Ben Hur, o cineasta da quebrada que quer ser tão grande quanto o nome
Ele é cria de ocupações e morros de Belo Horizonte e está concluindo a trilogia sobre o Morro das Pedras, onde mora
Ben Hur Nogueira, 22 anos, carrega o nome do protagonista de um clássico do cinema e está finalizando uma trilogia sobre sua favela. Filho de ativistas, usa o audiovisual para mostrar a humanidade da periferia e combater estereótipos. Neste ano, palestrou em três universidades dos EUA e quer entrar para a história do cinema brasileiro com obras cruas e potentes.
“Meu maior desejo no cinema brasileiro é entrar para a história”, diz com firmeza Ben Hur Nogueira, 22 anos, cria de ocupações e morros de Belo Horizonte. O cineasta conclui uma trilogia sobre o Morro das Pedras, trabalho assinado com o nome que o pai escolheu, igual ao do protagonista do filme clássico, sem a intenção de encaminhar o filho ao audiovisual.
Mas não se brinca com essas coisas, palavras têm poder, imagens mais ainda, e nome Ben Hur foi consagrado com as duas: protagonista de um romance famoso, depois transformado em filme, em 1959, ganhando 11 Oscars. O nome que o menino da ocupação Floramar recebeu tinha história, que ele quer continuar.
Seu cinema tem linguagem crua, bruta, documental, cheia de referências cabeçudas, de filmes e diretores cults. Quando conversa, arrola referências com naturalidade. “Meu escritor favorito é Guimarães Rosa, formado em Medicina”, explica o morador da terceira maior favela de Belo Horizonte quando perguntado por que faz Computação, se quer ser cineasta.
A trilogia sobre o Morro das Pedras
O filme que Ben Hur está concluindo mostra o corre de um garoto de 13 anos, cria do Morro das Pedras, que quer ser jogador de futebol. O cineasta se inspirou na filmagem de Macunaíma, no qual “a selva de pedra é engolidora de sonhos, mas na minha obra, da periferia surge um talento. E meu personagem também tem dois irmãos, como Macunaíma”, explica sobre o protagonista Matheus, de Andança.
O filme fecha a trilogia iniciada com Pandeminas, mostrando a atuação dos seus pais distribuindo alimentos durante os piores anos de Covid-19. Ben Hur é filho de ativistas sociais pretos. A mãe, Juthay Nogueira, é reconhecida internacionalmente pelo trabalho com crianças no Morro das Pedras. O pai foi envolvido com teatro.
Ben filmou Pandeminas com uma câmera meia boca, editando no computador que os amigos financiaram para sua graduação na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). O segundo filme da trilogia é o curta Arrabalde Corsário, que homenageia os filmes Anjos do Arrabalde e Alma Corsária, do gaúcho Carlos Reichenbach, seu cineasta favorito.
O que Ben Hur quer com seu cinema?
“Quero desmistificar a masculinidade do homem periferia, com tatuagem, camisa de time, violento. Quero trazer a humanidade dessas pessoas”. Ele também pensa sobre a posição da mulher, e no filme que finaliza, a mãe do garoto que sonha ser craque foi tomando espaço na narrativa.
Neste ano, o trabalho de Ben Hur começou a repercutir no exterior. Deu palestra para alunos da Binghamton University e da Long Island University, ambas de Nova Iorque. Falou sobre a cena do cinema preto no Brasil. Também palestrou para turmas da Universidade de Chicago.
“O cinema brasileiro está abrindo portas para caras que nem eu contar histórias, mas eu sinto que ainda é muito elitista”, diz Ben Hur, que mal começou a perseguir o que acredita ter sido “um instinto, um chamado”. Difícil discordar de quem nasceu com nome de clássico de cinema.