PUBLICIDADE

Dengue: Governo atrasa entrega de 'fumacê' por falta de estoque e alta de casos preocupa; veja onde

Problemas na compra desde o ano passado prejudicam combate a mosquitos adultos; aumento de infecções faz Estados e prefeituras correrem atrás de produto por conta própria

15 mar 2023 - 10h10
(atualizado às 10h12)
Compartilhar
Exibir comentários

Por falta de estoque, o Ministério da Saúde tem atrasado o envio de inseticidas contra o Aedes Aegypti, transmissor da dengue, chikungunya e zika, na fase adulta, utilizados na nebulização espacial (conhecida popularmente como fumacê). Há escassez do insumo e atraso no repasse a Estados desde o ano passado e a alta de casos em vários pontos do País preocupa.

Ao Estadão, a Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do ministério, Ethel Maciel, disse que a atual gestão assumiu "sem nenhum estoque" de adulticidas. "Já refizemos os contratos, mas como são compras internacionais, que chegam de navio, a previsão de entrega é mais demorada. Um dos que precisávamos foi aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no fim de fevereiro." Segundo ela, a situação de quatro Estados, onde há condições climáticas mais favoráveis à reprodução do mosquito, preocupam mais: Espírito Santo, Minas Gerais, Tocantins e Santa Catarina.

Até o fim de fevereiro, segundo o ministério, o Brasil teve alta de 46% nos casos de dengue e de 142% nas infecções por chikungunya este ano em comparação com o mesmo período do ano passado.

Em nota técnica da Coordenação-Geral de Vigilância de Arboviroses de 3 de março, o ministério informou aos municípios e Estados que o processo de aquisição de um dos fumacês, o Cielo-UVL (Praletina+Imidacloprida), estava na fase final de contratação, com expectativa de recebimento do insumo nos próximos 45 dias.

O atraso nos cronogramas, enfrentado desde 2022, são reflexo de dificuldade global de aquisição do produto. A nota explica ainda que, diante dos percalços, optou-se por incluir um novo adulticida para uso em UBV (equipamento que nebuliza o inseticida), o Fludora Co-Max (Flupiradifurone + Transflutrina), para evitar a dependência de um fornecedor único.

Conforme a nota, "se aprovada a excepcionalidade pela Anvisa, por se tratar de aquisição internacional, o produto não estará disponível para distribuição nos próximos 60 dias".

Segundo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), houve problemas nos processos de compras de adulticidas no ano passado. "A atual gestão teve de reiniciar as compras, o que está gerando o atraso para o recebimento do 'Cielo'", afirmou a entidade, em nota.

"Outro adulticida estava em processo de compra, mas estava aguardando uma liberação da Anvisa, que só saiu recentemente, para que pudesse concluir a compra e iniciar o processo de importação", acrescentou o órgão de secretários. Ainda segundo o conselho, os Estados precisarão ser capacitados para usar o novo produto, o Fludora.

O Conass diz que a aquisição é de responsabilidade do ministério, pois não há produção nacional e o processo de compra "geralmente é longo". O Estadão entrou em contato com Marcelo Queiroga, ex-ministro da Saúde, mas não obteve retorno.

A Prefeitura também importou, por conta própria, 15 mil litros do Cielo. A compra direta, sem intermédio federal, passou a ser estudada em agosto. Ao todo, 10 mil litros já chegaram e permitiram que a política de nebulização não fosse descontinuada.

Segundo Luiz Artur Caldeira, coordenador da Vigilância em Saúde do Município, foram usados R$ 7,2 milhões. Essa quantia deve ser suficiente para o ano, mas ele informou que há possibilidade de aquisição de mais 5 mil litros, porR$ 3,6 milhões, no próximo mês, a depender da demanda.

"O Município não recebeu mais repasses desse adulticida, desde o 2º semestre, junho ou julho do ano passado. A partir do momento que indagamos o Estado e o Ministério, e não houve resposta no sentido de previsão de entrega dessa metodologia muito importante no controle da disseminação do mosquito, o Município trabalhou no sentido de adquirir por conta própria", afirmou ele.

"Em 2022, o próprio ministério emitiu nota técnica informando que devido a problemas logísticos, principalmente relacionados ao fator internacional de importação, guerra da Ucrânia, estava com dificuldade na aquisição e distribuição desse inseticida, portanto, não havia previsão de envio?, completou.

Com a antecipação na sazonalidade da dengue na cidade, que pode resultar em surto mais longo, segundo Caldeira, o Município também comprou mais 30 UBVs (equipamento que é acoplado à caminhonetes para nebulizar o inseticida), 104 minivans para transporte de agentes de endemia (somando, agora, 359 veículos desse tipo disponível a eles) e fez chamamento de 703 novos servidores para rede de vigilância.

Com alta da chikungunya no Paraguai, Paraná recebe mil litros

O Paraná registrou 6.851 infecções por dengue este ano, número que não é considerado atípico para a época, segundo as autoridades, e ainda longe do pico de 2019 (ano em que houve 200 mil casos e 200 mortes). A preocupação, no entanto, é a chikungunya.

Isso porque, segundo César Neves, secretário estadual da Saúde, o Paraguai já tem mais de 20 mil casos confirmados e mais de 20 óbitos. "Isso fez com que tomássemos essa medida, há mais ou menos um mês, de bloqueio na região da tríplice fronteira", disse. Por ora, avaliação é de que a medida tem sido eficaz (houve 38 casos e nenhuma morte).

Frente ao avanço da doença no país vizinho, há três semanas o Estado pediu ao ministério kits para diagnóstico de chikungunya, que já recebeu, e mais litros do adulticida Cielo. Neves afirmou que o Paraná só tinha 600 litros, o que, em média, segundo ele, duraria mais 30 ou 45 dias. Segundo ele, desde o fim do ano, a Saúde só enviava de 10% a 20% do que era solicitado.

De forma excepcional, de acordo com Neves, o ministério enviou excepcionalmente mais mil litros esta semana para o Paraná. Para o secretário, isso dá um "fôlego" extra até o fim do verão no Estado, quando mais casos de doenças relacionadas ao mosquito são registrados.

Espírito Santo, Santa Catarina e Tocantins

Ao Estadão, a Diretoria de Vigilância Epidemiológica de Santa Catarina informou que ainda tem estoque do Cielo, mas espera a regularização do estoque nacional nos próximos 45 dias. O Estado não informou quantos litros do adulticida tem.

Já Tocantins diz ter aproximadamente 790 litros do Cielo em estoque, o que deve durar até o fim de março. "Em 2022, a partir da sinalização do Ministério da Saúde quanto à morosidade no processo de aquisição dos praguicidas, especialmente o Cielo ULV, desencadeou o processo de levantamento dos estoques do produto nos municípios, a seleção de critérios mais rígidos para a liberação desse insumo e o fortalecimento e intensificação da estratégia de manejo integrado de vetores", afirmou, em nota.

Em coletiva de imprensa na terça-feira, 14, o subsecretário de Estado de Vigilância em Saúde do Espírito Santo, Luiz Carlos Reblin, falou que o ministério "não providenciou a aquisição em tempo hábil" do Cielo. "Outros produtos. como o larvicida. que é aquele produto que é usado quando se encontra um foco, temos disponível e estamos usando. Mas no Brasil, não é apenas aqui no Espírito Santo, não tem, neste momento, o inseticida para combater o inseto adulto."

Emergência

O uso do inseticida Cielo é recomendado só em situações de emergência, como surtos e epidemias, pois tem como alvo apenas os mosquitos adultos, diz nota técnica da Coordenação-Geral de Vigilância de Arboviroses do ministério, de 2020. No documento, a pasta frisa que, antes da pulverização, é preciso focar nas ações de "bloqueio focal", que buscam eliminar criadouros do mosquito e impedir que passem da fase larval.

Somente os insetos adultos que estiverem em voo no momento da pulverização serão atingidos pelo produto. Assim, a eficiência está condicionada a "inúmeros fatores, como o clima, as condições dos equipamentos, a vazão, a faixa efetiva de aplicação, a habilidade do operador, a velocidade de aplicação", além do hábitos do Aedes Aegypti, que tem preferência por uma "vida intradomiciliar".

Segundo Neves, do Paraná, embora a estratégia de nebulização seja importante, ela só resolve "30% do problema". O restante, afirma, são medidas de conscientização", fala. "O principal, em termos epidemiológicos, é matá-lo (o mosquito) no estado larvário." Para isso, é preciso evitar deixar água parada, em vasos e cisternas sem cobertura, por exemplo.

'Metodologia do teste rápido'

Caldeira explica que, na capital paulista, quando um teste rápido dá positivo para dengue, seja em unidade de saúde pública ou privada, em 24 horas a notificação do caso chega à Vigilância em Saúde, com dados de georreferenciamento. A partir disso, no prazo de 24h a 48h, equipes fazem o bloqueio da doença no quarteirão onde o paciente mora e trabalha, em duas modalidades.

Na primeira, uma equipe de agentes de endemia, fazendo um raio de cerca de 160 metros ao redor dos endereços, bate de porta em porta, orientando sobre a prevenção, além de buscar eliminar criadouros, para impedir que mosquitos contaminados se reproduzam. Outra ação paralela é a nebulização, com caminhonetes, por três dias seguidos no quarteirão.

Caldeira explica que essa última ação objetiva reduzir o número de mosquitos adultos, sobrevoando no entorno das residências. "Quanto menos mosquitos há, menos chance de ter um mosquito contaminado e contaminar alguém."

Estadão
Compartilhar
Publicidade
Publicidade