Homem de três corações, 1º paciente retransplantado do CE comemora 26 anos de sobrevida: 'Viver vale a pena'
Antônio Moura foi submetido ao primeiro transplante de coração em 1999, mas, seis anos depois, precisou passar por uma segunda cirurgia
Antônio Moura, primeiro retransplantado do Ceará, celebra 26 anos de sobrevida após dois transplantes cardíacos, destacando a eficiência e a humanização do SUS no segundo maior centro de transplantes do Brasil.
Vinte e seis anos após receber o primeiro transplante no Hospital do Coração de Messejana, em Fortaleza, Antônio Pereira de Moura celebra a vida não apenas uma, mas duas vezes. Ele foi o primeiro paciente retransplantado do Ceará e transformou sua trajetória em símbolo de esperança para os 46.807 brasileiros que aguardam por um órgão na fila do SUS.
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Uma batida de carro desencadeou o problema cardíaco que mudaria tudo. “Quando eu bati o carro, aparentemente estava bem. Dias depois, ao ir trabalhar, senti um cansaço, uma falta de ar ao andar. Ia ao hospital e nada se resolvia”, lembra. A resposta veio em Fortaleza: “Foi lá [em Messejana] que me falaram que 'só um outro coração' resolveria”.
O primeiro transplante de coração ocorreu em janeiro de 1999. A vida seguiu, Moura trabalhou, formou família e batizou o primogênito de Ruan em homenagem ao cirurgião. Em 2005, o enxerto começou a falhar. Uma cirurgia de reparo não resolveu, e ele retornou à lista de espera pelo órgão.
A corrida pelo segundo coração
O chamado veio após uma noite difícil. “Pela manhã, recebi a notícia de que um possível coração tinha chegado”. A família embarcou em um ônibus e seguiu rumo ao hospital. Foi quando, no caminho, eles encontraram uma viatura e resolveram pedir ajuda. “Vimos uma viatura da Polícia Federal, pedi ao motorista pra parar. Falei pros policiais a situação, foram anjos na estrada e me levaram rapidamente ao hospital”. O segundo transplante veio, e com ele a sensação de renascer. “Fiquei vivo de novo”, diz.
A gratidão virou nomes, já que depois do primogênito Ruan, nasceram David, em homenagem ao clínico que acompanha Moura desde o diagnóstico, o cardiologista João David de Souza Neto, e Juliana, nome escolhido para celebrar a equipe. “Cada coração, um filho”, brinca Moura. “Deus me ama muito, porque me dá em vida três corações. Ele ainda me quer aqui espalhando a esperança de que viver vale a pena.”
Hoje, após 26 anos do primeiro transplante, ele segue em acompanhamento e faz questão de dar um recado a quem espera. “Você que está na fila: tenha fé, confiança em você e em Deus. A sua vida nova vai chegar. Quando chegar, abrace com toda a força", aconselha.
O que diz o médico
Chefe clínico do serviço, o cardiologista João David explica como o caso chegou ao ponto de dois transplantes. “O Moura tinha insuficiência cardíaca avançada, refratária a outros tratamentos. Naquele momento, o transplante era a indicação correta”. Ele foi o primeiro retransplantado do Estado, e desde então, houve outros dois casos (um adulto e uma criança), sem sucesso.
David destaca o funcionamento do sistema público. “O transplante no Brasil segue uma lista única do Ministério da Saúde. Quem está mais grave tem prioridade, geralmente internado, em UTI, com suporte intensivo, e depois conta o tempo em lista”. Em 2024, diz o médico, o Hospital de Messejana “foi o segundo hospital transplantador do país, atrás apenas do Incor, com 35 transplantes em um ano, em um hospital integralmente público aqui no Nordeste”.
Para ele, o diferencial vai além da técnica. “Não é uma relação de família, mas é quase. A humanização melhora a adesão ao tratamento e os resultados”. A proximidade virou um laço para a vida. “Sou padrinho do filho dele”, conta, rindo. Ao lado de clínicos e cirurgiões, atua uma equipe multidisciplinar – enfermagem, fisioterapia, psicologia, assistência social e outros profissionais –, que acompanha o paciente do preparo ao pós-operatório.
Transplante pelo SUS
O caso de Moura traz luz sobre os bastidores do transplante cardíaco no Brasil, que exige avaliação rigorosa, critérios transparentes de prioridade, captação interestadual quando necessário e seguimento a longo prazo. Segundo o médico, muitos pacientes voltam a uma rotina próxima do normal, trabalham, criam filhos, como foi o caso de Moura.
O médico também reforça um ponto que sustenta toda a engrenagem: a doação. “A abordagem às famílias é feita pelas centrais estaduais. Conversar em vida sobre o desejo de doar facilita a decisão.”
Para Moura, a gratidão pela nova oportunidade de viver transborda. “Estar vivo é dom. Estou vivo, meu Deus, eu venci”.