Refúgio de crocodilos: como projeto bilionário virou cidade-fantasma na Malásia
Apesar da perspectiva de uma cidade futurista, com moradias de alto padrão e espaços de lazer diversificados, o cenário atual na Malásia é bastante diferente do que se previu. Passados quase dez anos do início das obras, Forest City permanece praticamente vazia
Em 2016, a Malásia recebeu um dos projetos urbanísticos mais ambiciosos do Sudeste Asiático: o Forest City. Apresentada como uma proposta inovadora de cidade ecológica à beira-mar, com tecnologias avançadas e foco em sustentabilidade, a iniciativa chamou atenção pelo volume de investimento e pelas promessas de qualidade de vida. Assim, o empreendimento, com apoio de uma grande incorporadora da China, deveria ser o lar de até 1 milhão de pessoas. Pela projeção, iria oferecer áreas verdes, centros comerciais, parques e outras facilidades modernas.
Apesar da perspectiva de uma cidade futurista, com moradias de alto padrão e espaços de lazer diversificados, o cenário atual é bastante diferente do que se previu. Passados quase dez anos do início das obras, Forest City permanece praticamente vazia. O local tem apenas 1% de ocupação e uma paisagem urbana marcada por edifícios inacabados e infraestrutura subutilizada. Ademais, grandes piscinas do complexo, que seriam ponto de lazer, agora servem de refúgio para crocodilos, símbolo claro do abandono e da falta de manutenção do local.
Como Forest City foi planejada para revolucionar o conceito de cidades sustentáveis?
O conceito de Forest City girava em torno de um desenvolvimento autossuficiente, capaz de unir urbanização e preservação ambiental. O projeto previa uma infraestrutura ecologicamente correta, integrando soluções modernas de construção sustentável, jardins verticais, vias exclusivas para pedestres e transporte baseado em energia limpa. Os prédios luxuosos, localizados numa região costeira estratégica, buscavam atrair investidores internacionais, especialmente chineses, em busca de propriedades além do território continental.
Entre as promessas estavam uma vida cercada por áreas arborizadas, campo de golfe e opções de entretenimento. Além disso, estavam previstos parque aquático, lojas e restaurantes sofisticados. O intuito era transformar Forest City em um polo inovador, referência mundial de moradia ecológica e sustentável. Contudo, as expectativas de inauguração de uma cidade pulsante e moderna não se concretizaram ao longo do tempo.
Quais fatores levaram Forest City a quase virar uma cidade fantasma?
Diversas situações contribuíram para o êxodo de moradores e a baixa procura por imóveis. O alto custo das propriedades se mostrou incompatível com a realidade econômica da população local, afastando compradores da Malásia. Ao mesmo tempo, o público internacional, especialmente os compradores de segunda residência vindos da China, optou por não investir no projeto. A razão foi a distância de grandes cidades e à falta de estrutura urbana consolidada nos arredores.
Além disso, apenas cerca de 15% do projeto foi concluído até 2025, o que aumentou dúvidas quanto à capacidade de finalização da proposta inicial. O acúmulo de dívidas pela incorporadora responsável limitou ainda mais as possibilidades de expansão e manutenção, resultando em lojas fechadas, falta de serviços básicos e sensação de abandono para os poucos residentes que ocuparam os apartamentos.
O que se observa atualmente na área e quais os efeitos desse abandono?
Ao caminhar por Forest City, identifica-se um ambiente marcado pelo silêncio e pela ausência de movimento cotidiano. As ruas e calçadas quase desertas contrastam com o porte monumental dos edifícios construídos. Muitas unidades habitacionais permanecem desocupadas, e diversas lojas estão fechadas ou sequer abriram as portas. Durante a noite, a escuridão domina a região, aumentando a sensação de isolamento e insegurança relatada por antigos moradores.
Outra consequência do abandono é a deterioração de áreas comuns, como as piscinas, que se tornaram habitat de crocodilos, além da proliferação de insetos e plantas invasoras. O cenário atual revela o impacto de um investimento de grande porte mal executado, cujas promessas ficaram distantes da realidade vivenciada na costa sul da Malásia.
Há perspectivas para o futuro do Forest City?
Ainda que parte das obras esteja parada e a ocupação permaneça irrisória, discussões sobre alternativas para revitalizar o empreendimento seguem em pauta. Possíveis soluções incluem renegociar dívidas, adaptar valores de imóveis à realidade local e investir em melhorias estruturais para atrair moradores e visitantes. No entanto, enquanto planos concretos não saem do papel, Forest City segue como um exemplo emblemático das dificuldades em conciliar grandes expectativas imobiliárias, planejamento urbano e fatores econômicos.
Forest City tornou-se um marco de reflexões sobre o desenvolvimento urbano contemporâneo, mostrando os desafios enfrentados por projetos de megaempreendimentos e os riscos de apostar em soluções que desconsideram as dinâmicas e necessidades reais da região onde são implantados.