Dia Internacional do Yoga: a reflexão de uma professora sobre a data
Neste Dia Internacional do Yoga, com suas próprias palavras, a professora Luiza Carisio faz uma reflexão sobre a visão para com a prática no Ocidente e Oriente na atualidade e fala sobre o surgimento da data
Milhares de pessoas se reúnem neste dia 21 de junho para celebrar o Dia Internacional do Yoga. A prática em si ficou famosa nas décadas de 1960 e 1970, quando os Beatles foram à Índia e o movimento hippie ganhava notoriedade por ser contra as guerras no Vietnã. Porém a data comemorativa acontece mesmo desde 2015. Então vamos falar mais sobre a prática no Ocidente e como esse dia surgiu.
O Yoga como conhecemos
O Yoga como o conhecemos é uma mistura de interesses de diversas pessoas, ideologias, mas não podemos generalizar. Mas, antes de começarmos, afinal, é 'o Yoga' ou 'a Ioga'? Os dois jeitos estão certos e são encontrados em artigos pela Internet. Ou seja, escolha a maneira que você se sinta mais confortável para falar. Na verdade, eu, como professora e praticante, sugiro que faça isso com tudo o que tange o universo Yoga, pois é extremamente amplo, controverso e cheio de camadas.
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Sim, se popularizou de tal forma, tem milhares de metodologias associadas e pessoas que a reclamam para si, como se a X fosse a melhor e a mais válida. E dentro desse caldeirão confuso, então, está você, querendo entender tudo isso e se sentir melhor em relação à vida, pois te disseram que o Yoga era a resposta.
O crescimento e alcance mundial
Como em todo aspecto da indústria de wellness (bem-estar, em tradução literal) - cujo tamanho, em 2023, era a bagatela de 6,3 trilhões de dólares; e projeções apontam que chegará a 8,99 trilhões em 2028 - você tem que tomar cuidado com as práticas, produtos ou combos que te prometem que resolvem todos os seus problemas; afirmam que sem aquilo ali, não chegará a sua melhor versão. Porém, atenção, você pode cair em uma espécie de seita com esse discurso e dependência extrema. E não queremos isso, certo?
Universo Yoga
Dito isso, vamos entender um pouco deste universo? Não se sinta mal se você ainda não conhece a Índia, porque mesmo que alguém tenha ido a um retiro de meses em Rishkesh, essa pessoa conhece apenas uma parte do Yoga. As origens datam de mais de cinco mil anos atrás e mesmo assim elas são difusas e não tem um livro único de "regras".
Sabemos de livros "conceituados", hoje, como o Hatha Yoga Pradipka, o Yoga Sutras de Patanjali, que trazem - mais ou menos - uma base de conhecimentos de grande parte das metodologias. Mas para início de conversa, o pessoal mistura um monte de coisas com esses livros, filosofia e ciência de respiração, que é validada pela ciência ocidental, com espiritualidade, mitos e histórias, para fazer uma prática para Lakshmi, sendo que nunca nem se estudou ou se fez rituais para a deidade. Na verdade, nem se sabe o que é deidade. Adicionam movimentos, criam-se formas e coisas novas e, então, colocam o nome de Yoga. Não é à toa que virou uma indústria. Percebe a bagunça?
Será que o que é na atualidade está igual ao passado?
Me pergunto se há 5000 anos, se praticava o que falamos atualmente que é Yoga. Me desculpem falar sobre e refletir dessa maneira sobre o assunto, mas se não o fizer, será que não estaremos somente aceitando o que nos dizem? Em estúdios fechados ou ar livre, com mais de 90 metodologias reconhecidas, hoje, que unem prática física, respiratórias e meditativas, o Yoga moderno tem raízes em uma união e intercâmbio entre Ocidente e Oriente.
"Mais particularmente, iniciativas da "Sociedade Teosófica", fundada originalmente em Nova York pela russa Helena Blavatsky, por volta de 1874 ou 1875, tiveram papel capital no início da divulgação regular e sistemática da ioga no Brasil". SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS
Popularização no Ocidente
O Yoga chega ao Ocidente, no século XIX, mas se populariza mesmo no XX. E, agora, no XXI, ganha proporções estratosféricas. Na Índia na atualidade, estima-se que 150 milhões de pessoas pratiquem Yoga, o que corresponde a 10.43% de praticantes na população indiana total. Nos Estados Unidos, esse percentual é de 10,29% aproximadamente. A verdade é que independente do que é Yoga, a prática que une saberes orientais, "esoterismo", prática física, estudos ocidentais, divulgação e poder ocidental, está crescendo e não dá indícios de parar.
Outros dados relevantes são:
- O tamanho do mercado do Yoga global hoje é de $66.2 bilhões de dólares, crescimento de 9,4% CAGR;
- Nos últimos cinco anos o turismo na índia cresceu em 30% por causa do Yoga;
- Da população global praticante, 72% é feminina;
- Os líderes de praticantes de yoga globais são Índia, China e Estados Unidos;
- Globalmente, 44% das empresas oferecem aos funcionários yoga como ferramenta de bem-estar corporativo.
"Apenas a partir da década de 1930, e especialmente a partir da década de 1940, haveria de fato uma lenta, mas progressiva, ampliação do círculo de adeptos e praticantes da ioga. Esse paulatino processo de popularização coincide com o momento em que os aspectos espirituais da ioga começaram gradualmente a ceder lugar a uma dimensão cada vez mais corporalmente performática. Dessa época em diante, revistas semanais e jornais de grande circulação começaram a apresentar reportagens sobre artistas, atletas e políticos famosos que tinham assimilado a ioga como recurso de embelezamento físico, medida profilática de promoção de saúde e prática de treinamento corporal" (DESILUDIDO DA VIDA, 1938; LOU NOVA..., 1939, p. 18; A BELLEZA..., 1939, p. 23).
O lado geopolítico
Neste contexto de crescimento e, obviamente, por interesse político, o primeiro-ministro Narendra Modi, em setembro de 2014, propôs em Assembleia Geral da ONU, a instituição do Dia Internacional do Yoga. Alguns dizem que é uma ferramenta de Modi, "soft power" - poder brando - para melhorar sua imagem internacional, visto que é associado ao partido BJP de extrema direita e tem posicionamento claro contra minorias. A votação foi a mais rápida da historia da ONU, com 175 países signatários.
"A popularização do yoga no Ocidente começou em meados do século 19, então não é resultado de um projeto do BJP [partido de Modi]. O que ele faz é exportar um olhar enviesado sobre o yoga e uma identidade muito específica da Índia para os praticantes", afirma Patricia Sauthoff, doutora pela Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres, no Reino Unido, e mestre em história com foco em religiões no sul da Ásia.
Modi
A forma que enxergamos Yoga, o recebemos no Ocidente e o usamos, diz muito sobre o que ele se tornou. Entenda, você não precisa saudar ao sol para se dizer praticante, pelo menos na minha visão - que eu sei ser diferente de muitos colegas professores. Especialmente o Modi.
No primeiro ano de seu mandato, Modi inaugurou o Ministério do Ayurveda, Yoga, Naturopatia, Unani, Siddha e Homeopatia, a fim de "promover a rica e centenária herança indiana no campo das ciências da saúde". Seus opositores acusaram o BJP de instrumentalizar o Estado para disseminar capital religioso e das castas superiores, conforme a cartilha do RSS.
Controvérsias
Depois disso, centenas de escolas indianas incluíram sessões de yoga no currículo da educação primária e secundária. Parece bom, certo, afinal é ótimo para as crianças? Errado, dado que a Índia tem o hinduísmo, mais o islamismo, o cristianismo, o sikhismo, o budismo e o jainismo, além de outras tradições.
A saudação ao sol, o deus Sol, Surya, representa um desvio das práticas religiosas de algumas crianças. Mas o Surya Namaskar foi imposto nas escolas. Ou seja, exigem que crianças mulçumanas, por exemplo, se curvem ao Deus do Sol - o Islã só permite que os seguidores se curvem diante de Alá. Então isso é extremamente sério e desconcertante. Ademais, não é Yoga, em sua raiz, a de ser união com a Consciência Divina. Se alguém entende Deus, ou essa Consciência com outro nome e pratica sua devoção e melhoramento pessoal para se aproximar Dela, por que existem pessoas que acham o seu jeito é o melhor e o mais certo de o fazer?
O verdadeiro Dia Internacional do Yoga
O Dia Internacional do Yoga não pode viver imerso nessa romantização do Oriente, uma alienação compulsória que escolhemos para "ficar bem", nessa necessidade de subjetividade vinda de fora. Estaremos bem mesmo quando começarmos a amar uns aos outros, pelo que somos, não o que queremos que os outros sejam. Começaremos a ser melhores, praticando fisicamente posturas de equilíbrio e cachorro olhando para baixo, quando também conseguirmos conviver melhor coletivamente. O nosso corpo físico é importante, sim, sem ele. não estaríamos aqui, eu escrevendo e você lendo e interpretando esse texto, ou caminhando e viajando e falando. Cuidar do corpo é essencial, mas o culto ao corpo como única ferramenta, a preocupação excessiva com a estética e padrão de beleza que muda a cada estação, isso não é Yoga.
Se não, sinceramente, não adianta nada você celebrar o Yoga. Você pode ser um excelente ginasta, no máximo, ao colocar seus pés na cabeça e cantar Om, mas quem é você como ser humano? O que te incomoda? O que te tira do eixo?
A ideia de alinhar os chakras e nada mais te abalar é loucura se você é incapaz de olhar para o que te "desalinha" e entender de onde vem aquilo. Atravessar seus vales escuros, dominar suas feras, sua raiva, sua arrogância, sua necessidade de ser amado, ser visto, tudo isso. Entender suas emoções e o que te faz humano. Ser mais humano e não ficar só no seu tapetinho, julgando quem não pratica Yoga às 5h30 como você e não mantém dieta vegana.
O yoga é para quem?
É uma indústria valiosa e, por isso, cada vez mais cara. Afinal, o bem-estar é para quem pode comprar. Tanto físico, quanto mental e espiritual. Uma aula de Yoga em um bairro de classe média da capital Nova Delhi custa entre R$150 e R$450 por mês. Oito a cada dez indianos têm renda mensal inferior a 10 mil rúpias, o equivalente a R$ 675. Em Nova Iorque, a média mensal é de 200 dólares.
Existem ações que tentam amortecer essa queda moral do Yoga perante a sociedade questionadora. Karma Yoga é o Yoga da caridade, desinteressado, quando professores oferecem aulas gratuitas para grupos de pessoas, em parques, instituições de maneira gratuita.
Aprender sobre si para que seja possível compreender o outro
Acho que é de vital importância aprendermos a viver coletivamente, porque assim como você, todos somos incoerentes e inconstantes. Aprender sobre si só para que seja possível compreender o outro também. Não estamos mais na era de nos refugiarmos nas montanhas. O yoga é agora, para todo mundo, fora do tapete, na fila do mercado, no trânsito, com a família, com pessoas que pensam diferente de nós e nos desafiam.
Eu gosto de comparar esses desafios a uma postura difícil do yoga, porque eu acredito que o corpo ensina muito para nós sobre esse outro lado, o da ação na vida. Além disso, precisamos aceitar o mistério da vida, porque tem coisas que a gente não vai ter resposta. Isso é conviver com o vazio, com o incomodo do não saber, do escuro. É como quando fechamos os olhos e mergulhamos em nós, sem entender nada, ou quando prestamos atenção no micro espaço vazio entre a inspiração e a exalação.
O mistério sempre há de pintar por ai. Feliz Dia Internacional do Yoga, que é sempre, todo dia e para todo mundo.
*Texto escrito por Luiza Carisio, professora de yoga
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