Participante negro é barrado no sistema de cotas do Concurso Nacional Unificado e vai à Justiça
Exclusão ocorreu após a etapa de heteroidentificação, procedimento que avalia os traços fenotípicos dos candidatos
Servidor do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e militante do movimento negro, Gustavo Amora precisou recorrer à Justiça após ser barrado de concorrer às vagas reservadas para pessoas negras no Concurso Nacional Unificado (CNU), conforme relatou em postagem nas suas redes sociais.
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A exclusão ocorreu após a etapa de heteroidentificação, procedimento que avalia os traços fenotípicos dos candidatos autodeclarados pretos ou pardos para evitar fraudes no sistema de cotas.
Classificado nas provas objetiva e discursiva, Gustavo havia se inscrito para disputar uma vaga de especialista em políticas públicas e gestão governamental e auditor fiscal do trabalho. No entanto, após ser submetido ao processo de heteroidentificação, foi considerado "não enquadrado" pela comissão responsável.
Diante dessa decisão, o servidor apresentou um recurso administrativo na plataforma da Fundação Cesgranrio, organizadora do concurso, mas recebeu novamente a negativa, com a mesma justificativa.
Na postagem que detalha o caso, compartilhada no feed de Gustavo e de um colega, o amigo destaca que o servidor já "apoiou várias pautas importantes da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, incluindo a aprovação das cotas para negros e estudantes de escolas públicas nas universidades".
"Como pode uma pessoa que teve uma atuação crucial na militância agora ser desqualificada por essa banca? O Concurso Nacional Unificado surgiu como um veículo de democratização do acesso ao serviço público, e não mais uma forma de exclusão da população negra desse país", questionou o amigo na publicação feita no Instagram.
Atualmente, Gustavo segue concorrendo pela ampla concorrência, enquanto tenta reverter a decisão judicialmente. Com o apoio de advogados, ele solicitou uma liminar para ser reintegrado ao sistema de cotas, mas teve o pedido negado em primeira instância pela Justiça Federal. Agora, sua defesa pretende recorrer ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, segundo informações do jornal O Globo.
Em nota, o Ministério da Gestão e da Inovação (MGI) informou que as Comissões de Heteroidentificação do CPNU foram organizadas pela Fundação Cesgranrio, banca responsável pelo concurso, e que todos os procedimentos adotados seguiram as normas legais aplicáveis.
Confira o posicionamento na íntegra:
"O Ministério da Gestão e da Inovação (MGI) informa que as Comissões de Heteroidentificação do CPNU são organizadas pela Fundação Cesgranrio, banca responsável pelo certame. Todo o procedimento seguiu o regramento legal pertinente, descrito no item 3.4 e subitens dos editais, que estabelecem que os candidatos que desejam concorrer às vagas reservadas a pessoas negras devem passar pelo procedimento de heteroidentificação, conforme previsto na Portaria Normativa MPDG n° 4/2018 e na Instrução Normativa MGI n° 23/2023.
Esses normativos seguem o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconhece que as bancas de heteroidentificação são parte essencial do processo seletivo (conforme entendimento do da ADC/STF 41/2017 referente a Lei de Cotas (Lei n.º 12.711/2012).
Assim, de acordo com a Instrução Normativa MGI n° 23/2023, as Comissões de Heteroidentificação do CPNU utilizam exclusivamente o critério fenotípico para aferição da condição declarada pelo candidato de pessoa negra (preta ou parda), não sendo aceitos registros, declarações ou documentos, seja do próprio candidato ou de ancestrais, como aptos a comprovar o direito à cota.
Os procedimentos de heteroidentificação estão sendo realizados nas 228 cidades onde ocorreu a aplicação de realização do CPNU. A Comissão de Heteroidentificação é composta por cinco integrantes e seus suplentes, garantida a diversidade em sua composição. Por sua vez, os recursos às decisões das Comissões de Heteroidentificação são analisados por uma Comissão Recursal composta por três membros distintos dos membros da Comissão de Heteroidentificação. Os recursos são avaliados pela Comissão Recursal considerando a filmagem do procedimento de heteroidentificação, o conteúdo do recurso elaborado pelo candidato e o parecer emitido pela comissão de banca de heteroidentificação.
A Comissão de Heteroidentificação deverá ser composta por cinco membros e seus suplentes, garantindo a diversidade das pessoas que a integram quanto ao gênero, à cor e, sempre que possível, à origem regional. A Comissão deverá ser composta por pessoas de reputação ilibada; residentes no Brasil; que tenham participado de oficina ou curso sobre a temática da promoção da igualdade racial e do enfrentamento ao racismo; e preferencialmente experientes na temática da promoção da igualdade racial e do enfrentamento ao racismo.
Os cargos e currículos de todos os membros estão disponíveis no link: https://www.gov.br/gestao/pt-br/concursonacional/composicao-das-comissoes-de-heteroidentificacao-de-verificacao-documental-dos-indigenas-e-comites-recursais/.
Vale destacar que a IN 23, mantem resguardado o sigilo dos nomes das pessoas que integram a comissão de heteroidentificação, podendo ser disponibilizados aos órgãos de controle interno e externo, se requeridos.
Conforme IN 23, as Comissões de Heteroidentificação do CPNU utilizam exclusivamente o critério fenotípico para aferição da condição declarada pelo candidato de pessoa negra (preta ou parda). Ainda conforme Edital do CPNU, teor do parecer motivado da Comissão de Heteroidentificação será de acesso restrito, seguindo o disposto na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (art. 31 da Lei nº 12.527, de 18/11/2011)."
O Terra entrou em contato com a Fundação Cesgranrio, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto para manifestações.