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Os motivos que podem ter levado Trump a pedir adiamento das eleições

Chances de mudança na data do pleito, no entanto, são consideradas próximas de zero porque dependeriam de mudança de lei em vigor desde 1845.

30 jul 2020 - 20h16
(atualizado às 20h40)
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Em um tuíte, Trump sugeriu que o atual sistema de votação poderia levar a fraudes e resultados deturpados
Em um tuíte, Trump sugeriu que o atual sistema de votação poderia levar a fraudes e resultados deturpados
Foto: EPA / BBC News Brasil

Minutos depois de os Estados Unidos anunciarem o pior resultado de seu Produto Interno Bruto (PIB) na história, com uma queda de 32,9% em termos anuais, o presidente Donald Trump foi ao Twitter. Sua mensagem, no entanto, não era sobre o tombo da economia. Em vez disso, ele questionou se a eleição presidencial, que acontece em menos de 100 dias, deveria ser adiada.

"Com a votação universal por correio, 2020 será a eleição mais imprecisa e fraudulenta da história. Será um grande constrangimento para os Estados Unidos. Adiar a eleição até que as pessoas possam votar de maneira adequada, segura e protegida???", postou o presidente.

É a primeira vez que o republicano, que concorre à eleição, menciona a possibilidade. A sugestão vem no momento em que seu rival, o democrata Joe Biden, abre vantagem de dois dígitos sobre ele nas pesquisas nacionais. Biden também surge à frente em Estados-chave na disputa marcada para o dia 3 de novembro — e nos quais Trump venceu em 2016 — como Flórida e Michigan. Na mesma semana, os Estados Unidos cruzaram a histórica marca de 150 mil mortos na pandemia de coronavírus.

"Trump tem três motivos pra sugerir esse adiamento agora: PIB, PIB e PIB", afirmou Michael Cornfield, professor de gestão política da Universidade George Washington.

A aposta que se provou arriscada

O resultado da economia é especialmente dramático porque comprova a falha no cálculo político do presidente, afirmam os analistas políticos. Até fevereiro de 2020, os americanos completavam o décimo ano seguido de crescimento econômico e viviam uma condição de pleno emprego. A pandemia de coronavírus demoliu esse cenário — e também o discurso da estabilidade e progresso que Trump se preparava para empunhar nas eleições.

Diante da recessão e do caos na saúde pública, sobrou para Trump a tentativa de se colocar como o presidente que retomou a economia após o choque pandêmico. Foi por isso que, a partir de maio, ele passou a pressionar os governadores para afrouxar medidas de isolamento e aquecer os mercados.

A redução no distanciamento social, no entanto, é apontada pelos especialistas como a responsável pela inflexão da curva de contaminação americana, que chegou a embicar para baixo até meados de junho, mas não sustentou a tendência. Pelo menos 40 dos 50 Estados americanos já registram nova alta dos casos, que é mais severa do que o primeiro pico: há 3 semanas, os Estados Unidos têm mais de 50 mil novos diagnósticos de covid-19 por dia.

"A economia não vai melhorar e a pandemia não vai desaparecer. Sobrou para Trump fazer o que ele faz sempre: provocar e criar distrações em relação a notícias que são muito ruins para ele", afirma o cientista político Michael Traugott, especialista em eleições da Universidade de Michigan.

Na última semana, diante dos indicativos de que seu plano naufragava, Trump mudou de postura em relação à pandemia — passou a qualificar como ato de "patriotismo" o uso de máscaras, que até então ele rechaçara. Também centrou foco na segurança urbana, cujos números têm piorado nas metrópoles ao redor do país, e optou por enviar tropas federais a cidades onde ainda há protestos contra o racismo, como Portland e Seattle, colocando-se como o fiador da Lei e da Ordem.

O democrata Joe Biden abriu vantagem de dois dígitos sobre Trump nas pesquisas nacionais
O democrata Joe Biden abriu vantagem de dois dígitos sobre Trump nas pesquisas nacionais
Foto: BRENDAN SMIALOWSKI/AFP via Getty Images / BBC News Brasil

Por fim, aqueceu a temperatura da crise geopolítica ao acusar os chineses de tentar hackear a fórmula de vacina contra covid-19 e ordenar que Pequim fechasse seu consulado em Houston, no Texas — ao que os chineses reagiram na mesma proporção, exigindo o fechamento da representação americana em Chengdu.

Os cientistas políticos, no entanto, são céticos sobre o potencial desse novo discurso para reverter a aparente situação de desvantagem de Trump na disputa eleitoral.

"Trump precisa de uma cura milagrosa ou de um tratamento eficaz até outubro para ter uma chance de ganhar. E isso não virá da hidroxicloroquina ou do DNA alienígena", afirmou Cornfield, fazendo referência ao ressurgimento da defesa do remédio antimalária no discurso do presidente.

Nos últimos dias, Trump voltou a citar que acredita na efetividade da hidroxicloroquina contra a covid-19, embora até agora a ciência o desminta, e usou o vídeo de uma médica para apoiar essa afirmação. Entre outras coisas, essa médica afirma que terapias são feitas a partir de material genético alienígena.

Corrida contra o tempo

Na mesma mensagem em que sugere o adiamento das eleições, Trump ataca a possibilidade de que toda a votação seja feita via correio. De acordo com o presidente, o voto por carta poderia ser "fraudulento". Além do presidente, o procurador-geral William Barr também tem ido à televisão afirmar que o voto por correio seria uma porta aberta para interferência estrangeira nos resultados, um dos temas mais sensíveis no processo democrático americano desde que a Rússia foi acusada de influenciar os resultados em 2016.

"No momento, um país estrangeiro poderia imprimir dezenas de milhares de cédulas falsas, e (seria) muito difícil para nós detectar qual era a certa e qual era a cédula errada", afirmou Barr à Fox News há pouco mais de um mês.

O sistema, no entanto, é relativamente bem conhecido pelos eleitores americanos. Cinco estados, incluindo o republicano Utah, já converteram todas as votações ao modelo via correio. Outros estados possuem a opção de voto por carta ou em seção eleitoral. Em 2018, o próprio Trump votou por correio, de acordo com o jornal Washington Post.

Funciona assim: o eleitor recebe a cédula e dois envelopes. No primeiro, em branco, ele deposita o voto. No segundo, coloca o envelope com o voto e assina seu nome, conforme os registros oficiais. Daí remete tudo ao correio. Todos os envelopes só são abertos se a assinatura conferir. O segundo envelope é aberto e depositado em uma urna, sem que possa ser manuseado por pessoas.

"Todos os estudos mostram que praticamente não temos fraudes em eleições americanas. É um índice realmente próximo de zero, então dizer que o sistema é inseguro ou arriscado não corresponde com a realidade", afirmou Traugott.

Segundo o pesquisador, no entanto, o sistema por carta é mais caro e demandante em termos organizacionais. Isso porque as cartas podem ser enviadas com antecedência, não apenas no dia da eleição. E cabe às autoridades locais garantir a logística de segurança desses votos, de conferência e de contagem. Os votos só podem ser abertos após o término do período de votação no dia 3 de novembro, não importa quando eles foram enviados.

Mas os americanos têm visto um crescimento significativo do voto adiantado e pelo correio. Em 2016, cerca de 40% dos votos para presidente foram coletados dessa maneira, antes do dia da eleição.

"Esse ano, a expectativa é que mais de 50% dos votos sejam enviados mais cedo. A partir de setembro, o fluxo deve ser grande, mas os republicanos não estão liberando o dinheiro necessário para que as autoridades locais organizem a votação da melhor maneira, numa tentativa de forçar uma dificuldade e levar a mais questionamentos do processo", afirma Traugott, referindo-se a uma negociação que se arrasta há meses no Congresso americano sobre liberação de verba extra para financiar o pleito.

Segundo os analistas, o fato de que uma parte significativa do eleitorado deve firmar seu voto final dentro de um mês é outro fator a pressionar o presidente Trump. Se, em teoria, ele teria mais 90 dias para convencer os americanos a mantê-lo na Casa Branca por mais quatro anos, a universalização do voto por correio pode fazer com que ainda mais eleitores adiantem sua decisão, em um momento de baixa para o presidente.

Chance próxima de zero

Traugott destaca que, apesar de ser apenas um 'blefe', comentário de Trump causa efeitos nocivos à maior democracia do mundo ao jogar dúvidas sobre o processo de escolha de seu principal representante
Traugott destaca que, apesar de ser apenas um 'blefe', comentário de Trump causa efeitos nocivos à maior democracia do mundo ao jogar dúvidas sobre o processo de escolha de seu principal representante
Foto: AFP / BBC News Brasil

Apesar do barulho causado pelas palavras de Trump, os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil foram unânimes em garantir que a chance de um adiamento da eleição é próxima a zero.

Isso porque a data da eleição é definida na legislação americana desde 1845. A lei diz que o pleito deve ocorrer na primeira terça-feira após a primeira segunda-feira do mês de novembro para todos os Estados. Nem mesmo durante a guerra civil americana, o conflito armado que mais matou pessoas nos Estados Unidos, as eleições presidenciais foram suspensas. Para alterar a data agora, a lei teria que ser mudada pelo Congresso, assinada por Trump e depois sobreviver a contestações na Justiça.

Nem mesmo os republicanos se manifestaram publicamente a favor da ideia, o que aumenta a possibilidade de que o tuíte de Trump seja definitivamente apenas um tuíte. Nas redes sociais, o governador de New Hampshire, o republicano Chris Sununu, afastou a ideia.

"Não se enganem: as eleições acontecerão em New Hampshire em 3 de novembro. Fim de papo. Nosso sistema de votação em New Hampshire é seguro e confiável. Fizemos isso corretamente 100% do tempo por 100 anos — este ano não será diferente", disse Sununu.

Para Traugott o comentário de Trump é apenas um "blefe". Ainda assim, segundo ele, causa efeitos nocivos à maior democracia do mundo ao jogar dúvidas sobre o processo de escolha de seu principal representante.

"O comportamento do presidente tem mostrado pouco respeito aos ritos democráticos. Um dos mais importantes é o reconhecimento de uma eventual derrota e a transferência do poder. Se o resultado for apertado para Biden, acredito que Trump não vá reconhecer até o dia da posse", afirma o cientista político.

Cornfield concorda com a avaliação do colega.

"Claro que pode haver problemas em meio à desinformação e novidades no processo. Mas as eleições vão acontecer, e serão garantidas pelas instituições caso o presidente insista em um inflamatório, diversionista e ditatorial movimento como esse. Apesar de estar sob severo estresse, esse país ainda é uma república democrática".

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