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Expulsões após envenenamento no Reino Unido geram debate: o que separa um diplomata de um espião?

Especialista em segurança explica zona cinza entre ações oficiais e informais em embaixadas; espiões podem atuar travestidos de diplomatas, usando seus cargos em representações oficiais como fachada para executar missões obscuras e até mesmo secretas.

28 mar 2018 - 09h07
(atualizado às 09h22)
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Espiões podem atuar travestidos de diplomatas, usando seus cargos em representações oficiais como fachada para executar missões obscuras
Espiões podem atuar travestidos de diplomatas, usando seus cargos em representações oficiais como fachada para executar missões obscuras
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Depois que o Reino Unido acusou a Rússia de envolvimento no envenenamento do ex-espião Serguei Skripal e da filha dele, Yuilia, a primeira-ministra britânica decidiu expulsar 23 diplomatas russos argumentando que eles eram "oficiais de inteligência não declarados".

Mais de 25 países decidiram acompanhar a medida. Ao todo, mais de 120 funcionários de embaixadas russas estão sendo convidados deixar países como EUA, Canadá, Austrália, França, Noruega, Ucrânia e outros, boa parte deles da União Europeia.

A expulsão em massa de russos tem gerado discussão sobre a possibilidade de espiões estarem atuando travestidos de diplomatas, ou seja, usando cargos em representações oficiais como fachada para executar missões obscuras e secretas.

"Toda embaixada no mundo tem espiões", diz o professor Athony Glees, diretor do Centro de Segurança e Inteligência da Universidade de Buckingham, no Reino Unido.

Segundo ele, governos normalmente fecham os olhos para o que acontece dentro das embaixadas justamente porque todo país tem espiões trabalhando em suas representações diplomáticas em outras nações. É, de acordo com o professor, uma espécie de acordo tácito.

Mas esse acordo tem um limite - ultrapassado quando se identifica ações claramente ilegais. "É por isso que o envenenamento de Sergei Skripal e da filha dele é um problema", afirma Glees.

Nem todo funcionário de embaixada, obviamente, atua como espião ou comete ilegalidades em outros países. Esses profissionais podem coletar informações, fazer contatos e negociar acordos usando métodos legais, de acordo com regras estabelecidas a partir da Convenção de Viena sobre as relações diplomáticas, de 1961.

Gráfico com número de diplomatas russos expulsos
Gráfico com número de diplomatas russos expulsos
Foto: BBC News Brasil

Em linhas gerais, o trabalho da diplomacia pode ser dividido em três áreas centrais. O governo britânico, por exemplo, descreve essas ações assim, de forma sucinta:

Política - monitorar o desenvolvimento do país onde a embaixada está baseada e representar o Reino Unido no governo e na mídia.

Comercial - ajudar as empresas britânicas a negociar no exterior e a promover o investimento britânico.

Consular - ajudar cidadãos britânicos em outros países e processar pedidos de visto.

Para o professor Athony Gless, quem atua nessas áreas são "diplomatas genuínos".

"Mas algumas pessoas identificadas como diplomatas são, na verdade, oficiais de inteligência. Todo país faz isso", observa.

O professor Anthony Glee afirma que há funcionários de embaixadas que contatam agentes de campo para coleta de informações e executarem missões obscuras
O professor Anthony Glee afirma que há funcionários de embaixadas que contatam agentes de campo para coleta de informações e executarem missões obscuras
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Seriam esses profissionais responsáveis por, secretamente, atuar na área de inteligência e contatar agentes para fazer serviços de espionagem, na avaliação do professor.

"O trabalho atual de espionagem é feito por um agente que pode estar sendo pago, sendo chantageado ou atuando por razões ideológicas. Os oficiais das embaixadas são responsáveis por gerenciar esses agentes. Eles não sujam as próprias mãos", afirma.

O espião envenenado que vendia informações

No caso de Sergei Skripal, o ex-espião envenenado na Inglaterra no início de março, também houve pagamento por informações.

Ele atuava como um agente duplo - foi acusado pelo serviço de segurança russo (conhecido pela sigla FSB) de passar informações classificadas como se fossem segredos de Estado e era pago pelo MI6, o serviço secreto britânico.

Além do Exército, Skripal também trabalhou para o Departamento Central de Inteligência da Rússia (GRU, na sigla em russo) e foi condenado a 13 anos de prisão por ter, segundo os russos, recebido US$ 100 mil do MI6.

Skripal declarou-se culpado e colaborou com a investigação, de acordo com relatórios da época.

Ele chegou a ser preso e a cumprir parte da pena em Moscou. Em 2010, foi perdoado pelo então presidente Dmitry Dedvedev. E, em seguida, liberado com outras três pessoas que também cumpriam pena na Rússia para serem todos trocadas por dez russos que haviam sido presos pelo FBI, a polícia federal americana.

Depois que o ex-espião duplo foi encontrado desacordado em um banco de um centro comercial no interior da Inglaterra, ao lado da filha, e descobriu-se que os dois haviam sido envenenados por um agente químico, o Reino Unido decidiu se voltar contra diplomatas russos.

A primeira-ministra Theresa May deixou claro que acredita que o ataque foi uma ação de espiões, e a Rússia reagiu à expulsão de seus diplomatas também mandando agentes britânicos embora de seu território.

Os russos acusam o serviço secreto britânico, o MI6 (foto), de ter pago US$ 100 mil a Sergei Skripal por informações
Os russos acusam o serviço secreto britânico, o MI6 (foto), de ter pago US$ 100 mil a Sergei Skripal por informações
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Diferentes países do mundo endossaram a iniciativa de May e fizeram o mesmo. Espera-se que a Rússia reaja da mesma forma com as nações que decidiram seguir o Reino Unido e expulsar diplomatas russos.

"Eu fico me perguntando se nós estamos mais seguros no Reino Unido por causa dessas expulsões", diz Anthony Gleen, embora avalie que a operação de inteligência russa tenha recebido um duro golpe.

"Mas sempre haverá agentes esperando outra pessoa chegar e guiá-los. Esses nós não vamos capturar", avalia Gleen.

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