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Youtubers reduzem ansiedade e insônia com técnica de relaxamento

Fenômeno ASMR ajuda pessoas a se acalmarem, mas pode ser contraindicado em casos de transtornos mentais

30 ago 2018 - 07h12
(atualizado às 10h03)
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As mãos de Liliane Dantas suavam na tarde da última sexta-feira, 24, enquanto ia para o trabalho, e a preocupação com as contas de casa atordoava a sua mente. A jovem, de 27 anos, sofre com ansiedade há três anos e faz uso de remédios controlados para afastar o fantasma da crise do pânico e da depressão.

No entanto, de uns tempos para cá, ela conheceu a técnica da Resposta Sensorial Autônoma do Meridiano (ASMR - sigla em inglês), que consiste em estímulos sensoriais por meio de sussurros, sons com a boca, toques em superfícies e recursos visuais para acalmar e fazer dormir. "Quando assisto aos vídeos eu esqueço de tudo que está ao meu redor e durmo em questão de minutos. É meu momento de paz no dia", afirma.

O método é praticado no mundo inteiro e possui bilhões de acessos na internet. A pioneira dessa prática no Brasil é a enfermeira Carolina Rossi, dona do canal Sweet Carol no Youtube. Um dos seus vídeos mais famosos é o que ela está pintada com tintas neon enquanto toca a câmera e raspa o dedo em objetos. "Existem os gatilhos visuais além dos auditivos e táteis para fazer relaxar. Movimentos sutis, por exemplo, tendem a nos acalmar", afirma. Use fones de ouvidos no vídeo abaixo.

O especialista em morfologia e professor de Neurociência da Universidade Federal do ABC, Abrahão Baptista, afirma que o ASMR gera a sensação de relaxamento porque ajuda na diminuição das atividades fisiológicas. "O cérebro passa a oscilar em frequências mais baixas devido a atuação do sistema nervoso parassimpático. Você vai entrando em repouso, seu coração começa a bater mais lentamente, a frequência respiratória reduz e o metabolismo diminui", explica.

Pesquisadores do Centro Nacional de Informações Biotecnológicas dos Estados Unidos entrevistaram 475 mulheres, homens e não-binários usuários para entender melhor os efeitos do ASMR no corpo humano.

Dentre os pesquisados, 82% usam a técnica para dormir, 70% disseram que o método ajuda a lidar com o estresse e 5% relataram que assistem aos vídeos para estimulação sexual. "Assim como há pessoas que têm prazer com a dor no sexo, existem as que sentem prazer com carinho. São poucos que se excitam e acredito que os sussurros são os que mais causam isso", conta Carolina.

Os participantes relataram, ainda, sensações de formigamento na nuca, indo em direção aos ombros e à linha da coluna. "Muitos disseram ter o mesmo influxo nos braços, pernas e na parte inferior das costas", apontam os cientistas.

Fantasias e consolos

Carolina Rossi conta que os relatos sobre o fenômeno são bastante diversificados. "Mulheres já me disseram que me ouviam para acalmar seus bebês durante e depois da gestação, e nunca me esquecerei de uma menina de 13 anos que perdeu a mãe e me mandou um e-mail me pedindo para fazer um ASMR fantasiando ser mãe", recorda.

A youtuber Sabrina Pimentel, que também cria ASMR, lembra que recebeu mensagens de uma seguidora que perdeu o filho e só conseguia dormir com seus vídeos. Além disso, em algumas gravações, a jovem simula ser irmã, namorada e até uma sereia para confortar o público.

"Às vezes, alguns usuários não querem pessoas normais os fazendo dormir e relaxar, então faço personagens", explica. "Isso pode acontecer por uma carência pessoal. A pessoa não tem amigos e se sente acolhida ao me assistir, ou não namora e sente que tem uma namorada".

Na maioria das vezes, esse consolo em linguagem ASMR é feito por mulheres. Assim sendo, Carolina Rossi explica que as diferenças de timbre e afinação entre a voz feminina e masculina influenciam na maneira pela qual os usuários captam os estímulos. "Quando éramos bebês, tínhamos a mãe nos confortando em algum choro, dor ou até mesmo para dormir. Fora isso, ela ainda amamenta. O timbre da voz traz uma vaga lembrança muito confortante devido a isso", analisa.

Riscos e transtornos mentais

O Centro Nacional de Informações Biotecnológicas dos EUA aponta que 70 dos 475 entrevistados possuíam níveis moderados ou graves de depressão e alegaram usar o ASMR para aliviar os sintomas. Além disso, 237 participantes disseram que o humor melhorou depois de aderir à técnica.

Abrahão atesta, contudo, que o levantamento não permitem traçar uma análise aprofundada sobre o tema. "O número de pessoas dessa pesquisa deveria ser maior e o estudo tem de ser repetido para compararem as informações coletadas. Só assim conseguiríamos entender melhor o funcionamento do ASMR", critica.

Carolina afirma que já leu relatos de três mães com filhos autistas que usaram as performances dela para acalmá-los. "Recebo depoimentos de como a técnica melhorou a vida de pessoas autistas e outras com depressão, crises de pânico e ansiedade", diz.

No entanto, Abrahão Baptista alerta que há ressalvas em casos assim, visto que a criança autista tem uma ansiedade relacionada com a repetição de acontecimentos. "Pode acontecer dela querer fazer outra atividade enquanto assiste ao vídeo. Aí, há o risco dela ficar ainda mais ansiosa com a técnica em vez de se acalmar", afirma.

Gatilhos psicológicos

O professor observa, também, que o ASMR serve como gatilho e gera mais danos do que benefícios em alguns casos. "Pessoas em situação severa de depressão, com ideação suicida, podem escutar ou assistir a um vídeo e aumentar ainda mais a vontade de se matar", explica.

Além disso, ele adverte que os vídeos conseguem induzir algumas pessoas com esquizofrenia a ter alucinações. "O tema é delicado e pode causar problemas em pessoas com transtornos como qualquer outra terapia", pondera.

A análise neurológica de Baptista vai na contramão da postura de youtubers como Taíssa Rubim, que afirma na descrição ou título de seus vídeos que o ASMR é um tratamento para a depressão, síndrome de pânico e doenças mentais em geral. Veja abaixo.

Carolina reconhece que seus vídeos não substituem medicamentos e apoio profissional. Assim, ela criou uma série de vídeos chamados Conversas de Emergência (Code), no qual ela fala sobre temas como solidão, autoestima, bullying e transtornos psiquiátricos para acalmar e distrair pessoas em crise.

*Estagiário sob a supervisão de Charlise de Morais

Estadão
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