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Queridinho dos brasileiros: qualidade do pão francês merece atenção

São vendidos, em São Paulo, 25 milhões de pães todos os dias, indo desde os que usam pré-mistura até os que fermentam por 18 horas

23 jun 2022 - 05h00
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Ao dar uma olhada nos números do pãozinho francês no Brasil, é natural levar um susto. Afinal, esse alimento tão central na mesa dos brasileiros movimenta uma indústria gigantesca: de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (ABIP), são vendidos diariamente 25 milhões de pães em São Paulo e, pelo Brasil, são mais de 70 mil padarias. 

"Ao longo da existência do pão, tivemos muitas variações. Tivemos o bengala, o mini-bengala. Mas foi o pãozinho francês que caiu no gosto do brasileiro", diz Rui Gonçalves, presidente do Sampapão, que representa o segmento de panificação e confeitaria de São Paulo. "Tem o tamanho ideal, fica gostoso quando passa manteiga. Não existe sanduíche sem pão ou um pão com manteiga sem o pão francês. Fazer numa ciabatta não é a mesma coisa. Caiu no gosto do brasileiro e não tem volta".

Foto: sanfel / iStock

Até hoje, porém, sua história é um tanto quanto nebulosa. Já havia costume de fazer pão em terras brasileiras, mas foi nos anos 1920 que a agroindústria nacional começou a se desenvolver. Acredita-se que, neste momento, a elite que viajava para a Europa importou um pãozinho pequeno que era feito, em Paris, com casca dourada - um precursor da baguete. Aos poucos, os padeiros empregaram conhecimentos daqui para adaptá-lo.

Dominadas por famílias portuguesas, as padarias adicionaram açúcar e gordura na água, farinha e sal. Enquanto isso, o fermento natural foi substituído pelo biológico para agilizar.

"Antes da Guerra, os franceses tinham esse pão menor, não a baguete. Hoje em dia, não tem mais e a baguete se tornou o pão mais tradicional", conta Helena Mil-Homens, padeira da St. Chico e que estudou panificação na França, o suposto berço do pão francês. "Quando os brasileiros começaram a frequentar a Europa, voltaram pra cá com isso na cabeça. Deu certo, caiu no gosto, principalmente nas regiões sul e sudeste".

Transformação do pãozinho

Hoje, porém, o pãozinho está com outra cara e até anda com a qualidade em queda. Hoje em dia, padarias estão usando uma pré-mistura (4% de proteína) para elaborar o pão francês, que conta ainda com aditivos químicos e anti-mofo. Além disso, tem um alto teor de sódio para estruturar a massa e muito fermento para acelerar a fermentação. O que gera um pão nada nutritivo e de difícil digestão causando estufamento gástrico.

Para se ter uma ideia, a melhor farinha nacional do mercado vem com 9% de proteína e, em algumas padarias, como a Sagrado Boulangerie, a fermentação tem duração média de 18h.

"Ele é um produto de alimentação básica e, por isso, busca-se um custo baixo. Em função disso, a maioria das padarias utiliza essa pré-mistura", conta Fábio Freitas, proprietário da Sagrado Boulangerie. "A gente não utiliza esse tipo de ingrediente. São produtos desenvolvidos através da seleção de um a um dos insumos, fazendo a seleção da melhor farinha. Nós buscamos o melhor sabor do pãozinho francês aliado com uma boa alimentação".

Ao ser questionado sobre a qualidade dos pães franceses no Brasil, a partir dessa pré-mistura, Rui Gonçalves, da Sampapão, afirma que há outros "ingredientes" importantes no preparo. "Costumo brincar que o bom pão francês é aquele feito com amor", diz o representantes dos padeiros. Ele precisa ser bem assado, ter uma pestana bonita e ter a felicidade de crescer no tamanho certo".

Para reconhecer um bom pão, algumas dicas. Primeiramente, ele deve ser simétrico, suavemente oval, e resiliente - quando pressionado, precisa voltar à forma original. Além disso, a casquinha precisa ser dourada e brilhante. Já o miolo deve ser branco, sem manchas, com textura macia e elástica. Por fim, o sabor deve ser delicado, levemente ácido e um pouco doce, sem nunca puxar demais para um salgado exagerado ou com gordura.

Reinado ameaçado?

Com essa queda na qualidade do pãozinho, degradado com a pré-mistura, questiona-se se não há espaço para algum outro tipo de pão crescer no cenário da panificação no Brasil.

No entanto, empreendedores, padeiros e especialistas afirmam: o reinado do pãozinho ainda é absoluto. "As pessoas começam a buscar alternativas", continua Fábio, da Sagrado Boulangerie. "Por outro lado, o pão francês representa mais de 50% desse mercado de panificação. É muito difícil, a curto e médio prazo, conseguir fazer com que o pão francês não esteja entre os 3 ou 4 itens na panificação. Ele está associado ao alimento básico".

Além disso, há algo que vai além: a tradição. "As pessoas gostam de ir comprar o pão. Gostam de ir na fila, cumprimentar a mocinha do balcão. É uma rotina", diz Helena Mil-Homens, da St. Chico. Segundo ela, o que está mudando é que as pessoa querem saber mais como aquele pão chega até elas. "As pessoas perguntam o que a gente coloca no pão e falamos que na verdade tiramos coisas. Elas ficam felizes em saber que é um pão feito mais como antigamente. Tem muito da saudabilidade e tem uma hipsterização da coisa, que é bem-vindo no mercado, de conhecer o padeiro e testar várias padarias"

Estadão
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