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Parabólica

Carta aberta para uma lenda chamada Helio Castroneves

Quatro vezes campeão da Indy 500, o brasileiro Helio Castroneves coloca seu nome na história e se iguala aos maiores vencedores da prova

31 mai 2021 - 07h00
(atualizado em 1/6/2021 às 13h17)
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Dessa vez, meu espaço semanal de textos e reflexões sobre o automobilismo no Parabólica dá lugar a uma carta ao vencedor da 105ª edição das 500 Milhas de Indianápolis, Helio Castroneves. Neste 30 de maio, o piloto da equipe Meyer Shank Racing se juntou a A.J. Foyt, Rick Mears e Al Unser como os únicos pilotos que venceram quatro vezes a corrida mais famosa do mundo. 

Como acompanho a carreira do Helio desde o início na Cart, em 1998, peço licença para compartilhar com vocês um momento de muita emoção e nostalgia que vivi com a oitava vitória de um brasileiro na Indy 500. 

Caro Helinho,

Quando você ultrapassou o espanhol Alex Palou faltando três voltas e assumiu de vez a liderança para receber a bandeira quadriculada em Indianápolis, deve ter passado um filme na sua cabeça. 

Foi no outono de 2000 que você conheceu Indianápolis a pedido de Roger Penske. E mesmo já tendo visto o circuito tantas vezes pela TV, ainda se impressionou com o tamanho do lugar. E por maior que o Indianapolis Motor Speedway (IMS) fosse, o saudoso Tio Guaraná (Alfredo Guaraná Menezes) estava certo: porque uma pista, por maior que fosse, seria sempre uma pista. Mas, Indianápolis, seria mais que só uma pista: seria especial para você.

Para mim, Indianápolis é um local sagrado da velocidade. Um templo do automobilismo mundial que passou a fazer parte da minha vida em 1989, na primeira vitória do Emerson Fittipaldi com a narração do Luciano do Valle. E tantas outras, incluindo as suas, que fui testemunha nas transmissões realizadas pela televisão. 

E sempre que as 500 Milhas acontecem, torcemos para uma vitória do Brasil.

Na tarde do domingo ensolarado em Indianápolis, faltava realmente muito pouco para você  alcançar o Victory Lane, vestir a coroa de louros, beber e derramar o leite semi-desnatado que você mesmo escolheu se vencesse a corrida. Estava cada vez mais próximo para celebrar a quarta conquista nas 500 Milhas de Indianápolis.

O lema do seu pai, Helio, deve ter reverberado em sua cabeça durante a prova: para ser um campeão, você tem de agir como um campeão. 

Volta 198. Faltavam duas voltas para o final e o espanhol ficou para trás. Você tinha conseguido classificar o #06 na oitava colocação e agora era o primeiro colocado. O primeiro! E deveria estar repetindo como um mantra: olhe à frente, acelere, pilote.

E talvez as voltas finais também se misturassem às lembranças de quando sua família abriu mão de quase tudo para investir no seu talento na infância. Um sonho que começou seu, mas tornou-se um sonho em família, com o apoio do seu pai Helio, da sua mãe Sandra e de sua irmã Kati. 

Volta 199. A bandeira branca é agitada e significa que estamos na última volta. Falta pouco!

E dessa vez ia dar. Você deixava para trás o “quase” para ser o “definitivo”. Foi assim em 2003, 2014 e 2017 com os segundos lugares. Não. Dessa vez, não podia bater na trave, porque era o momento de fazer o gol e sair para o abraço. Ou melhor, acelerar e colocar o carro no lugar mais alto do pódio, como você fez na estreia pela Penske em 2001, repetiu a dose em 2002, e pela terceira vez em 2009, depois de ser julgado e absolvido de um processo de evasão fiscal nos Estados Unidos.

E logo à frente, eis que surge um tráfego imenso de retardatários -- que talvez estivessem ali só porque quisessem também sair na sua foto de chegada. E eu, confesso, estava em pé, em frente à TV, e continuava em prantos por você, pela sua família, pelos amigos na transmissão da TV Cultura, na alegria de acompanhar um brasileiro vencendo uma das corridas mais importantes na história do automobilismo. A última vez tinha sido com o Tony Kanaan, em 2013. 

Por um momento, deve ter se lembrado também das carinhosas palavras de sua mãe antes da largada, abençoando mais uma vez a participação na Indy 500. Dona Sandra, sempre muito religiosa e que no início de tudo não aceitava muito bem ter um filho piloto, percebeu a tempo que você tinha talento e iria chegar longe. E que nesse final de semana, estava se recuperando da Covid-19 em casa e se falaram por telefone. Então, era para ela a vitória deste domingo, uma vitória da vida!  

Boa recuperação, Dona Sandra. A senhora vai sair dessa logo!

Volta 200. Bandeira quadriculada. Fim de prova. Você venceu pela quarta vez no Indianapolis Motor Speedway e colocou a Meyer Shank Racing na história. Foi a vitória dos pequenos contra os grandes. E terá seu rosto quatro vezes estampado no Troféu Borg-Warner e naquele mural reservado aos vencedores no Museu do IMS, no espaço de 2021.

A vida é repleta de escolhas e deve ter passado aí uma sensação de gratidão quando recebeu o convite da equipe de Michael Shank para voltar à IndyCar e disputar seis corridas nesta temporada. Era seu retorno à categoria após três anos e, pela primeira vez, disputando as 500 Milhas com alguém que não era Roger Penske e as duas décadas de parceria. E mais: aos 46 anos e muita experiência na bagagem. 

Realmente, não era o fim, mas só o começo de uma nova era.

Ao mesmo tempo, que alegria imensa deve ter sido parar o #06 logo após o Brickyard, bater no cinto de segurança e saltar do carro em direção ao alambrado em companhia da equipe, fazendo jus ao apelido de Spiderman (Homem Aranha). Quebrando todos os protocolos para celebrar a vitória com os espectadores que gritaram o seu nome e que, graças à vacinação nos Estados Unidos, puderam estar no IMS, que recebeu um público de aproximadamente 135 mil pessoas, 40% da capacidade total do autódromo.

Até chegar ao Victory Lane, você foi abraçado por centenas de pessoas. Parceiros da equipe atual, também da Penske e outros times, além de vários pilotos. Mas a imagem que não me sai da lembrança é a reverência que você faz a Mario Andretti, que também venceu a Indy 500 em 1969, e recebe um beijo dele na sua cabeça, como se oferecesse uma bênção por ter vencido de maneira brilhante. E emocionante.  

Obrigada, Helinho, por ter feito nosso domingo feliz com a oitava vitória brasileira em Indianápolis. Obrigada por ter nascido no Brasil e ainda se orgulhar da sua nacionalidade, apesar dos problemas que nosso país enfrenta. Obrigada por ter acreditado no sonho de vencer mais uma vez em Indianápolis. Porque, afinal, os sonhos não envelhecem.

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