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Professores em Minas Gerais fazem reunião virtual com alunos para falar de emoções na pandemia

Ansiedade, depressão e vontade de desistir são principais queixas de estudantes em colégio de Poços de Caldas

24 jul 2020 - 14h56
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A pandemia do novo coronavírus impôs aos estudantes o isolamento social e, com ele, as aulas online preparadas abruptamente por educadores. "Não fomos preparados para as aulas online, principalmente os educadores e alunos da escola pública. Entretanto, como gestora de uma escola tão grande, o que tenho acompanhado é um grande esforço dos profissionais da educação, alunos e familiares para superar as dificuldades e dar continuidade, mesmo que precariamente, ao processo educacional. Digo precariamente porque muitos alunos não têm acesso à internet ou, mesmo que tenham, muitas vezes o pacote de dados é limitado ou dispõem de apenas um celular por família", afirma Angela Maria de Castro Borba, diretora do Colégio Municipal Dr. José Vargas de Souza, em Poços de Caldas, Minas Gerais. O local atende 2.356 alunos, dos 1º e 2º graus.

A instituição tem 170 professores e funcionários.

Uma das docentes é Luciana Aparecida de Moraes Correa, professora de Inglês, que relata que os alunos também estão encarando a situação com um certo desafio.

"Crianças e adolescentes não têm a paciência, a maturidade de sentar na frente de um computador e ficar muitas horas assistindo a um vídeo sem ser interativo ou que chame a atenção deles. Então, isso acaba fazendo com que eles desanimem, não façam as atividades. O não comentário de nada, o sumiço do aluno, a inércia, com tudo isso a gente começa a refletir que a aula não está funcionando. Se eu estou fazendo uma atividade e só 10% dos alunos me respondem ou estão fazendo, tem alguma coisa de errado. Então, eu preciso pensar como é que eu vou falar e alcançar esses meninos", ressalta.

E, em um cenário tão desafiador como esse, quais são as emoções despertadas entre os alunos? Para descobrir as principais queixas e sofrimentos dos estudantes, professores sugeriram a realização de um encontro virtual para falar ouvi-los. Foram escolhidos representantes de cada turma, que falaram de forma organizada, trazendo sugestões e queixas dos colegas. O resultado preocupa os educadores.

Muitos adolescentes revelam que estão deprimidos, ansiosos e alguns abordaram a questão do suicídio. "Muitos estão abalados e têm declarado pra gente crises de ansiedade, depressão, tentativas de suicídio, dizem que não têm mais um ânimo para viver, e isso é muito sério, porque nós estamos falando de adolescentes. Se a gente entender que a escola, querendo ou não, for responsável por isso, é muito complicado. A gente tem casos que alguns alunos não querem concluir esse ano, preferem até reprovar", relata Diego Guerra de Souza, professor de Geografia.

O educador conta que muitos alunos o procuram também para falar sobre problemas pessoais. "Ontem uma aluna me procurou à noite para dizer que não estava conseguindo concluir minhas atividades porque estava com um problema familiar. Acho que o que cabe agora é tentar entender que a gente tem problemas e eles também têm. É muito mais prudente a gente tentar se colocar no lugar deles porque nós somos os adultos da situação. Se o problema vem até nós, nós conseguimos resolver. Se a gente não conversar com eles, acaba perdendo esses meninos mesmo", desabafa.

Desde o início das aulas online, a professora Luciana disponibiliza o número do celular pessoal aos alunos. "E tentando ficar o mais próximo possível dos alunos. Temos grupos de Whatsapp em algumas turmas e temos uma ponte mais próxima das famílias. Desde o começo, disponibilizei meu numero para eles me procurarem quando precisarem. Eu tenho filho na mesma idade mas, independente disso, cada um ali é uma vida, uma família, um sonho. Então, a gente precisa cuidar de cada um. Eles sabem dos deveres, mas têm os direitos deles e precisam ser respeitados. A escola democrática é a melhor filosofia. Nós queremos que esses meninos cresçam e entendam o papel deles em sociedade. E um dia serão nossos médicos, engenheiros, advogados, professores, cozinheiros, nossos líderes políticos. Eles são nosso futuro", enfatiza.

Em linhas gerais, apesar das dificuldades de um modelo não convencional de educação, os alunos se mostraram receptivos e gratos pela oportunidade de serem ouvidos. Expressaram seus anseios e inseguranças quanto ao momento que estão vivendo, falaram dos medos que sentem perante tantas incertezas e sobre as dificuldades de aprendizagem mesmo com todo o esforço dos professores.

Depois da reunião com os alunos, Luciana e Diego, professores que participaram do encontro, encaminharam o conteúdo para outros educadores. "Algo muito importante que estamos aprendendo com esta pandemia é valorizar o outro e a necessidade que temos de conviver. É necessário, durante as aulas remotas, criar vínculos. Sem estes elementos, a educação pode se resumir ao simples cumprimento da carga horária prevista na legislação", destaca a diretora de escola Angela Maria de Castro Borba.

Agora, o próximo passo será a escolha de pais representantes por turma, dos alunos do 1º ao 6º ano do ensino fundamental. Futuramente, haverá uma reunião online para ouví-los também.

Ao mesmo tempo, a saúde mental e emocional dos professores também merece atenção e não pode ser deixada de lado.

Mindfulness para professores

Sensações como estresse, frustração e ansiedade podem atingir também os professores, que tiveram de se adaptar rapidamente à situação de pandemia e as aulas online. Pensando nisso, o livro Mindfulness para profissionais de educação: práticas para o bem-estar no trabalho e na vida pessoal, publicado pela Editora Senac São Paulo, lista algumas dicas para a prática das técnicas e dos programas mindfulness no campo da educação.

De acordo com a publicação, a arte de meditar e a prática da meditação mindfulness, "atenção plena" ou "consciência plena", devem ser parte fundamental da vida cotidiana.

"Temos a convicção, com base em nossa prática pessoal e profissional, e na ampla evidência científica, de que tal prática nos permite cultivar habilidades socioemocionais imprescindíveis para a obtenção e a manutenção da qualidade de vida diante de tantas adversidades e ameaças, internas e externas, do mundo contemporâneo como a pandemia que estamos vivendo, bem como para podermos saborear os infinitos momentos de felicidade genuína em nossas vidas", explica Marcelo Demarzo, um dos autores.

O distanciamento social gera algum grau de ansiedade, frustação, medo e tristeza, com mudanças consideráveis no dia a dia. Para combater isso, um dos exercícios fundamentais na prática, é a respiração. Confira abaixo o passo a passo:

Atenção plena na respiração

1º passo: A partir de agora, comece a se conectar com a sua respiração, observando como o ar entra e sai de seu corpo. Você pode observar como seu abdome e o tórax se movem à medida que você respira. Caso queira, se for útil para você, você pode colocar uma mão no abdome, e outra, no tórax, para senti-los subir e descer;

2º passo: Quais sensações você nota conforme inspira e expira? Você consegue perceber alguma pausa entre uma respiração e outra?

3º passo: Não tente controlar ou mudar nada, apenas deixe que a sua respiração ocorra natural e livremente;

4º passo: Permaneça assim por alguns instantes;

5º passo: Quando estiver pronto, na próxima expiração, veja se consegue experimentar, eventualmente, uma sensação de plenitude e mantenha a consciência em tudo o que está sentindo conforme o ar entra e sai de seu corpo;

6º passo: Permaneça assim por mais alguns instantes.

"Portanto, mesmo sob efeito do estresse crônico, a ansiedade e os desafios que estamos enfrentando com a pandemia, poderemos ser mais conscientes e assertivos, estendendo nosso autocuidado às outras pessoas de nosso entorno e de todo o mundo, cultivando nossas ferramentas internas de sabedoria frente aos desafios do mundo atual", conclui Marcelo Demarzo.

Estadão
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