‘Queria compartilhar minha história’: Policial lança livro sobre como prendeu o próprio agressor
Na obra, Jessica Martinelli conta como foi vítima de abusos sexuais ainda na infância e como sobreviveu ao ciclo
A policial civil de Santa Catarina Jessica Martinelli relatou em um livro como conseguiu prender e levar à Justiça o próprio agressor, dez anos após sofrer abuso sexual na infância. Em “A Calha”, lançado no fim do ano passado, ela narra como escolheu a profissão que viria ajudá-la a cessar um ciclo de dor e como encontrou a cura interior.
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Os abusos começaram quando Jessica tinha apenas nove anos, praticado por um amigo da família. De acordo com ela, a infância foi marcada por alegria, mas também por um ambiente tumultuado e negligente. A prisão só ocorreu aos 25 anos, menos de um após ter se tornado policial civil. Em entrevista ao Terra, ela conta que, na época, achou que estava sozinha.
“Eu decidi que queria compartilhar a minha história com outras vítimas para que elas não se sentissem como eu me sentia na época, achando que eu estava sozinha, achando que eu era única, achando que eu era uma das poucas vítimas que estavam passando por isso. E para demonstrar que, por mais difícil que seja, contar, relatar, o que aconteceu com você, te ajuda no processo de cura”, explica Jéssica.
No livro, ela aborda a infância, uma adolescência com pais separados e uma mãe doente — quando os abusos aconteceram — e a fase adulta, denunciando a falta de apoio dos órgãos responsáveis e ressaltando o desejo em buscar por justiça apesar das dificuldades.
“[...] Após a denúncia, houve vários entraves, em vários órgãos públicos da persecução penal. Desde a delegacia, o Ministério Público, o Poder Judiciário, a execução da pena propriamente. O que posso dizer com toda segurança é que, se não tivesse feito isso com as minhas próprias mãos e feito a prisão, ele não teria sido preso. Então, é aquela luta constante para você ir contra um sistema que tem que funcionar, mas que às vezes é falho”, conta a policial.
Lidando com o medo e as incertezas
Jessica relembra que, mesmo depois de ter se tornado policial, tinha medo de tratar sobre o assunto, pois não se sentia capaz. “Eu não sentia que eu poderia ajudar uma vítima, visto que eu não tinha conseguido ajudar a mim mesma e conseguir executar a prisão, trazer palestras sobre o assunto da violência doméstica e familiar, acolher as vítimas na delegacia, foi me trazendo um encorajamento para trabalhar na área e hoje escrever um livro”, celebra.
“Acredito que [essa história] vai ser uma grande ferramenta de inspiração para quem já foi vítima e um grande alerta para os pais. [...] Por muito tempo, eu me sentia culpada pelo que tinha acontecido comigo. E nenhuma vítima deve se sentir assim. Esse é o meu objetivo com o livro”, relata.
A policial faz um apelo aos pais para conversarem mais com os seus filhos e expliquem sobre privacidade e sexualidade. “Que assim o seu filho sinta confiança para contar a você se alguma coisa estiver acontecendo. Porque eu não contei por medo, por insegurança, por vergonha”, pontua.
“Me sinto realizada”
De acordo com Jessica, a repercussão do caso e do livro a deixou ainda mais motivada. “Eu me sinto realizada. [...] Estar sendo visto por tantas pessoas e, com certeza, muitas dessas pessoas já foram vítimas em algum momento. É demais. Em alguns links de reportagem, pessoas [estão] falando como se sentem e como têm se sentido representadas por mim”, comemora a policial.
“Eu não desisti, por mais difícil que foi, não desisti. Eu me mantive firme para conseguir essa justiça”, diz.