Robocalls, ligações automatizadas que frequentemente violam a privacidade, são usadas tanto legalmente quanto por golpistas, representando riscos de fraude e exigindo cautela, como evitar fornecer dados e usar ferramentas de bloqueio.
Só hoje, quantas vezes o seu dia foi interrompido por uma ligação de um número desconhecido? Quantas vezes você atendeu o celular, respondeu e, logo em seguida, percebeu que era mais uma chamada feita por um robô? Se isso soa familiar, você não está sozinho.
Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), os brasileiros recebem cerca de 10 bilhões de robocalls por mês. Isso mesmo: mais de 300 milhões de ligações automáticas por dia, em sua maioria sem consentimento do usuário.
Essas chamadas, que muitas vezes envolvem mensagens gravadas ou o silêncio total do outro lado da linha, têm origem em sistemas automáticos programados para entrar em contato com milhões de números por minuto — prática que vai muito além do incômodo. Robocalls podem ser a porta de entrada para golpes cada vez mais sofisticados.
“A engenharia social por trás de algumas robocalls é apenas o primeiro passo para capturar dados sensíveis e, em casos mais graves, usá-los para simular identidades e cometer fraudes digitais”, explica Guilherme Bacellar, pesquisador de Cibersegurança da Unico, rede validação de identidade.
Por isso, entender o que está por trás dessas ligações e como se proteger delas é essencial. A seguir, reunimos respostas para as principais dúvidas sobre o tema, com a ajuda do especialista da Unico.
A legislação brasileira permite as robocalls?
Sim, mas com restrições. Robocalls são permitidas em contextos específicos, como avisos de cobrança; confirmações de consulta; pesquisas de opinião e campanhas informativas autorizadas. Por outro lado, ligações em altos volumes sem consentimento, especialmente com fins comerciais, violam regras da Anatel e da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
“Desde 2022, a Anatel vem endurecendo as medidas contra abusos. Chamadas que duram até 3 segundos e ocorrem em massa, por exemplo, podem levar ao bloqueio do número e sanções para as operadoras envolvidas”, explica Bacellar.
Toda robocall é feita por um robô?
Sim. A definição técnica de robocall envolve o uso de sistemas automáticos que:
• Disparam chamadas sem interação humana;
• Enviam mensagens gravadas;
• Ou detectam quando o número está ativo e, então, conectam a pessoa a um atendente humano.
Isso significa que, mesmo quando há alguém do outro lado da linha, a ligação pode ter sido originada por um sistema automático — o que é comum em estratégias de validação de números por golpistas.
“Ou seja, a ligação começa com um robô, mas pode evoluir para uma abordagem humana com base na sua resposta. Essa etapa híbrida é o que torna algumas robocalls ainda mais perigosas, já que o golpista aproveita a primeira interação para ganhar credibilidade”, esclarece o especialista.
Para que servem essas ligações automatizadas?
Legalmente, robocalls podem ser usadas para:
• Notificações institucionais (como alertas de bancos ou seguradoras);
• Agendamentos e confirmações;
• Pesquisas eleitorais e de mercado.
A questão é que criminosos também têm se apropriado dessa tecnologia que pode ser contratada em formato de serviço de assinatura sem a necessidade de aquisição de equipamentos específicos, sendo necessário apenas um notebook e um fone de ouvido para cara operador que irá aplicar os golpes. Entre as estratégias mais comuns estão:
• Simular o contato de instituições conhecidas, como bancos ou órgãos públicos, para coletar dados pessoais ou bancários;
• Induzir as vítimas a clicar em links maliciosos enviados por email/mensagem ou informar códigos de autenticação, como o de aplicativos de mensagens;
• Detectar se um número está ativo, ou seja, identificar quando alguém atende, mesmo que não diga nada. Isso permite que o número seja marcado como “válido” e usado em ataques mais elaborados no futuro, como fraudes com uso de deepfakes ou abordagens personalizadas de engenharia social. Isso é especialmente importante pois os fraudadores fazem a aquisição de listas com milhares de números de telefone (e outros dados) das futuras vítimas, mas essas listas não tem garantia que os dados ainda são válidos.
O que Guilherme Bacellar explica é que, muitas vezes, a robocall não é o golpe em si — mas o ensaio para ele. “Ela funciona como uma varredura que ajuda os criminosos a mapear alvos e montar estratégias mais eficazes de fraude”, afirma.
É possível identificar uma robocall só pelo número?
Na maioria das vezes, não é possível identificar com segurança uma robocall apenas observando o número que aparece na tela, já que muitos golpistas usam uma técnica chamada spoofing, que altera o número exibido no visor do celular para parecer confiável — como se a ligação viesse de um número local, de um contato conhecido ou até de uma empresa legítima. Isso dificulta a identificação e favorece golpes de engenharia social.
Ainda assim, há algumas iniciativas que ajudam o consumidor a reconhecer ligações automatizadas ou suspeitas:
• Prefixo 0303: desde 2022, a Anatel exige que todas as chamadas de telemarketing ativo usem tal prefixo como forma de alertar o usuário de que se trata de uma chamada com fins comerciais. A prática ajuda a diferenciar esse tipo de contato de ligações institucionais ou pessoais.
• Origem Verificada: é uma ferramenta desenvolvida pela Anatel que permite consultar se um número realmente pertence à empresa que está fazendo a ligação. Ela está sendo gradualmente adotada por operadoras e grandes empresas para aumentar a transparência e dificultar a ação de golpistas.
• Uso de apps de bloqueio: além de aplicativos específicos, existem os filtros disponíveis nos celulares que ajudam a bloquear chamadas com alta taxa de denúncias ou que constam em bases públicas de números abusivos.
O que devo fazer se atendo uma chamada e percebo que é uma robocall?
A recomendação principal é: não interaja com comandos da chamada, como pressionar números ou responder a perguntas automatizadas. Não forneça nenhuma informação pessoal e desligue imediatamente.
“Essas ligações podem até mesmo gravar trechos da sua fala ou simular respostas, o que representa riscos sérios em contextos de validação por voz ou tentativa de roubo de identidade”, alerta Bacellar.
Muitas pessoas, ao atenderem um número desconhecido, ficam tentadas a dizer "alô", "quem fala?" ou até confirmar seus dados — principalmente, quando estão esperando uma entrega ou ligação importante. Contudo, o ideal nesse cenário é não dizer nada até que o outro lado se identifique de forma clara.
Se houver silêncio, ruídos estranhos ou uma voz automatizada, desligue imediatamente. Mesmo um simples “sim” pode ser capturado, recortado e utilizado em fraudes envolvendo autenticação por voz. “Não é só a nossa imagem que pode ser usada para deepfake, nossa voz também. Qualquer amostra, mesmo curta, pode ser explorada por fraudadores que utilizam inteligência artificial para simular interações reais. O silêncio, nesse caso, é uma forma de proteção”, reforça Bacellar.
Se o conteúdo da chamada parecer suspeito, não continue a conversa. Desligue e, se achar necessário, entre em contato com a suposta instituição por canais oficiais.
É possível bloquear robocalls no meu celular?
Sim. Algumas dicas incluem:
• Cadastrar seu número no ‘Não me perturbe’ da Anatel e operadoras;
• Ativar filtros de chamadas no seu smartphone (como “Silenciar números desconhecidos” no iOS e Android);
• Usar aplicativos específicos de bloqueio.
Mesmo assim, nenhum método é 100% eficaz — já que golpistas frequentemente mudam de número ou driblam os filtros. Por isso, manter uma postura cautelosa ao atender qualquer ligação não identificada continua sendo a melhor proteção. “Se não reconhecer o número, evite atender. E se atender, jamais forneça informações pessoais ou financeiras sem confirmação da identidade do interlocutor”, orienta Guilherme.
Preciso tomar alguma medida depois da ligação?
Depende. Se você não interagiu com a chamada nem forneceu dados pessoais, a orientação principal é apenas ignorar e bloquear o número, se possível, para evitar novos contatos.
No entanto, se você compartilhou qualquer informação sensível — como CPF, códigos de verificação, dados bancários ou mesmo frases simples que possam ser gravadas —, é importante tomar medidas adicionais:
• Troque imediatamente suas senhas de e-mail, aplicativos bancários ou redes sociais;
• Entre em contato com o seu banco ou operadora de cartão para informar o ocorrido e prevenir movimentações suspeitas;
• Monitore suas contas e cadastros em busca de acessos indevidos ou movimentações anormais;
• Use serviços especializados para verificar se seus dados foram expostos.
Além disso, existe a possibilidade de registrar uma reclamação na Anatel — o que pode ser feito pelo site oficial da agência (anatel.gov.br) ou pelo aplicativo Anatel Consumidor. O órgão pode investigar a origem da ligação, multar empresas que descumprirem a regulamentação e até bloquear o número envolvido.
“Denunciar ajuda a proteger você e outras pessoas. É um passo simples, mas importante para combater o uso abusivo de tecnologias de discagem automática e reduzir o impacto das robocalls no Brasil”, afirma.
Em casos de chamadas recorrentes, abusivas ou de origem desconhecida que gerem prejuízos ou perturbação, também é possível recorrer à Justiça para buscar indenização por danos morais, especialmente se houver violação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) ou assédio reiterado.
Quais os riscos reais de uma robocall?
Além do incômodo, robocalls representam riscos concretos à segurança digital, como:
• Golpes financeiros envolvendo engenharia social;
• Furto de identidade digital;
• Clonagem de contas em aplicativos e bancos;
E, em casos mais graves, criação de perfis falsos com uso de deepfakes para aplicar fraudes altamente sofisticadas. “Uma chamada automatizada pode parecer inofensiva, mas muitas vezes é apenas a porta de entrada para um ataque mais elaborado. É nesse ponto inicial que os golpistas testam a vulnerabilidade da vítima”, explica Guilherme.
Por isso, além de medidas de prevenção imediata, a adoção de tecnologias robustas de autenticação tem papel fundamental na contenção dessas ameaças. “Na Unico, investimos em soluções que atuam na origem do problema: a validação da identidade. A biometria facial com prova de vida, por exemplo, é uma das barreiras mais eficazes contra tentativas de fraude, justamente por exigir a presença real da pessoa e dificultar o uso de identidades falsas geradas por inteligência artificial”, reforça Guilherme Bacellar.
O essencial
As robocalls se tornaram uma ameaça real — e não apenas um incômodo. Saber identificar, bloquear e reagir corretamente pode ser a diferença entre um dia tranquilo e uma dor de cabeça digital.
Se você ainda tem dúvidas sobre como se proteger, procure fontes confiáveis, evite atender chamadas suspeitas e lembre-se: sua identidade é um dos seus bens mais valiosos no mundo digital. Proteja-a como tal.