O sequestrador que desapareceu de avião em pleno voo com resgate em um dos maiores mistérios criminais dos EUA
Em 1971, passageiro que se identificou como Dan Cooper sequestrou avião que viajava de Portland para Seattle e desapareceu com resgate — literalmente — em pleno ar; em um podcast da série 'Que História!', copiloto do voo conta como foi.
Que fim levou D.B. Cooper? Quem era ele? Até hoje, especula-se nos Estados Unidos sobre a identidade do autor de um crime cometido há 48 anos.
O FBI passou mais de três décadas tentando encontrar o criminoso, que sequestrou um avião em 1971, e só desistiu em 2016, quando encerrou o caso.
Trata-se de um dos maiores mistérios da história criminal americana. Levando em uma mochila o equivalente hoje a mais de US$ 1 milhão (R$ 4 milhões), o sequestrador saltou de paraquedas do avião e desapareceu — literalmente — em pleno ar.
Apesar de inúmeras buscas realizadas pela polícia, pelo FBI e investigadores amadores em uma vasta região no noroeste americano, ele nunca foi encontrado ou identificado. O caso de D.B. Cooper, uma corruptela do nome falso utilizado pelo sequestrador, inspirou inúmeros artigos, livros, músicas, filmes e conversas de bar.
Pouco conhecido no Brasil, o caso é recontado em um podcast da série Que História!, da BBC News Brasil.
'Tenho uma bomba'
No fim da manhã de 24 de novembro de 1971 no aeroporto de Portland, no Estado de Oregon, na costa do Pacífico, um homem de quarenta e poucos anos, bem vestido, terno escuro, de mocassim e levando uma pasta preta, se aproximou do balcão da Northwest Orient Airlines e comprou uma passagem para Seattle.
Ele se apresentou como Dan Cooper e pôs, no balcão, uma nota de US$ 20, o preço da passagem para o voo de 50 minutos, tipo ponte aérea, ligando as duas maiores cidades do noroeste dos Estados Unidos.
Era por volta de 15h quando o avião decolou. Sentado na parte de trás do Boeing 727, Dan Cooper tinha acabado de passar uma nota para a aeromoça que estava sentada mais perto, Florence Shaffner.
Ela achou que o bilhete era uma tentativa de cantada, provavelmente com um número de telefone, e pôs a nota na bolsa. Cooper, entretanto, se aproximou dela, e alertou em voz baixa: "É melhor você ler essa nota agora, eu tenho uma bomba".
Em entrevista ao programa Witness History, da BBC, o copiloto do voo, Bill Rataczak, contou que o pouco após a decolagem, Schaffner entrou na cabine e colocou a nota no console, entre os dois pilotos.
"A nota dizia, 'vocês estão sendo sequestrados, nada de bobagens, eu quero US$ 200 mil numa mochila e quatro paraquedas'."
O passageiro chegou a abrir a pasta parcialmente para a aeromoça, que disse ter visto oito bastões ligados por fios ao que parecia ser uma bateria.
"A gente presumiu que deviam ser bastões de dinamite", diz Rataczak. "Uma outra aeromoça, Tina Mucklow, teve de ficar sentada ao lado dele durante o voo. Ele ficava sempre com uma mão dentro da pasta, indicando estar pronto para acionar a bomba."
Os demais passageiros não sabiam do que estava acontecendo. Na cabine, os pilotos avisaram a torre de comando em Seattle que o avião estava sendo sequestrado e que o sequestrador pedia US$ 200 mil dólares em notas de 20, quatro paraquedas e um caminhão cheio de combustível na pista de pouso.
Para não criar pânico e dar tempo às autoridades para juntar o dinheiro e os paraquedas, a tripulação avisou aos outros 36 passageiros que o pouso em Seattle seria adiado por problemas técnicos.
Um pouco mais tarde, o presidente da Northwest Orient autorizou o pagamento do resgate e pediu cooperação total dos funcionários com as demandas do sequestrador.
Este disse, então, à tripulação que liberaria os passageiros no aeroporto de Seattle depois de receber o dinheiro. O plano, então, seria seguir com o avião, levando os pilotos e parte da tripulação, para outra localidade que seria informada assim que a aeronave fosse reabastecida.
Para o copiloto, Bill Rataczak, a demanda pelos quatro paraquedas era um sinal de que o sequestrador "não era bobo": "Quando faz um pedido por quatro paraquedas, dá a entender que poderiam ser para membros da tripulação. Assim ele sabe que os quatro estariam funcionando, que não receberia um paraquedas adulterado".
Tensão na pista
Às 17h30, o avião pousou no aeroporto de Seattle e estacionou em um lugar distante na pista de pouso com as persianas das janelas abaixadas, o que impossibilitava a ação de atiradores da polícia.
O avião começou a ser reabastecido, enquanto a aeromoça Tina Mucklow cumpria a tarefa de trazer, em várias idas e vindas, os paraquedas e o dinheiro: 10 mil notas de US$ 20 dentro de uma mochila.
Os passageiros foram liberados sem se dar conta do sequestro. Ficaram no avião cinco pessoas: o piloto, o copiloto, o engenheiro de voo, a aeromoça Tina Mucklow e o sequestrador. Este então anunciou que o avião voaria em baixa altitude até o México.
Às 19h40, exatamente duas horas e 10 minutos após ter pousado em Seattle, o avião decolou.
Rataczak já suspeitava que o sequestrador planejava saltar do avião, tirando proveito de uma característica única do Boeing 727, a escada ventral traseira, que descia debaixo da cauda.
"Tina estava na área dos passageiros com Dan Cooper — foi obrigada a sentar ao lado dele. Mas logo após a decolagem, ela veio para o cockpit, e ficou conosco. Ele queria ficar sozinho, com a porta trancada entre as cabines. Pouco depois, recebemos uma chamada pelo interfone. Era ele dizendo que não conseguia baixar a escada do avião."
Os pilotos desconfiaram que a escada não estava descendo por causa do vento, e reduziram, então, a velocidade do avião. Ratczak voltou ao interfone e avisou o sequestrador para "tentar de novo".
"Eu senti as escadas descerem. O avião deu uma sacolejada e nesse momento avisei o controle de tráfego aéreo que Dan Cooper podia ter deixado o avião e que era para eles marcarem a posição no radar. Isso poderia ajudar a encontrar o lugar em que ele desceu de paraquedas."
O avião aterrissou sem maiores problemas, apesar da escada baixada, na cidade de Reno, no Estado de Nevada. A polícia imediatamente cercou o avião e fez uma intensa busca nas redondezas, pois achou, em um primeiro momento, que o sequestrador pudesse ter saltado da escada ainda na pista de pouso.
Mais tarde, depois de interrogar a tripulação e examinar o avião, é que as autoridades aceitaram que o sequestrador tinha pulado de paraquedas, na noite fria e chuvosa, em algum ponto da rota entre Seattle e Reno.
A longa caçada
O sequestro deu início a uma das mais intensas e longas caçadas já feitas pelas autoridades nos Estados Unidos. Um dos primeiros suspeitos foi um homem do Estado de Oregon identificado em uma ficha na polícia como D.B. Cooper. Ele foi contatado pela polícia e inocentado, mas um repórter confundiu o nome deste com as iniciais do nome usado pelo sequestrador. O erro acabou sendo republicado por agências locais, e, assim, o sequestrador entrou para a história como D.B. Cooper.
No avião, foram encontrados dois paraquedas, uma gravata e 66 impressões digitais de pessoas não identificadas — que não levaram a lugar algum. As aeromoças e outras testemunhas o descreveram como um homem provavelmente de boa formação, gentil, extremamente calmo e que parecia saber exatamente o que estava fazendo.
Um retrato falado circulou pelo país inteiro, mas ajudou pouco pela cara comum do sequestrador. Soldados do Exército, agentes do FBI e policiais de vários condados realizaram expedições em uma ampla região no sudeste do Estado de Washington e norte de Oregon, estabelecida como possível local de pouso. Sem sucesso.
O caso ficou tão famoso que inúmeros grupos formados por investigadores amadores realizaram buscas por conta própria.
Outra linha de investigação seguiu o dinheiro. O FBI distribuiu a cassinos, hipódromos e instituições financeiras nos Estados Unidos e outros países, uma lista com os números de série das 10 mil cédulas de US$ 20 entregues a D.B. Cooper. Ainda em 1972, essa lista foi divulgada em jornais, alguns prometendo recompensa para o primeiro que aparecesse com alguma das notas. Mas nenhuma das cédulas apresentadas era verdadeira.
Os únicos rastros
As duas únicas evidências ligadas oficialmente ao caso surgiram mais tarde. Em fevereiro de 1978, ou seja, sete anos após o sequestro, um caçador encontrou, perto de uma pequena estrada na floresta, na rota do voo, um manual de instruções sobre como baixar a escada de um Boeing 727.
Em 1980, um garoto de 8 anos, acampando de férias com sua família, encontrou, semienterrados na margem de um rio, três pacotes de dinheiro. Dois pacotes tinham 100 cédulas de US$ 20, e o terceiro, 90 cédulas. As notas estavam bastante desgastadas, mas o FBI confirmou que elas faziam parte do resgate entregue a D.B. Cooper.
Essas duas descobertas, o manual e as 290 cédulas, foram os únicos rastros do sequestrador encontrados fora do avião. Mais tarde, nos anos 2000, o FBI revelou ter encontrado vestígios de DNA na gravata. Mas o material genético era inconclusivo.
Mais de mil suspeitos foram avaliados pelo FBI entre 1971 e 2016, quando a agência finalmente desistiu e suspendeu a investigação, mais de quatro décadas depois do sequestro.
Muitos chegaram a 'confessar' em busca de fama, mas as autoridades nunca encontraram provas que pudessem incriminar suspeitos.
Alguns dos investigadores mais graduados do FBI estão convencidos de que o homem que se identificou como Dan Cooper morreu ao pular do avião. Eles dizem que as condições eram muito desfavoráveis por conta da chuva e das trovoadas.
O grande problema é que nunca se encontrou um corpo.
Quem era ele?
Ao longo dos anos, surgiram inúmeras teorias sobre a identidade de D.B. Cooper. Alguns detalhes baseados nos testemunhos da tripulação indicam que ele conhecia bem a região em torno de Seattle — quando o avião circulava sobre os arredores de Seattle, ele reconheceu, olhando pela janela, a cidade de Tacoma e indicou saber exatamente a localização de uma base da Força Aérea na região.
Outras evidências indicam que ele tinha conhecimento de técnicas de voo e o funcionamento de aeronaves, o que levou investigadores a considerar que ele teria sido uma veterano da Força Aérea com experiência em paraquedismo. A escolha do nome falso também inspirou a teoria de que poderia ser um militar canadense, ou um militar americano que fora estacionado na Europa ou em algum país francófono.
Dan Cooper era o nome de uma história em quadrinhos belga surgida nos anos 50, sobre um piloto canadense. A HQ nunca tinha sido publicada nos EUA, mas era conhecida na Europa e no Canadá.
Pela ousadia de seu plano, pelo comportamento de gentlemen e por nunca ter sido encontrado ou identificado, D.B. Cooper virou uma espécie de fora-da-lei cult. Inspirou inúmeros artigos, livros, canções e filmes; o personagem é citado ou aparece em série de TV, como The Blackist, Prison Break e Numb3rs; o nome do personagem principal da influente série Twin Peaks, dos anos 80, é Dale Bartholomew Cooper.
Sua fama também é explorada por restaurantes e boliches no noroeste dos EUA, que promovem eventos temáticos e vendem suvenires ligados ao caso.
Todo quarto sábado de novembro, a cidade de Ariel, no Estado de Washington, celebra os D.B. Cooper Days (no plural, apesar de durar apenas um dia) em um loja/taverna (Ariel Store and Tavern), lugar onde o FBI montou uma sede temporária em 1971 quando fazia buscas pelo sequestrador. Acreditava-se, na época, que ele teria pousado de paraquedas perto do lago Merwin, poucas milhas a sudoeste de Ariel — que fica a 240 km de Seattle e 65 km de Portland. A taverna serve comida e cerveja durante o dia e a noite aos visitantes, muitos deles "fantasiados" de D.B. Cooper.
Mas ele também inspirou outros sequestros semelhantes nos EUA — em 1972, foram 15 casos, todos fracassados, em que os sequestradores exigiram paraquedas.
Após o caso de D.B. Cooper, a aviação comercial americana começou a introduzir medidas para monitorar o que passageiros estavam levando para o avião.
O caso inspirou também a introdução de um novo dispositivo de segurança nos Boeings 727, a Cooper vane, uma presilha externa que impede que a escada ventral traseira possa ser baixada durante um voo.