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Europa

A missão de desenterrar mortos da Segunda Guerra

Mais de 70 anos após fim do conflito mundial, voluntários buscam restos mortais de soldados deixados para trás em trincheiras

10 mai 2019 - 16h53
(atualizado às 17h18)
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O filho de Jutta Höhn só queria abrir um caminho de entrada para a casa da família no vilarejo alemão de Klessin, perto da fronteira polonesa. Mas ao remover uma camada de terra após a outra, ele se deparou com algo inesperado: munição da época da Segunda Guerra Mundial e restos humanos.

A propriedade de Höhn tem agora um grande buraco com crânios, ossos, fragmentos de capacetes e botas de oito soldados claramente visíveis. Nem ela nem o filho esperavam tal descoberta.

Nem sempre é possível identificar os mortos, dizem voluntários de excavação
Nem sempre é possível identificar os mortos, dizem voluntários de excavação
Foto: DW / Deutsche Welle

"Tantos", diz Höhn com um olhar surpreso diante dos restos mortais a céu aberto. "Quem teria imaginado?", acrescenta.

Dentro do poço, vestido de macacão laranja, Werner Schulz, da Associação para a Recuperação dos Caídos na Europa Oriental (VBGO), se debruça sobre os restos mortais, limpando cuidadosamente a terra dos ossos.

Ele é um dos especialistas em escavação do grupo e encarregado de documentar a descoberta. "Estes eram soldados alemães, eu posso dizer por seus capacetes e insígnias", revela Schulz.

Acima do poço, um drone paira no ar, fotografando o local. Não muito tempo depois, a equipe de escavação descobre os restos de mais quatro soldados nas proximidades.

Os voluntários recuperam não apenas as insígnias dos falecidos, mas também suas alianças de casamento e anéis de sinete, que podem ajudar a identificá-los posteriormente.

Dura batalha no fim da Segunda Guerra

Ninguém sabe quantos soldados ainda estão enterrados no no vilarejo de Klessin e em seus arredores. Foi ali, no início de 1945, que o Exército Vermelho atravessou o rio Oder para iniciar seu avanço em direção à capital alemã. A Wehrmacht, as forças armadas da Alemanha nazista, resistiu ferozmente, e os combates duraram semanas.

O vilarejo de Klessin presenciou os confrontos mais pesados. Para exercer pressão, o alto comando da Wehrmacht insistia: "Se Klessin for perdido, Berlim cairá." Soldados alemães cada vez mais desesperados se esconderam no castelo local, mas acabaram se entregando ao Exército Vermelho.

O castelo de Klessin foi reduzido a escombros, e o vilarejo foi destruído. Naqueles tempos tumultuosos, soldados mortos foram deixados para trás em trincheiras e valas, no chão gelado, alguns foram enterrados ao acaso. Hoje, o local onde se encontrava o castelo está coberto de grama e árvores. Os moradores planejam construir um memorial para lembrar os mortos.

Após a guerra, muitos não tiveram mais notícias de seus filhos, pais ou irmãos que foram enviados à região de Oderbruch para impedir o avanço do Exército Vermelho. Mas graças aos voluntários da VBGO, alguns desses parentes sabem agora onde seus entes queridos morreram durante as últimas semanas de guerra.

Em 2009, os voluntários começaram a procurar sistematicamente na região de Oderbruch por restos humanos, com a ajuda de escavadoras, pás e um sensor. Duas vezes por ano, eles passam uma semana desenterrando antigas trincheiras.

"Escavamos intermináveis quilômetros de terra e trincheiras", explica Albrecht Laue, coordenador dos trabalhos de escavação, acrescentando que "até agora, encontramos os restos de 120 soldados alemães e 100 soldados soviéticos".

Relatos de testemunhas e historiadores, bem como fotografias aéreas, podem ajudar a identificar o local onde soldados podem estar enterrados - como foi o caso da propriedade da família Höhn.

Cerca de um ano depois que as armas silenciaram na Segunda Guerra Mundial, um pastor local visitou Klessin e descobriu sepulturas de soldados desconhecidos. Ele escreveu uma carta sobre isso, observando também que o vilarejo havia sido reduzido a escombros e que poderia haver muitas minas não detonadas na área.

Albrecht Laue possui uma cópia da carta do pastor. Segundo Laue, encontrar soldados mortos na guerra é "uma tarefa para os vivos", para que eles possam finalmente tomar conhecimento do destino de seus parentes nos estágios finais da Segunda Guerra Mundial.

A princípio, Laue juntou-se ao grupo para descobrir detalhes sobre o próprio bisavô, que morrera lutando pela Wehrmacht na Rússia. Atualmente, o empresário de 45 anos tornou-se o diretor do grupo, que está conectado com organizações semelhantes em outros países.

Voluntários da Rússia, Polônia e outras nações ajudam regularmente o grupo durante suas escavações. O moscovita Anton Togashov veio de carro até Klessin para ajudar na busca. "Se não fizermos isso, quem fará?", diz o voluntário, acrescentando que essas escavações significam muito para ele.

Laue relatou que, ao longo dos anos, ele e sua organização perceberam que "nosso trabalho é bastante necessário e provavelmente não há ninguém nesta região que possa realizar buscas tão extensas". Sem a dedicação deles e a de inúmeros outros voluntários, os restos de muitos outros mortos de guerra talvez ainda se encontrassem sob o solo da região de Oderbruch.

Identificação dos mortos

Perto do local de escavação em Klessin, foi montada uma barraca onde a voluntária Lara Indra classifica os ossos dos soldados. A antropóloga suíça de 23 anos sacrificou suas férias para ajudar a montar esqueletos e determinar o sexo, a idade aproximada e os ferimentos dos mortos.

Tudo isso pode ajudar a identificar os mortos. "Muitos descendentes dos soldados caídos querem saber o que aconteceu com seus parentes; para mim isso faz sentido e eu gosto de ajudar", diz a antropóloga.

O VBGO documenta todas as suas descobertas e envia um relatório para o Arquivo Nacional em Berlim, que tem listas de todos aqueles que desapareceram na Segunda Guerra Mundial. O órgão informa então às famílias se os restos mortais de seus parentes foram encontrados.

Em sua mais recente missão de escavação em Klessin, voluntários da VBGO encontraram as ossadas de 15 soldados alemães e um russo. Infelizmente, nem sempre é possível identificá-los.

Mesmo assim, todos os restos mortais estão enterrados agora em cemitérios de guerra próximos, para dar aos soldados um lugar de descanso final digno.

Veja também:

Segunda Guerra Mundial - a visão russa da história:
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