Morreu aos 63 anos Gary "Mani" Mounfield, lendário baixista do Stone Roses e do Primal Scream, reconhecido por moldar o som do britpop e ser uma referência no rock inglês.
Estar ali, no meio do furacão que é a reativação do Oasis – uma banda que passou 15 anos no limbo para ressurgir em uma intensidade que só a de um vulcão adormecido pode explicar – já era uma experiência de sobrecarga sensorial. A pop-up store no Largo da Batata, tomada pela britpopmania revivida, pulsava com a expectativa dos dois últimos shows de uma turnê global que pausará (ou encerrará) em São Paulo. Era o ápice da ressurreição da realeza do rock britânico, e estava absorvendo esse renascimento quando a notícia apitou no celular do meu amigo Rodrigo James: Mani se foi. Gary “Mani” Mounfield, o baixista que forjou a espinha dorsal de uma era, morreu aos 63 anos.
A morte de um músico de seu calibre é sempre um baque, mas a forma como a notícia chegou, em meio a essa explosão de nostalgia e presente glorioso do Oasis, criou um contraste que só a música, em sua dialética de vida e morte, consegue orquestrar. Liam Gallagher, um dos príncipes desse reino, expressou o sentimento de uma geração em choque, devastado pela perda de seu “herói”. A dor de Liam não era apenas a de um colega; era a do discípulo de uma banda que, para muitos, personificou a perfeição fugaz do rock inglês: Stone Roses.
Mani, como era carinhosamente conhecido, foi o groove ambulante de Manchester. Sua jornada começou cedo, largando a escola aos 16 anos, em 1979, para se juntar ao Stone Roses. O álbum de estreia da banda, lançado em 1989, não foi um disco; foi um manifesto, um divisor de águas considerado uma das maiores obras da história do rock britânico. Mani não tocava apenas o baixo; ele ditava a cadência, o swing psicodélico que tirou o rock das jaulas do metal e do punk para as pistas de dança, dando o tom daquela cena que seria batizada de Madchester. É o tipo de influência que, décadas depois, faz com que uma lenda como Liam o chame de herói, um endosso que vale mais do que qualquer medalha, vindo de quem veio.
A genialidade, no entanto, nem sempre encontra o conforto da permanência. O Stone Roses desapareceu quase tão rápido quanto surgiu, e Mani deixou o grupo em 1996. Mas um músico com a sua assinatura não fica à deriva. Logo ele se juntou a outra instituição do rock britânico, o Primal Scream, onde tocou até 2011, antes de voltar para a turnê de reunião dos Stone Roses. É fascinante observar a linhagem desse tipo de instrumentista, aquele que, como Mani, se torna a espinha dorsal de múltiplos projetos icônicos. Ele era o eixo onde o caos melódico de Ian Brown e Bobby Gillespie encontravam a gravidade, a âncora que permitia às guitarras e vocais flutuarem em êxtase.
Mani teria morrido em sua casa em Heaton Moor Stockport, após uma convulsão, reunindo-se com sua “linda esposa Imelda”, falecida de câncer há apenas dois anos. Em uma melancolia que se encaixa perfeitamente na poesia soturna do rock inglês, Mani, que dias antes anunciava uma nova turnê de conversas íntimas, encerra sua jornada física. A realeza do rock perdeu uma de suas colunas, e o groove do Stone Roses, um de seus criadores. Godspeed, herói.