O tempo voou e o cansaço chegou: a neurociência explica a exaustão de fim de ano
Por que sentimos que o ano passa cada vez mais rápido? A neurociência, o estresse acumulado e a ausência de pausas revelam como nossa mente distorce o tempo
Você também vive a sensação de que mais um ano passou voando? Parece que foi ontem que brindamos a chegada de 2025, fizemos planos, recalculamos rotas e já estamos em dezembro novamente. Mais um ano que passou em um piscar de olhos. Mas, não é o tempo que está passando rápido demais, nós que estamos ocupados demais e, talvez, vivendo de menos. O problema não está nos relógios nem no calendário. Está no modo como nosso cérebro e corpo processam o tempo em uma vida cada vez mais ocupada. E isso pode ser explicado pela neurociência.
A percepção quase universal de que os dias escorrem pelas mãos, somada ao cansaço mental que marca dezembro, resulta de um delicado desequilíbrio entre ritmos biológicos, demandas reais e simbólicas e a química cerebral que governa nossa experiência de realidade.
Como o cérebro constrói a experiência do tempo
Durante muito tempo, os neurocientistas buscaram compreender como o cérebro processa o tempo e definir um "centro cerebral do tempo". Mas o conhecimento da neurociência mais moderna permite concluir que nosso cérebro não possui um relógio interno único. A percepção de tempo nasce de uma verdadeira orquestra de ritmos biológicos que atravessam cérebro e corpo. Batimentos cardíacos, respiração, oscilações cerebrais, ciclos de sono e até a atividade intestinal. Essas frequências biológicas se acoplam umas às outras criando escalas de referência temporal que vão de milissegundos a horas.
A física nos apresenta um tempo linear, objetivo, medido por relógios e calendários. Mas vivemos também o tempo experiencial ou subjetivo. Um minuto no trânsito parece arrastar-se eternamente, enquanto um minuto em uma conversa envolvente desaparece num piscar de olhos. "Sentir que o tempo passa" é, em última análise, sentir que corpo e cérebro estão mudando, mesmo quando o relógio da parede insiste em marcar segundos rigorosamente iguais. O tempo subjetivo é, em grande parte, um "sentido corporal refinado", resultante da interação de percepção corporal e processamento emocional, necessário para o cérebro ancorar memórias, planejar o futuro e manter a coerência da experiência de si ao longo da vida.
Dopamina e seu papel na percepção do tempo
Entre os diversos neurotransmissores que regulam nossa percepção temporal, a dopamina ocupa papel central, funcionando como um modulador da velocidade do nosso relógio interno: quando sua ação aumenta, tendemos a subestimar intervalos de tempo, como se tudo passasse mais rápido; quando diminui, o tempo parece arrastar-se.
Estados de elevada carga dopaminérgica, provocados por estímulos prazerosos intensos, estresse crônico ou múltiplas tarefas simultâneas, aceleram nosso marcapasso interno. É exatamente isso que muitos experimentam ao longo do ano: uma sucessão de demandas profissionais, compromissos sociais e estímulos digitais que mantêm o sistema dopaminérgico em constante ativação. O resultado? Dezembro chega e temos a sensação ambígua de que "fizemos muito, vivemos pouco". O ano acabou antes que o cérebro conseguisse registrar plenamente cada experiência.
Por outro lado, estados de baixa dopamina produzem o efeito oposto: o tempo se arrasta, os dias parecem não ter fim. Essa oscilação explica por que, paradoxalmente, ao final de um ano agitado, podemos sentir tanto que ele passou voando quanto experimentar uma exaustão que parece durar uma eternidade.
Substâncias psicoativas, especialmente psicodélicos, temperatura corporal, estados atencionais e condições neurológicas e psiquiátricas diversas (TDAH, depressão, ansiedade, privação de sono, entre outras) podem alterar ritmos biológicos e circuitos neurais, modificando tanto a percepção de duração do tempo, a ordem em que lembramos dos acontecimentos e a capacidade de fazer estimativas relacionadas ao tempo passado e futuro.
O cansaço de dezembro tem causas biológicas, culturais e emocionais
Compreender como o cérebro e corpo percebem a passagem do tempo nos auxilia a entender que o cansaço mental característico de dezembro tem raízes diversas. Primeiro, o ano é percebido culturalmente como um ciclo completo de esforço e produtividade. À medida que nos aproximamos do seu término, corpo e mente se preparam naturalmente para a pausa, a mera antecipação do fechamento de mais um ciclo intensifica a sensação de fadiga.
Além disso, estressores diversos se acumularam ao longo dos meses, muitas vezes sem serem completamente processados. No fim do ano, o aumento das demandas de trabalho (fechamento de metas, balanços anuais), responsabilidades domésticas e eventos sociais, acentuam o cansaço acumulado. E ainda corremos o risco de tentar fechar abas que estão abertas desde março, acentuando ainda mais o cansaço. É preciso reconhecer e respeitar nossos limites.
A pressão por resultados adiciona uma camada extra de sobrecarga. No comércio, há Black Friday e Natal; nas empresas, apresentações de balanço e planejamento estratégico; nas famílias, expectativas de confraternizações perfeitas. Tudo isso eleva os níveis de cortisol, o hormônio do estresse, prejudicando o sono, a memória e a capacidade de regulação emocional.
Por que rituais aliviam o estresse e devolvem segurança emocional
É aqui que entra o papel transformador dos rituais. Presentes em todas as culturas humanas e até em diversas espécies animais, os rituais são comportamentos repetitivos e estruturados que envolvem atenção especial à forma e à execução, mais do que ao objetivo prático imediato. Pesquisas neurofisiológicas recentes demonstram que a prática de rituais reduz a atividade cerebral ligada ao monitoramento de erros e ao medo do fracasso, sem prejudicar o desempenho cognitivo.
Em outras palavras, os rituais, quando valiosos e adequadamente vividos, funcionam como mecanismos de homeostase emocional, são âncoras de segurança e bem-estar. Ajudam a reestabelecer sensação de controle e previsibilidade em momentos de incerteza ou exaustão, exatamente o que muitos experimentam em dezembro. Ao seguir uma sequência estruturada de ações, o cérebro pode se focar em tarefas familiares, reduzindo o peso das decisões e permitindo que a pessoa se sinta mais segura e organizada.
Os rituais também promovem coesão social. Práticas compartilhadas, como ceias de Natal, retrospectivas anuais ou tradições familiares, facilitam a sincronia entre membros de um grupo, aumentando o sentimento de pertencimento e apoio emocional. Esses fatores são essenciais para o alívio do cansaço e da exaustão, desde que não sequestrem toda nossa energia vital.
Quando o corpo pede pausa: a biologia das pequenas interrupções
Se rituais nos ancoram emocionalmente, pausas intencionais nos restauram biologicamente. Quando o ritmo se intensifica, é comum negligenciar necessidades básicas: pulamos refeições, reduzimos horas de sono, abandonamos a dieta e atividade física, deixamos de nos hidratar adequadamente. Essas escolhas, aparentemente pequenas, comprometem diretamente disposição, concentração e capacidade de regulação emocional.
É importante fazer pausas pontuais ao longo do dia e reservar tempo para atividades prazerosas: ouvir música, caminhar ao ar livre, ler, praticar um hobby. Essas práticas não são luxo, são estratégia e combustível para o bem-estar; ativam circuitos de recompensa cerebral, promovem a liberação de endorfinas e dopamina em níveis saudáveis, e ajudam a restaurar o equilíbrio entre sistemas de ativação e descanso.
Como recuperar os ritmos que dão sentido aos dias
Se queremos que o próximo ano não escorra pelas mãos, precisamos recuperar os ritmos que dão sentido aos dias: rituais significativos, pausas conscientes, sono de qualidade, presença genuína no momento presente. O tempo vai passar, isso é inegociável, mas podemos escolher como queremos vivê-lo. Cuidar da saúde mental não é questão de força de vontade ou privilégio. É compreender que nosso cérebro opera segundo leis biológicas específicas, e que respeitar essas leis é condição essencial para uma vida produtiva, satisfatória e sustentável.
Ao final de um ano que parece ter voado, talvez a melhor estratégia seja aprender a viver plenamente os momentos que ele nos oferece. A qualidade da nossa experiência temporal depende menos dos ponteiros do relógio e muito mais da nossa capacidade de estarmos presentes, atentos e conectados com aquilo que realmente importa.
*Fonte: Dr. Ivar Brandi é médico neurologista e palestrante, especialista em neurologia da cognição e comportamento e neuropsiquiatria