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Fiat matou o Uno e esqueceu de enterrar; Mobi não resolve

Betim errou ao desprezar potencial do Uno e investir no Palio e depois no Mobi, mas subcompacto não vale a pena. Veja a comparação e entenda

26 mai 2020 - 12h22
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Fiat Uno Attractive: a versão de entrada custa R$ 44.990.
Fiat Uno Attractive: a versão de entrada custa R$ 44.990.
Foto: FCA / Divulgação

A versão mais barata do Fiat Uno custa R$ 44.990. Apenas R$ 2.300 o separam do Mobi Like (R$ 42.690), uma das duas versões que escaparam do recente facão de Betim (sede da FCA em Minas Gerais). O Mobi Like é responsável por 80% das vendas do modelo. Numa órbita isolada, como se fosse um planeta Plutão no sistema solar da Fiat, sobrevive o Mobi Easy (R$ 35.990), que custa R$ 9.000 a menos do que o Uno Attractive 1.0, o mais barato da linha.

Com uma diferença tão grande de preço para o Mobi Like e o Uno Attractive, o Mobi Easy é a prova de que esse carro não vale a pena. Um indício forte de que a Fiat errou ao desprezar o potencial do Uno para investir primeiro no Palio (que já estava em fim de carreira) e depois no Mobi. O subcompacto não é a reinvenção da roda e nunca foi, apesar de ter sido apresentado assim pela Fiat. Não colou. Assim como ocorreu com a primeira geração do Ford Ka e com o Volkswagen Up, um carro muito pequeno não serve às necessidades do consumidor brasileiro.

Fiat Uno tem apenas quatro versões, mas usa três motores diferentes.
Fiat Uno tem apenas quatro versões, mas usa três motores diferentes.
Foto: FCA / Divulgação

Até serviria, como opção de carro urbano, se fosse realmente acessível, na faixa de uns R$ 25 mil. Aparentemente, não é possível fazer um carro com esse preço, considerando todos os paradigmas seguidos pelas montadoras atualmente e, claro, a abusiva carga de impostos sobre os automóveis. Em comparação com o Uno, o Mobi é 25,4 cm mais curto e tem 7,1 cm a menos de distância entre-eixos. O impacto desses 32,5 cm (mais que uma régua escolar) é enorme em termos espaço interno, conforto, capacidade do porta-malas (-55 litros) e dirigibilidade em velocidades mais altas.

O Mobi também é 1,9 cm rebaixado em relação ao Uno -- e isso influi na versatilidade do carro em terrenos acidentados, estradas de terra, valetas nas ruas etc. O Fiat Uno, com seus 16,5 cm de vão livre para o solo, supera o novo Chevrolet Tracker nesse quesito; e estamos falando do SUV mais vendido das últimas semanas.

Uno tem vão livre do solo superior ao do Chevrolet Tracker (e também ao do Mobi).
Uno tem vão livre do solo superior ao do Chevrolet Tracker (e também ao do Mobi).
Foto: FCA / Divulgação

Para a Fiat, posicionar o Uno numa faixa de preços superior talvez tenha sido positivo em termos de faturamento. Talvez. Para o consumidor brasileiro, não. Não mesmo! Além da Attractive, o Uno tem mais três versões: Drive 1.0 (R$ 47.990), Way 1.0 (R$ 51.290) e Way 1.3 (R$ 55.290). São três motores diferentes para apenas quatro versões (!), o que mostra como Betim foi se perdendo ao longo do tempo na questão do Uno. 

As versões Attractive e Way 1.0 usam o motor de quatro cilindros com 75/73 cv de potência (etanol/gasolina) e 97/93 Nm de torque. A versão Drive 1.0 usa o motor de três cilindros com 77/72 cv (e/g) e 107/102 Nm. A versão Way 1.3 tem 109/101 cv (e/g) e 139/134 Nm. Já o Mobi perdeu o bom motor de três cilindros e ficou apenas com o antiquado bloco de quatro cilindros. As duas versões do Mobi que tinham selo de eficiência energética do Inmetro saíram de linha. Veja no quadro abaixo a diferença de consumo entre as atuais versões do Mobi/Uno 1.0 de quatro cilindros e do Uno 1.0 de três cilindros.

ITEM

MOBI

EASY

MOBI

LIKE

UNO

ATTRAC.

UNO

DRIVE

Motor (versões 1.0) 4 cilindros 4 cilindros  4 cilindros 3 cilindros
Ar-condicionado não sim sim sim
Gasolina cidade (km/l)  13,5 12,7 11,6  13,2
Gasolina estrada (km/l) 15,2 14,3  13,4 15,2
Etanol cidade (km/l)  9,2 8,8  8,0 9,1
Etanol estrada (km/l) 10,2 9,9 9,4 10,6
Nota Inmetro (geral) B B B B
Nota Inmetro (categoria) C C E C
Pneus e rodas 165/70 R13  175/65 R14 165/70 R13 175/65 R14

O quadro acima mostra que a Fiat escolheu as versões que têm o pior consumo para manter no mercado e que o Mobi Easy só consegue competir em consumo com o Uno Drive porque sua medição foi feita sem ar-condicionado. Resta saber quem ainda compra carro sem ar-condicionado no Brasil. Mas, caso alguém compre, então havia uma oportunidade para existir uma versão do Uno bem mais barata do que a Attractive de R$ 45 mil.

Mobi Easy: só consegue competir em consumo sem o ar-condicionado.
Mobi Easy: só consegue competir em consumo sem o ar-condicionado.
Foto: FCA / Divulgação

Há pelo menos 13 ítens de série que poderiam ser eliminados do Uno para ter uma versão “pé-de-boi” muito mais acessível: ar-condicionado, banco bipartido, brake light com sinalizador de frenagem de emergência, chave desmodrônica, check de luzes e portas, faróis com máscara negra, follow me home, lane change, luz de leitura com dimmer, tecido nas portas, calotas, trava automática e vidros um-toque. Num país com a renda média baixa, como é o Brasil, o Uno poderia ser oferecido sem esses itens. Isso também vale para carros de entrada de outras marcas, para dar ao consumidor uma opção realmente barata.

Interior do Uno Attractive: mais conforto do que no Mobi.
Interior do Uno Attractive: mais conforto do que no Mobi.
Foto: FCA / Divulgação

Finalmente, para mostrar que a Fiat privilegia o Mobi em relação ao Uno, o subcompacto de R$ 36 mil tem dois itens importantes que não estão disponíveis no compacto de R$ 45 mil: ajuste de altura do volante e vidros elétricos. Se pode ter no Mobi de entrada, por que não pode ter no Uno de entrada?

Tudo isso que vimos até agora é resultado de uma estratégia que começou errada alguns anos atrás, quando o novo Fiat Uno foi desprezado para que os investimentos fossem feitos no Palio e no Mobi. Quando a segunda geração do Uno foi lançada, em 2010, o modelo somava suas vendas com o antigo Mille e encerrou o ano com 229.300 unidades vendidas, atrás apenas do Volkswagen Gol. O Fiat Palio, por sua vez, vendeu 137.512 unidades. Essa situação perdurou em 2011 e 2012.

Mille: última versão do Uno original foi produzida em 2013.
Mille: última versão do Uno original foi produzida em 2013.
Foto: Fiat / Divulgação

Em 2013, quando o Mille saiu de linha, o Uno caiu para 184.360 vendas, mas ainda terminou à frente do Palio, que teve 171.861. O jogo virou em 2014, quando a Fiat definitivamente desistiu do Uno, passando a apostar num Palio em fim de carreira e no projeto do Mobi. Foi o ano em que o Palio finalmente conseguiu derrubar a hegemonia do VW Gol, que liderou o mercado durante 27 anos (até 2013). Veja abaixo a sequência de vendas das linha Uno, Palio e Mobi a cada ano, segundo a Fenabrave.

Ano Uno Mobi Palio
2010 299.300 - 137.512
2011 273.535 - 105.792
2012 255.834 - 182.489
2013 184.360 - 171.861
2014 122.241 - 183.736
2015 79.461  - 122.364
2016 34.626 28.731 63.996
2017 34.165 54.270  20.138
2018 15.151 49.491 391
2019  19.928 53.444 40
2020* 4.123 14.190  2
Palio Fire: graças a ele, um carro da Fiat foi campeão de vendas, em 2014.
Palio Fire: graças a ele, um carro da Fiat foi campeão de vendas, em 2014.
Foto: Fiat / Divulgação

Quando foi lançado, a Fiat esperava vender pelo menos 70 mil unidades do Mobi. Tal fato nunca aconteceu. O Mobi só alcançou 77% de sua meta mínima original. Por tudo isso, parece claro que a Fiat matou o Uno e esqueceu de enterrar. Entretanto, existe a possibilidade de reverter essa situação. Segundo o Fiat Plan, que prevê investimentos da FCA em novos produtos de 2020 a 2024, a terceira geração do Uno estrearia ainda este ano. 

Devido à pandemia e à terrível crise econômica provocada por ela, entretanto, é certo que o Fiat Plan terá seu cronograma atrasado. O próprio CEO da FCA, Antonio Filosa, já disse isso em lives na internet recentemente. Se o projeto do novo Uno não for cancelado, a Fiat terá a chance de recuperar a história do carro no Brasil. Por enquanto, mesmo como está, o Uno é uma compra mais interessante do que o Mobi.

  • *Até 26/5.
Guia do Carro
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