O Estadão e o Google anunciam nesta quarta, 10, uma parceria comercial de fornecimento de conteúdo jornalístico para o Gemini, o aplicativo de inteligência artificial (IA) da empresa. Esse é o primeiro acordo firmado no mercado brasileiro entre um veículo de notícias e uma empresa de tecnologia com o objetivo de licenciar conteúdo para sistemas de IA.
Pelo acordo, o Estadão fornece um feed de notícias em tempo real, 24 horas por dia, 7 dias por semana, cujo conteúdo é utilizado para auxiliar na geração de respostas relacionadas a notícias de última hora ou em desenvolvimento em consultas dos usuários feitas no Gemini. O acordo concentra-se exclusivamente em notícias factuais produzidas pelo Estadão e não envolve editoriais, colunas de opinião, artigos de convidados e conteúdos de agências ou serviços contratados pelo jornal. Os valores do acordo não foram revelados, devido a cláusula de confidencialidade.
"Estamos renovando parcerias de longa data e firmando novas para aprimorar nossos produtos e ajudar os editores a explorar novas oportunidades na era da IA. Como parte desse esforço, fechamos com diversos publishers globalmente para explorar como a IA pode ajudar a impulsionar audiências mais engajadas para os editores, ao mesmo tempo em que nos permite aprimorar nossos produtos", afirmou Henrique Matos, diretor de parcerias de notícias do Google para a América Latina.
"O Google e o Estadão construíram uma relação produtiva e mutuamente benéfica, fundamentada em programas que apoiam o desenvolvimento de produtos voltados para amplas audiências de consumidores. Este novo acordo estende essa relação para o aplicativo Gemini e para o campo da inteligência artificial, que evolui rapidamente. É especialmente significativo que isso tenha entrado em vigor no ano do 150º aniversário do Estadão, reforçando o valor duradouro do jornalismo independente, quaisquer que sejam as plataformas que os consumidores de notícias venham a escolher", diz Erick Brêtas, CEO do Estadão.
O acordo entre Estadão e Google é anunciado em um momento importante para o desenvolvimento da IA. Depois de largar atrás da OpenAI, a gigante mostrou força ao lançar o Gemini 3. O novo modelo de IA foi bem avaliado por especialistas e entusiastas e acendeu a luz vermelha na fabricante do ChatGPT.
O movimento também é um novo capítulo no relacionamento de longa data entre a empresa e o jornal. A parceria também inclui o Google Destaques (Google News Showcase), um programa por meio do qual o jornal licencia painéis de notícias com curadoria editorial para uso em produtos como Google Notícias e Discover.
Direitos autorais
A parceria também ocorre em meio a um debate global sobre o direito autoral e o avanço da IA. Nos EUA, nos últimos quatro anos, foram movidas mais de 40 ações judiciais por detentores de direitos autorais contra empresas de IA — a maioria ainda está tramitando nos tribunais. A mais recente é um processo do New York Times contra a startup Perplexity — antes disso, em 2023, o jornal americano entrou com uma ação contra a OpenAI.
A maior parte das disputas entre veículos de comunicação e empresas de IA tem como foco o uso de conteúdo não licenciado para o treinamento dos grandes modelos que abastecem chatbots de inteligência artificial. A tecnologia por trás dessas ferramentas exige um volume altíssimo de textos para que possam prever a próxima palavra na sentença. Especialistas estimam que toda a internet já foi usada por diferentes empresas para construir seus modelos — no ano passado, o Estadão mostrou como veículos e sites brasileiros aparecem em um grande pacote de dados utilizado amplamente na indústria.
Há casos de veículos jornalísticos que apontam para violações constantes de seus conteúdos por parte de empresas de tecnologia, ainda que esse material esteja protegido por paywall. Em agosto deste ano, o jornal Folha de S.Paulo entrou com uma ação contra a OpenAI por concorrência desleal. O veículo pede que a empresa pare de coletar e usar seu conteúdo jornalístico sem permissão.
No meio das disputas, algumas empresas de IA vem buscando acordos com veículos em todo o mundo. A OpenAI, por exemplo, firmou acordos com veículos como Financial Times, Le Monde, Vox Media e outros, buscando licenciar conteúdo de forma oficial. Nos Estados Unidos, em setembro, a Anthropic, rival de OpenAI e Google, concordou em pagar US$ 1,5 bilhão a autores e editoras de livros depois que um juiz decidiu que a empresa havia baixado e armazenado ilegalmente milhões de livros protegidos por direitos autorais ao construir seus sistemas de IA.
"As mesmas empresas que têm celebrado acordos comerciais nos EUA e na Europa têm se recusado sistematicamente a discutir o tema com publishers brasileiros. O conteúdo jornalístico é fundamental para que as plataformas de AI aprimorem suas respostas sobre eventos correntes e o uso deste conteúdo tem que ser remunerado", complementa Brêtas, do Estadão.
"Vemos o acordo como um avanço auspicioso para o ecossistema jornalístico brasileiro. O uso autorizado, e remunerado, de conteúdos jornalísticos pelos modelos de IA é o caminho correto, em benefício das partes e do respeito aos direitos autorais. Esperamos agora que, a partir do pioneirismo de Estadão e Google, acordos similares se multipliquem pelo País", afirma Marcelo Rech, presidente-executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ).
Novas ferramentas
Além da parceria com o Estadão, o Google anunciou nesta quarta uma série de ferramentas para ajudar a fortalecer a audiência de sites e veículos. Nas buscas, a companhia lançou o "preferred sources" (fontes preferidas), que permite ao usuário escolher seus sites de preferência a serem exibidos no topo da página — estará disponível inicialmente para usuários que têm inglês como idioma principal e será estendido para outros idiomas no começo do ano que vem.
Os conteúdos dos sites selecionados também serão destacados no index da busca para indicar ao usuário que aquele site está entre seus preferidos. O Google afirmou também que vai aumentar o número de URLs com visibilidade no AI Mode, a ferramenta da companhia que cria resumos de IA a partir das buscas dos usuários — a falta de visibilidade de links era uma das principais reclamações de veículos sobre a ferramenta.
Por fim, a companhia anunciou parecerias com veículos como Der Spiegel, El País, Folha de S. Paulo, Infobae, Kompas, The Guardian, The Times of India, The Washington Examiner e The Washington Post para usar uma ferramenta de IA que cria resumos de textos dentro do Google News — a ideia é dar mais contexto antes que o usuário clique no link. Resumos em áudio dessas publicações também serão disponibilizados. A parceria do Google com esses veículos prevê o pagamento por exibição estendida dos conteúdos e por ferramentas de distribuição, como APIs.