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Com dificuldade para respirar, montador procurou atendimento, mas foi mandado de volta para casa

Foram necessárias quatro idas a uma unidade de saúde para que o montador de móveis Jorge Alexandre da Silva, de 53 anos, conseguisse uma internação

30 jul 2020 - 19h02
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Foram necessárias quatro idas a uma unidade de saúde para que o montador de móveis Jorge Alexandre da Silva, de 53 anos, conseguisse uma internação. Na primeira delas, em 17 de abril, ele procurou o Pronto-atendimento de São Mateus, na zona leste de São Paulo, com sintomas de gripe. Segundo a família, os médicos não pediram exame adicional, "só aplicaram uma injeção" e o mandaram de volta para casa. Quatro dias depois, ele piorou e passou a sentir dificuldade para respirar.

Silva, então, voltou à unidade. Desta vez, uma radiografia dos pulmões foi feita. O exame já mostrava comprometimento da função respiratória, mas o paciente foi mandado de volta para casa novamente. "Só que, como ele estava muito ruim, a esposa dele pediu para alguém da família ir buscá-los de carro para levá-lo para o Hospital Sapopemba (também na zona leste) porque não dava para ir para casa daquele jeito", conta a pesquisadora Rafaela Maiara, de 24 anos, filha de Silva.

Na terceira tentativa de atendimento, desta vez no Hospital Sapopemba, os médicos suspeitaram de covid, mas não havia testes. O paciente então foi levado de lá para o Hospital da Vila Alpina, na mesma região. "Quando eles viram a radiografia, falaram que 80% dos pulmões estavam comprometidos", diz Rafaela. No Vila Alpina, Silva foi internado na hora. Foi entubado, mas não resistiu. Morreu no dia 2 de maio. "Se o comprometimento chegou a 80%, em algum momento foi de 10%, 20%. Se tivessem feito algo antes, talvez ele poderia ter sido salvo", lamenta a filha.

Ela reclama ainda que, apesar de o pai ter conseguido leito na unidade, foi tratado com hidroxicloroquina sem autorização da família. "Quando vi depois nos estudos científicos que não tem nenhuma evidência de eficácia, fiquei ainda mais inconformada. Eles não podiam ter dado esse remédio sem falar com a gente."

Rafaela lamenta também o fato de o pai ter se exposto ao risco de contaminação por não poder parar de trabalhar. "Desde o começo da pandemia, eu já falava para ele ficar em casa porque o vírus estava se espalhando. Ele dizia que não queria sair, mas que estava precisando trabalhar", conta. Até dois anos atrás, Silva era registrado como funcionário CLT em uma loja, mas foi demitido para passar a prestar serviços para a mesma empresa como autônomo.

Como a esposa dele trabalha como professora substituta e estava sem receber nada por causa do fechamento das escolas, a única renda do casal vinha de Silva. "A classe trabalhadora está desassistida, tem de ficar se expondo ao risco. Parece que ninguém vê o que acontece", diz Rafaela. Mesmo em luto, a jovem segue atuando no coletivo São Mateus em Movimento para ajudar famílias que passam dificuldades financeiras por causa da pandemia. "A gente distribui cestas básicas, produtos de higiene. Reforcei minha luta para que outras famílias não precisem se expor ao risco como meu pai precisou."

Procurada pelo Estadão, a Secretaria Municipal da Saúde disse lamentar a perda de Silva. A pasta confirmou que ele passou duas vezes pelo Pronto-atendimento de São Mateus e que foi mandado de volta para casa, mas justifica que os profissionais seguiram o protocolo atualizado conforme as diretrizes do Ministério da Saúde. Na primeira ida, diz o órgão, ele passou por avaliação clínica no PA, foi medicado e liberado. Na segunda, foi novamente avaliado, teve radiografia solicitada, "sendo diagnosticado com pneumonia e indicada antibioticoterapia para tratamento em residência".

Já a Secretaria Estadual da Saúde, responsável pelo Hospital da Vila Alpina, onde Silva ficou internado, confirmou que, entre os remédios administrados ao paciente, estava a hidroxicloroquina. O órgão justificou que não foi pedida autorização da família para uso do remédio pois não havia essa obrigatoriedade na época. Conforme a pasta, o uso do medicamento foi amparado em nota informativa do Ministério da Saúde de 27 de março e em parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM) de 16 de abril. "Em nenhum destes documentos oficiais vigentes à época havia obrigatoriedade de aplicação de termo de consentimento por parte de paciente ou da família, sendo prerrogativa do médico indicar a conduta terapêutica disponível para seu caso", justificou a secretaria.

Estadão
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