidas para a ampliação do comércio intra-Mercosul.
No atual contexto de fragmentação política, a agenda de negociações comerciais é uma das poucas que gera certa coesão no Mercosul. Por isso, é importante continuar avançando nessa agenda, para que os atores domésticos, em cada país, obtenham ganhos resultantes da ação do Mercosul. O Mercosul é um ativo fundamental para os países-membros e para a região.
O Mercosul negocia no momento acordos comerciais com Emirados Árabes e Canadá, e a expansão de um acordo com a Índia. Há também diálogos iniciais com Japão, Indonésia e Vietnã. Quais desses seriam mais promissores?
Diante de todas essas possibilidades diferentes de negociação, e considerando que algumas já estão em andamento, me parece fundamental que haja priorização.
Ao mesmo tempo, a agenda de negociações externas mantém o Mercosul ativo e exige diálogo frequente entre os países-membros. No atual contexto regional, esse diálogo se torna ainda mais importante.
Além disso, o momento posterior, de implementação dos acordos, demandará também significativa coordenação dos países-membros do Mercosul. Contudo, é fundamental que os esforços para a abertura de novos mercados fora da região sejam acompanhados por esforços equivalentes para a ampliação do comércio intrabloco e da integração produtiva regional.