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Campanhas para financiar tratamento médico representam até 40% das vaquinhas virtuais

Pedidos de arrecadação de dinheiro para saúde são os que mais comovem, diz Candice Pascoal, CEO da Kickante; o personal trainer Bruno Flosi, de 34 anos, conseguiu R$ 34,5 mil para tratar Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA)

3 set 2019 - 12h17
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Ao navegar pelas páginas de crowdfunding (as vaquinhas virtuais), é possível encontrar os mais diversos tipos de campanha solicitando ajuda financeira. Entre todas as categorias, se sobressai a da saúde - voltada principalmente para tratamentos médicos -, que chega a corresponder a 40% das mobilizações nas plataformas.

"Temos campanhas para qualquer objetivo, mas as que mais se destacam são as de saúde, porque têm caráter de urgência. As pessoas que ajudam se solidarizam com a campanha ou já passaram por algo parecido. Além disso, todo mundo sabe que as despesas (com tratamento) são muito caras", explica Fabricio Milesi, CEO e fundador da Vakinha, empresa fundada em 2009 e que já realizou mais de 600 mil campanhas em diferentes categorias. A estimativa da empresa é de que 30% a 40% das ações sejam nessa área.

Os pedidos pessoais, entre eles as solicitações para tratamentos, correspondem a 30% das mobilizações na plataforma Kickante, lançada em 2013. "Já são mais de 200 mil brasileiros buscando a plataforma para realizar seus sonhos mais variados. (Entre as campanhas), 30% são causas (tanto pessoais quanto ONGs), 30% são projetos criativos e 40% são empreendimentos variados", detalha Candice Pascoal, CEO da empresa. Segundo ela, os pedidos de saúde são os que geram mais comoção. "São as que mais captam. O povo se solidariza muito."

Há quatro meses, o personal trainer Bruno Flosi, de 34 anos, foi diagnosticado com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), doença rara neurodegenerativa que foi mundialmente divulgada com o "desafio do balde de gelo". Amigos de infância resolveram, então, organizar uma vaquinha online para ajudar no pagamento das terapias e na adaptação da casa de Flosi.

"Toda essa campanha que está sendo feita é para fisioterapia, fonoaudiologia, nutricionista. Estou mudando todo o quarto dele. A doença não tem cura - e é cara, rara e cruel -, mas o tratamento retarda os sintomas", diz a terapeuta de autoconhecimento Marlene Pereira Camargo, de 55 anos, que é mãe do personal trainer.

Na campanha virtual, foram arrecadados cerca de R$ 34,5 mil. Para Marlene, foi um alívio. "Quando você recebe uma sentença dessa, esse apoio faz com que o nosso chão não caia. O apoio afetivo e emocional é muito valioso. Isso dá força para a gente seguir em frente, não é só o dinheiro. Mas também é muito importante saber que, se ele precisar de alguma coisa, a gente tem o dinheiro para resolver."

No caso de Flosi, a rede de solidariedade não ficou apenas no ambiente virtual. Após a campanha online, os amigos organizaram uma feijoada beneficente e já pensam em outros eventos para continuar ajudando no tratamento. Instituições também colaboraram. A Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (ABrELA), por exemplo, doou uma cadeira de rodas elétrica, segundo a mãe do jovem.

"A gente se conhece desde os cinco anos. A vaquinha online foi o primeiro passo. A feijoada foi feita na minha cafeteria e reunimos mais de 370 pessoas. Arrecadamos R$ 20 mil. Estamos nos organizando para fazer algum evento a cada dois meses. Já estamos planejando o próximo, que deve ser no Anhembi", conta o empresário Leandro Claro Dionizio, de 34 anos.

Em apenas três dias, a contadora Ayla Filgueira Woth, de 28 anos, conseguiu arrecadar os R$ 20 mil que precisa para completar o pagamento de uma cirurgia que deve fazer em setembro. Diagnosticada com uma endometriose que atingiu o nervo ciático, ela sente dores fortes desde o final do ano passado. Já se submeteu a duas cirurgias, mas o problema não foi resolvido.

"A dor é enlouquecedora. Não consigo ficar sentada. Encontrei dois médicos que fazem esse tipo de cirurgia. O caso é delicado e grave e não tem um profissional especializado no meu convênio."

Segundo ela, o procedimento vai custar R$ 36 mil, mas ela pediu apenas parte do valor. "Uma amiga insistiu para que eu fizesse a vaquinha, mas foi difícil expor a doença grave, a minha situação financeira. Nunca pedi dinheiro emprestado. Eu e meu marido estávamos pagando as consultas, fiz exames caros."

A campanha ainda está aberta e, além de ter superado a meta, ela diz que foi surpreendida pelo apoio que tem recebido. "Pensava que as pessoas fossem fazer questionamentos negativos sobre tudo isso, mas recebi mensagens de pessoas emocionadas, falando que eu não merecia passar por isso. Tive muitos compartilhamentos pelo WhatsApp e pelas redes sociais."

Ela pretende, no futuro, doar o mesmo valor que recebeu para alguma instituição como forma de retribuir a ajuda que recebeu.

Em alta. As campanhas de financiamento coletivo de diferentes campos têm crescido nos últimos anos. De acordo com representantes de empresas consultadas pela reportagem, tanto vaquinhas quanto arrecadação têm aumentado.

O Catarse, plataforma em atividade desde 2011 e que já teve mais de 10,4 mil projetos apoiados - a maioria do ramo de livros -, registrou um crescimento de 35% entre as pessoas que fizeram mais de um apoio por ano em 2018. Entre as que participaram mais de dez vezes, o aumento foi de 290%.

"As pessoas estão fazendo coisas muito bonitas. (As vaquinhas) tiram do papel e trazem ao mundo projetos criativos e de impacto. É uma via em que as pessoas podem se juntar e existe um otimismo", diz Rodrigo Machado, cofundador e CEO da empresa.

Transparência. Pesquisadora do Laboratório de Estudos da Psicologia e Tecnologias da Informação e Comunicação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Andrea Jotta diz que vários cuidados devem ser tomados ao se criar uma vaquinha online tanto com o paciente quanto com a transparência da mobilização.

"A vaquinha vai fazer a pessoa se sentir bem, mas não substitui estar ao lado dela. Não é cuidado, é um apoio. Também não pode ser uma bengala para a pessoa não pensar que, se sarar, vai perder a atenção."

A pesquisadora diz que, quem recebe a ajuda, tem de ser responsável e transparente para evitar que a corrente de solidariedade seja rompida por causa de atitudes incorretas.

"Quem doa, ajuda. Quem recebe, fica bem. Isso tem de ser muito honesto. Quando está pedindo, a pessoa é responsável pelo sentimento que vai causar no outro."

Andrea complementa que o financiamento coletivo pode ajudar a trabalhar habilidades que ficam esquecidas na correria do dia a dia.

"Vai treinando a solidariedade e a empatia. A gente acaba esquecendo de ser solidário e a virtualidade abre esse espaço para mostrar que é bom doar, ajudar o outro. O ser humano é um ser social e melhora quando está vivendo harmoniosamente com outras pessoas."

Estadão
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