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Humanos sabem realmente como salvar os animais em risco de extinção?

Cientistas trazem novas opções para a conservação, e levantam várias questões éticas

23 set 2022 - 05h11
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THE NEW YORK TIMES - O penúltimo rinoceronte-branco do norte macho da Terra tinha quase 20 anos -estava na meia-idade, para os padrões dos rinocerontes- quando uma equipe de cientistas o anestesiou cuidadosamente, inseriu uma sonda em seu reto e aplicou um leve choque elétrico nos nervos próximos da próstata, fazendo o rinoceronte ejacular durante o sono. O esperma, então, foi recolhido e congelado. Esse rinoceronte -Suni- envelheceu e acabou morrendo. Assim como os outros machos restantes. Hoje, os únicos sobreviventes da espécie são duas fêmeas -Najin e Fatu. Na natureza, isso significaria a inevitável extinção da espécie. Mas Thomas Hildebrant, biólogo sênior do Instituto Leibniz de Pesquisa da Vida Selvagem e pioneiro na reprodução assistida de grandes mamíferos, tinha uma outra ideia.

Hildebrant planeja usar o material dele (e de outro dos últimos machos) para trazer de volta uma espécie à beira da extinção quando a possibilidade de reprodução por sexo já ficou para trás. Para fazer isso, ele usaria o esperma para fertilizar um óvulo coletado de uma das fêmeas restantes, que seria implantado em uma mãe de aluguel de um tipo diferente de rinoceronte (Najin e Fatu têm problemas no útero e não podem gerar filhos).

A gravidez das rinocerontes dura 16 meses. Assim, na primavera de 2024, Najin e Fatu poderão estar um pouco menos solitárias. O plano para resgatar o rinoceronte-branco é único, mas a situação de risco não é.

MUDANÇA

Estamos vivendo um dos seis períodos de taxa extraordinariamente devastadora de perda de espécies na história, mesmo sem ajuda de asteroides ou megavulcões. Mas, desta vez, podemos contar com a ciência. Tradicionalmente, a conservação era um jogo de isolar a terra e alavancar dinheiro e leis para tirar áreas vulneráveis do alcance de construtoras e caçadores. "O problema é que a gente não consegue proteger o suficiente", diz Rebecca Shaw, cientista-chefe do World Wildlife Fund.

Nas últimas décadas, à medida que a taxa de desenvolvimento global aumentou a uma velocidade vertiginosa, a conservação tradicional tentou acompanhar o ritmo, mas fracassou. "Como as atividades de prevenção testadas e comprovadas não estão dando conta de toda a escala do problema, estamos vendo exemplos cada vez mais rebuscados de como lidar com pequenos pedaços desse problema.

RISCOS

As apostas estão mais altas que nunca - e os riscos também. A principal lição do último século de pesquisa ecológica e políticas públicas é que intervenções bem-intencionadas podem, fácil e desastrosamente, sair pela culatra. "Temos um longo histórico", diz Shaw, "de decisões muito ruins de pessoas que estavam muito apaixonadas por suas soluções".

Um exemplo de conservação que deu errado é o infame caso do caracol rosado. O caracol de 10 centímetros foi introduzido no Havaí na década de 1950, trazido da Flórida, sob a teoria de que comeria e controlaria a propagação de caracóis africanos invasores. Em vez disso, o caracol rosado desenvolveu um apetite por caracóis nativos e outros gastrópodes e levou um terço das espécies nativas à extinção.

Se isso pode acontecer simplesmente introduzindo uma nova espécie em determinado ecossistema sensível, o que poderia acontecer se os cientistas introduzissem -como alguns sugeriram- um novo gene? Alguns pesquisadores estão explorando a possibilidade de empregar nos esforços de conservação a tecnologia de bioengenharia de ponta chamada CRISPR - que permite aos cientistas editar o DNA com precisão, na maioria das vezes na busca por tratamentos para doenças.

GENE DRIVE

Trata-se de uma aplicação da CRISPR em que os genes são modificados para espalhar rapidamente certa mutação por sucessivas gerações em determinada população. A aplicação mais promissora do gene drive são os fins destrutivos: uma edição que torna a prole infértil ou faz com que todas nasçam com o sexo feminino, levando a população ao colapso.

O Target Malaria, consórcio internacional de pesquisa apoiado pela Fundação Bill e Melinda Gates, está investigando como essa abordagem pode ser usada para eliminar os mosquitos transmissores da malária, um benefício que pode mudar da saúde pública no mundo todo. Para fins de conservação, os gene drives podem ser usados para atingir espécies invasoras que são prejudiciais às espécies nativas ameaçadas de extinção. Recentemente, biólogos federais avaliaram um gene drive focado em mosquitos e destinado a erradicar a malária aviária, responsável por dizimar populações de aves no Havaí. Mas, por enquanto, a ideia está em segundo plano, diz Eben Paxton, biólogo do Serviço Geológico dos Estados Unidos.

Em dezembro, biólogos computacionais de Cornell publicaram os resultados de uma complexa simulação de computador de um gene drive direcionado a ratos em uma ilha hipotética. Dependendo da eficiência com que os genes alterados passam de pais para filhos, entre outros fatores, a simulação se mostrou altamente eficaz -capaz de exterminar uma população de dezenas de milhares de ratos em 20 a 30 anos. Pode soar brutal, mas pelo menos não causa dor física em nenhum rato, disse Philipp Messer, que projetou o estudo.

A pesquisa foi financiada pelo Predator Free 2050, um grupo de conservação da Nova Zelândia que está trabalhando para proteger espécies criticamente ameaçadas -algumas ameaçadas por roedores invasores. A situação está "bem desesperadora no momento", disse Messer. Ainda assim, ele está convencido de que sua pesquisa mostrou como o mundo está mal preparado para um gene drive na vida real.

O maior risco é que a alteração escape do cenário pretendido: um rato editado por genes se afasta da ilha em um navio de cruzeiro e, em alguns anos, toda a população global de ratos é dizimada, com consequências incalculáveis. Embora os cientistas estejam mexendo com técnicas genéticas que podem limitar a capacidade de um gene drive se espalhar sem controle, a decisão de qualquer conservacionista de iniciar um gene drive hoje pode colocar em risco inúmeros ecossistemas globais. "É de extrema importância olhar com cuidado para essas coisas", disse Messer, "mas no momento não estamos nem perto disso".

Para Kevin Esvelt, biólogo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) que ajudou a desenvolver os gene drives, outro grande risco é que o uso indevido da tecnologia, mesmo que não chegue a uma catástrofe ecológica, assuste o público e os legisladores o suficiente para interromper pesquisas, como a da malária, que ele acredita estar prestes a salvar milhões de vidas humanas. "Um desastre de grandes proporções", disse ele, "pode atrasar o campo de pesquisa em dez anos".

GENOMAS

A genética também está contribuindo para os esforços de conservação de outras maneiras. Um projeto ambicioso de mais de 100 cientistas liderados pelo biólogo Brad Shaffer, da UCLA, está trabalhando para catalogar os genomas de cerca de 230 espécies de animais e plantas em toda a Califórnia. O objetivo é fazer um mapa da diversidade genética do Estado e identificar pontos sensíveis: áreas de alta diversidade que devem ser priorizadas para proteção, ou de baixa diversidade que podem precisar do reforço de programas de reprodução assistida.

Os biólogos marinhos do Carnegie Institute for Science estão adotando uma abordagem semelhante com os corais na Grande Barreira de Corais, identificando genes que parecem tornar alguns corais mais resistentes ao aumento da temperatura do oceano, sob o argumento de que populações com esses genes podem ser priorizadas para conservação.

Phillip Cleves, que lidera o projeto coral, disse que não vê esse tipo de trabalho como "brincar de Deus". Em vez disso, é mais como tirar o processo de seleção natural do piloto automático. Agora que as espécies vêm enfrentando uma série de obstáculos "não naturais", Cleve disse que seu objetivo é alavancar a variação genética existente para aumentar as chances de que o maior número possível possa sobreviver a qualquer que seja o clima do próximo século. "Nosso papel como biólogos, como administradores de ecossistemas, é prever como a vida encontrará seu caminho e garantir que façamos tudo o que pudermos para facilitá-lo", disse ele.

Para Shaffer, o uso eficiente dos recursos também pode significar convidar espécies selvagens para um contato mais próximo com os humanos. As cidades já abrigam muitas espécies não nativas prósperas, desde papagaios mexicanos ameaçados de extinção que agora voam em Los Angeles até dezenas de espécies de répteis não nativas em Miami.

ARCA URBANA

Até agora, essas infiltrações ocorreram por acaso ou acidente. Mas, no futuro, Shaffer acha que elas podem fazer parte de um projeto intencional. À medida que os hábitats naturais diminuem, argumenta ele, os cientistas devem avaliar a realocação de algumas espécies ameaçadas de extinção para "arcas urbanas".

Após um estudo cuidadoso de potenciais conflitos com espécies nativas (incluindo pessoas), espécies não nativas podem ser liberadas nas cidades para residir em parques, quintais, telhados, parapeitos de janelas e corpos d'água. Assim, elas poderão encontrar comida e abrigo em recursos naturais e infraestruturas que, como Shaffer escreveu na revista Nature, "embora construídos para humanos, também atendem às necessidades ecológicas das espécies não nativas".Aves e árvores ameaçadas de extinção podem ser boas candidatas para esse tipo de "migração assistida" deliberada (cobras, talvez nem tanto, diz Shaffer, herpetólogo de formação: "As pessoas não gostam delas"). No mínimo, diz, as espécies não nativas que já vivem em áreas urbanas sem causar danos indevidos às espécies nativas devem ser protegidas como "colônias de conservação in situ", não erradicadas como pragas.

O conceito de arca urbana também se refere a um princípio que Shaw diz ser crucial para a conservação efetiva, não importa a forma que assuma. Precisamos, diz, quebrar a barreira psíquica artificial entre as pessoas e a vida selvagem, barreira que nos faz pensar na natureza como "algo aonde você vai, em vez de algo do qual você faz parte".

Em suas décadas de experiência trabalhando em conservação, Shaw descobriu que os esforços mais bem-sucedidos são aqueles que integram as comunidades locais, dando às pessoas que vivem nas proximidades de animais ameaçados de extinção mais capacidade de ação e decisão. Qualquer nova tecnologia, diz ela, "precisa ser democratizada, para que não tenhamos uma cultura única escolhendo quais modificações ou interações são mais importantes". TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Estadão
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