Em meio a protestos, França anuncia plano de neutralidade de carbono até 2050 que prevê fim do petróleo e gás
O governo francês divulgou nesta sexta-feira (12) sua estratégia atualizada para atingir a neutralidade de carbono até 2050 - uma meta considerada extremamente ambiciosa, que inclui, entre outros pontos, a eliminação gradual do petróleo e do gás. O anúncio acontece em meio a manifestações de ONGs de defesa do clima em protesto aos avanços limitados do Acordo de Paris.
Essa versão preliminar da terceira Estratégia Nacional de Baixo Carbono (SNBC-3) é publicada na data em que o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas completa 10 anos. O tratado, considerado histórico, fixou as primeiras metas para a redução gradual das emissões globais de gases de efeito estufa. Desde então, a França mantém o compromisso de eliminar gradualmente atividades industriais e fontes de energia que contribuem para o aquecimento global, considerando essa transição compatível com o crescimento econômico.
"Este é, antes de tudo, um plano de recuperação econômica e industrial", afirmou Monique Barbut, ministra da Transição Ecológica, ao jornal Les Échos.
A França, assim como a União Europeia, conta com parceiros que compartilham esses objetivos. No entanto, essa influência parece ter diminuído, como ficou evidente nas negociações internacionais recentes, especialmente na COP30, realizada em novembro em Belém.
Os Estados Unidos - maior produtor mundial de petróleo - continuam apostando na produção de combustíveis fósseis no futuro, apesar dos efeitos nocivos comprovados por estudos científicos. Em setembro, o presidente Donald Trump classificou as mudanças climáticas como "a maior farsa" do mundo durante seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, reforçando o ceticismo em relação a iniciativas ambientais globais e instituições multilaterais.
Já as principais economias emergentes resistem à ideia de incluir a eliminação dos combustíveis fósseis como meta explícita global.
Desafios internos e críticas
Na França, a opinião pública está dividida diante das mudanças radicais de estilo de vida implícitas na meta de "neutralidade de carbono": menos consumo de carne, menos gasolina, menos viagens aéreas e métodos alternativos de aquecimento. Essas recomendações são frequentemente criticadas pela oposição de extrema direita, que as rotula como "ambientalismo punitivo".
"Cuidado, esta estratégia não visa impor mudanças de estilo de vida; ela enfatiza ferramentas que já temos: ampliar o uso de bombas de calor, promover veículos elétricos, etc.", rebateu a ministra da Transição Ecológica. "Nosso objetivo é construir um consenso social em torno da descarbonização acessível", acrescentou Barbut.
Metas ambiciosas e cronograma apertado
Alguns objetivos parecem difíceis de alcançar, dada a proximidade entre eles. A SNBC-3 estabelece a eliminação gradual do petróleo de 2040 a 2045 e o fim da utilização de gás natural em 2050.
Reduzir a dependência das importações de hidrocarbonetos é um objetivo amplamente compartilhado, que deve beneficiar a produção nacional de eletricidade, especialmente a partir de fontes renováveis. A meta é aumentar a participação da eletricidade no consumo energético para 55% até 2050, contra 37% em 2023.
Benoît Leguet, diretor do Instituto de Economia Climática (I4CE), acredita que as medidas caminham na boa direção. "Com eletricidade descarbonizada em abundância, estamos em posição muito favorável para agir, não apenas pelo clima, mas também pela competitividade, independência energética e prosperidade", afirmou Leguet.
Transporte e agricultura no centro da transição
A eletrificação também deve avançar no setor de transportes. O governo francês prevê que 15% dos carros em circulação no país tenham alimentação elétrica até 2030. Até 2050, apenas o transporte aéreo doméstico continuaria emitindo CO₂, segundo a estratégia.
O transporte de cargas deve priorizar os caminhões, trens e barcaças elétricos. Na agricultura, as recomendações incluem mais frutas, verduras e legumes; redução da intensidade de carbono da pecuária, com o retorno de pastagens; e corte de 50% no desperdício de alimentos até 2030, em relação a 2015.
No setor industrial, o foco será na reindustrialização por meio da descarbonização da produção e na mudança dos padrões de consumo, para reduzir a demanda por processos com alta emissão de carbono.
"10 anos de sabotagem climática"
Nesta sexta-feira, ativistas do Greenpeace comandaram um ato na Place de l'Étoile, na capital francesa, em protesto contra o progresso limitado do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, adotado há dez anos.
No fim da manhã, manifestantes, acompanhados por membros de outras organizações ambientais, pintaram o chão de vermelho, alegando que a tinta era feita com "pigmentos naturais".
Os ativistas usaram veículos para bloquear a rotatória da famosa Champs-Élysées e abriram várias faixas perto da rotatória. Uma delas dizia "10 anos de sabotagem climática". Eles se dispersaram com a chegada da polícia, liberando o trânsito no local.
"Precisamos fazer coisas espetaculares que atraiam a atenção de jornalistas, da população e do Estado para que as pessoas falem sobre isso. É um pouco triste, mas é isso que a resistência cidadã representa hoje: encontrar maneiras inovadoras de chamar a atenção para essas questões", explicou à AFP Jason Temaui Man, ativista climático da Polinésia que participou da ação organizada pelo Greenpeace.
Adotado por quase todos os países do mundo na COP21, em 12 de dezembro de 2015, o Acordo de Paris visa manter o aumento da temperatura média global "bem abaixo de 2°C" em comparação com os níveis pré-industriais e tentar limitá-lo a 1,5°C.
No entanto, muitas vozes, incluindo a do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, reconheceram recentemente que a meta de 1,5°C não será atingida em curto prazo. Além disso, a última COP, realizada no Brasil em novembro, concluiu com compromissos modestos, sem mencionar os combustíveis fósseis em suas conclusões.
Com AFP