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Ainda é cedo afirmar que SP saiu do platô, dizem médicos; capital e interior têm cenários distintos

Dificuldade em determinar cenário envolve metodologia para contabilizar a evolução das mortes e a mudança de critérios para confirmar casos e óbitos pela covid-19

14 ago 2020 - 20h20
(atualizado às 20h33)
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A declaração de que a pandemia do novo coronavírus no Estado de São Paulo saiu do nível de platô, ou seja, estabilização, e entrou em um ponto de inflexão é considerada precoce por especialistas ouvidos pelo Estadão. Para eles, há uma dificuldade em determinar o cenário neste momento e alguns fatores envolvem a metodologia para contabilizar a evolução das mortes e a mudança de critérios para confirmar casos e óbitos pela covid-19. Uma avaliação mais precisa só seria possível dentro de mais três semanas, pelo menos.

Na tarde desta sexta-feira, 14, o secretário estadual da Saúde, Jean Gorinchteyn, disse que "já estamos no período de inflexão e saímos do platô", mas ponderou que ainda é preciso acompanhar a evolução dos dados. "É cedo para nos anteciparmos, mas é uma grande possibilidade e a luz no fim do túnel que estamos enxergando nas próximas semanas."

O otimismo da gestão leva em conta alguns dados apresentados. A ocupação de leitos de UTI para a covid-19 atingiu uma média de 57,8% em todo o Estado, a menor taxa desde o início da pandemia. Nas médias regionais de saúde, o número ficou abaixo de 80%. Além disso, a taxa de letalidade no Estado está em 3,9%.

Para o médico infectologista Plinio Trabasso, professor associado do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, a chegada a um ponto de inflexão é mais palpável para a cidade de São Paulo. "O município começou antes de qualquer outro lugar a ter aumento grande de casos, foi o primeiro lugar a atingir platô mesmo, e faz umas três semanas mais ou menos que está estabilizado", disse.

Ele cita como exemplo a desmobilização dos hospitais de campanha, que tiveram equipamentos e equipes transferidas para outros locais devido à baixa ocupação. O especialista observa, porém, que é preocupante analisar a cidade isoladamente sem considerar os municípios do entorno que ainda estão na fase laranja do Plano São Paulo, com alerta de controle, atenção e eventuais liberações.

"Para o resto do Estado, acho difícil fazer essa afirmação (de saída do platô). Precisamos observar se não teremos transmissão com as pessoas saindo às ruas. Com relação ao município de São Paulo, ainda dá para ser otimista, os dados são bastante animadores, mas para o resto do Estado ainda é precoce", resume Trabasso.

O professor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP, Eliseu Waldman, concorda que a capital paulista tem dados sugestivos de declínio nos últimos dias, mas ele destaca a mudança para classificar mortes e casos do novo coronavírus. Agora, os registros poderão ser confirmados por critério clínico e com base em exames de imagem, sem necessariamente fazer o teste que identifica o vírus no organismo.

Essa mudança, segundo ele, vai gerar um atraso para que os sistemas sejam atualizados, apesar de, até então, a cidade apresentar queda de mortalidade e casos. Outro fator é que mortes que antes foram classificadas como por síndrome respiratória aguda grave agora podem ser transferidas para covid-19.

"O município tem indicativos de declínio, mas é precoce dar afirmativas. Há regiões do Estado em situação complexa, como Rio Preto. O interior está complicado ainda, vamos ter de esperar mais algumas semanas", diz Waldman. "Resta saber em que velocidade está esse declínio. Acho que isso é difícil afirmar. Minha interpretação é que está num platô com tendência de, nas próximas semanas, diminuir na capital, Grande São Paulo, as mais fortemente atingidas." Em Campinas, Trabasso diz que a curva de crescimento da pandemia ainda não atingiu o platô, mas a velocidade de ascensão diminuiu.

Divergência no registro de mortes

Além da mudança de critério para o registro de casos e mortes pelo novo coronavírus, que poderá interferir nos números, especialistas que têm acompanhado a evolução da pandemia em São Paulo indicam como problema a diferença de metodologia adotada pelo Estado e pela capital. Enquanto a unidade federativa contabiliza as mortes por data de registro ou notificação, o município se apoia na data exata de ocorrência do óbito.

Essa divergência tem a seguinte implicação, caso seja considerada a data de ocorrência: se, hipoteticamente, entre os dias 10 e 11 foram contabilizadas cem novas mortes, mas 90 delas ocorreram em datas anteriores e 10 são do intervalo atual de tempo, os dados do passado serão alterados. No entanto, ainda não se pode afirmar que as dez pessoas que morreram agora serão as únicas, uma vez que, na próxima semana, haverá nova atualização. Isso dá a impressão de que os números de agora são sempre mais baixos que os anteriores, o que dá sensação de declínio.

Quando os números são analisados pela data de notificação, a variação é diferente, e pode ser alta ou baixa de acordo com o trabalho de coleta realizado. Mas o passado nunca muda e o presente conta com mortes de dias ou semanas anteriores. Para alguns especialistas, essa divergência torna difícil saber o que realmente está acontecendo com as curvas da pandemia.

"Lógico que preocupa metodologias diferentes, não dá para comparar, mas, realmente, o número de óbitos na cidade de São Paulo é maior e ela puxa mais para a realidade do que os óbitos no restante do Estado", avalia Trabasso. Ele afirma que, proporcionalmente, há mais localidades relatando mortes por data de ocorrência e menos por data de registro. "À medida que vão sendo corrigidos para data de ocorrência, não mostra dado tão animador, tudo indica que ainda está num platô", considera Waldman.

Implicações futuras

Esse cenário otimista e as diferentes metodologias têm implicação também nas próximas decisões de flexibilização dos municípios e passagem de fases do Plano São Paulo. Algumas semanas ainda seriam necessárias para uma atualização. Infectologistas e epidemiologistas também preveem um leve aumento de casos na cidade de São Paulo por causa do retorno das atividades.

Porém, os especialistas consultados pelo Estadão afirmam que ainda não é possível projetar por quanto tempo ainda teríamos um número expressivo de casos e mortes a cada dia. "Seria um exercício de futurismo. Para ser sério, tem de esperar. Pode acontecer uma reviravolta por causa de condições ambientais, climáticas, comportamento das pessoas. Depende da educação e do reforço das autoridades sanitárias de manter as recomendações", diz o professor da Unicamp.

Estadão
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