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O bom, o belo e o verdadeiro

Produzir beleza pode ser parte de um propósito para que ela esteja mais presente em 2021, sem as dores de 2020, por pura alegria e gratidão de vê-la tomar forma e se apresentar ao mundo

3 jan 2021 - 03h10
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Primeiro domingo do ano de 2021 e minha vontade, minha meta, era tentar trazer a beleza para esta página. Começar o ano com o belo seria uma boa forma de nos confortar depois de um 2020 associado a tanta dor. Pensei na beleza, mas não a beleza como uma qualidade superficial ou fútil, e sim como a revelada por Platão, misturada, fundida com a ética e com valores morais. E, a partir dessa meta, surgiu uma história que se transformou em crônica.

Desde a adolescência, tenho uma tese escondida e escolhida para ser revelada nesta coluna sabe-se lá por quais motivos. Um deles pode ser a intuição de que, no primeiro domingo do ano, pouquíssimos irão ler minha página e sairei ilesa do que escreverei. Bem, a teoria em questão me fez pensar, lá nos meus 15 anos, sobre a beleza estética como um presente, algo recebido sem merecimento algum. Presente entende-se como algo diferente de prêmio. Um pode ser aleatório, o outro teve esforço e merecimento. Na minha tese da beleza como presente, quem a recebe deveria entender que ganhou algo gratuitamente e, a partir dessa consciência, se comportar à altura do presente, devolvendo a beleza ao mundo em constante esforço de bondade, alegria, verdade. Volto a lembrar de que a tese foi formulada na minha adolescência, quando meu nariz cresceu primeiro que meu rosto e meus peitos menos que todos os outros de todas as meninas do colégio.

Essa beleza, que eu via sempre associada à bondade, tinha o nome de uma colega de classe chamada Alessandra, que andava pelos corredores do colégio fazendo todos suspirarem. A beleza que me fez criar a tese carregava em si a minha total admiração por ela, além de bela, a considerava boa e verdadeira, ou seja, merecedora da beleza que possuía. Platão certamente escolheu uma cabeça juvenil para plantar a semente de sua tríade, formada pelo bom, belo e verdadeiro.

Fui oficialmente apresentada ao conceito do filósofo grego muitos anos depois do colégio e tive um daqueles momentos que Clarice Lispector apelidou, em A Hora da Estrela, de "explosão". São momentos em que você entende, percebe e enxerga algo que até então não era claro, que você só intuía. Entendi que a beleza que eu enxergava e buscava na Alessandra era essa: o conceito de beleza que Platão revelou ao mundo. A beleza como um lugar a ser atingido, uma essência que seria alcançada e, como uma obra, unida pela bondade e verdade.

A partir dessa consciência, passei a ser mais dura no meu julgamento com quem recebe o presente da beleza e não reflete essa mesma imagem no mundo exterior com atitudes dignas. Fiquei também mais dura e menos suscetível a ela. A beleza parou de me emocionar por si só. Foi preciso enxergar nas entrelinhas e vislumbrar a beleza nas ações diárias para que ela me tocasse. A partir desse ponto de reflexão, posso dizer que a beleza não se tornou mais tão escassa quanto era no colégio, em que a detentora era uma só menina. A beleza passou a estar mais presente na minha vida.

Em 2020, quando a beleza parecia ter fugido do planeta Terra, tivemos a oportunidade de vê-la através de máscaras em profissionais de saúde, coletores de lixo, mulheres grávidas, professores e alunos. Tivemos beleza abundante em assistentes sociais e ativistas ambientais, em quem lutou pela própria vida e respeitou a do próximo. Produzir beleza pode ser parte de um propósito para que ela esteja mais presente em 2021, sem as dores de 2020, por pura alegria e gratidão de vê-la tomar forma e se apresentar ao mundo. Feliz, lindo, bom e verdadeiro 2021.

ALICE FERRAZ É ESPECIALISTA EM MARKETING DE INFLUÊNCIA E ESCRITORA, AUTORA DE 'MODA À BRASILEIRA'

Estadão
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