Barbeiro não sabe como se reerguer após incêndio em ação policial no Rio de Janeiro
Empreendimento atendia há dez anos. Era local de trabalho, sustento e convivência comunitária, agora é lembrança e perda
Na operação policial mais letal do Rio de Janeiro, há duas semanas, dois irmãos perderam a barbearia, incendiada, na região da Cascata, no Complexo da Penha, zona norte da capital. Luan, de 28 anos, e Lucas, de 22, são donos da Barbearia 2L – ou do que sobrou dela, com objetos queimados e paredes tostadas de fumaça. Eles não têm ideia de como recomeçar.
Durante a ação policial que matou 121 pessoas, o fogo começou na rua, após um transformador explodir, não se sabe como, e o incêndio se espalhou rapidamente pela estrutura de madeira da barbearia. “O fogo do transformador veio pelo fio pra dentro da minha loja. Pegou nas madeiras, derreteu tomadas, máquinas, exatamente tudo”, conta Luan.
Passadas duas semanas da chacina, ele e o irmão ainda tentam se reerguer com vaquinha online e ajuda de familiares. A barbearia funcionava há dez anos, virou cinzas. Era local de trabalho, sustento e convivência comunitária, agora é lembrança e perda. Luan deu entrevista ao Visão do Corre:
Como foi o dia em que a barbearia pegou fogo?
Cara, o dia da operação foi pânico e terror, entendeu? Foi um dia muito tenso. Pessoas morrendo próximo aqui ao local, e a gente tentando apagar o fogo, com o tiro comendo, batendo perto da loja. A gente tentou apagar o fogo pra não destruir tudo, mas teve jeito, uma hora que não deu. Tivemos que sair e, quando percebemos, já era tarde, já tinha alastrado.
O que sentiu quando o fogo apagou?
Eu fiquei sem chão. Fiquei muito abalado emocionalmente. Consegui algumas coisas aqui, mas não é o suficiente pra voltar a trabalhar. É minha única fonte de renda, o que sustenta minha família e ajuda minha mãe. Estou passando por um momento muito difícil. Só Deus na causa.
A barbearia é conhecida na área?
A gente trabalha ali há dez anos. A barbearia era mais do que um local de trabalho — era um ponto de reerguer vidas. Era onde a gente reunia amigos, familiares, falava de futebol, da vida. Significava muito pra mim. Isso foi o mais frustrante. O incêndio não destruiu apenas o espaço físico, mas também a rotina e a autoestima.
Como está a situação hoje?
Perdi clientes, rotina, segurança. A autoestima está lá embaixo. Consegui uma ajuda ou outra com familiares, mas é muito pouco. Ainda preciso de muita ajuda, de verdade. É a única forma de eu conseguir centralizar minha vida de novo.
Você não recebeu ajuda fora da família e amigos?
Em relação à ONG ou poder público, não recebi ajuda nenhuma. É nós por nós. Familiares deram uma força, um nos ajudou com cem, o outro com cinquenta reais, mas ainda não é o suficiente pra voltar a trabalhar. O que eu queria dizer é: paz. Por favor, traga paz. Perder é muito ruim, ainda mais dessa forma.
O que gostaria de falar antes de encerrarmos a entrevista?
Eu só quero trabalhar honestamente. Eu poderia ser mais um entre os mortos, mas sou um cara que corre atrás, com meu irmão. Teve trabalhador que morreu também. A maior perda foi a dignidade de trabalhar, de levar sustento pra casa. Ainda não consegui me reconstruir. Estou tentando fazer tudo na medida do possível, mas preciso de muita, muita ajuda.