Entenda por que o reconhecimento do Estado palestino é um processo simbólico, histórico, mas incerto
A iniciativa de realizar uma conferência para o reconhecimento do Estado da Palestina - liderada pela França e pela Arábia Saudita, com o apoio de dezenas de países - é aplaudida em todo o mundo. No entanto, o processo, de caráter meramente simbólico, não tem efeitos práticos ou imediatos sobre as negociações para o fim da guerra na Faixa de Gaza nem sobre a gestão dos territórios palestinos.
A iniciativa de realizar uma conferência para o reconhecimento do Estado da Palestina - liderada pela França e pela Arábia Saudita, com o apoio de dezenas de países - é aplaudida em todo o mundo. No entanto, o processo, de caráter meramente simbólico, não tem efeitos práticos ou imediatos sobre as negociações para o fim da guerra na Faixa de Gaza nem sobre a gestão dos territórios palestinos.
O movimento é histórico e considerado indispensável por especialistas na questão israelo-palestina, mas suas consequências ainda são incertas. Desde o início do ano, 19 países reconheceram o Estado da Palestina, segundo levantamento da agência AFP, impulsionados pelo conflito em Gaza e pelo avanço dos assentamentos judaicos na Cisjordânia.
O discurso do presidente francês, Emmanuel Macron, na segunda-feira (22), na tribuna da Assembleia Geral da ONU, representou um marco por se tratar de um país membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Foi também a primeira vez que países do grupo das maiores economias mundiais (G7), como França, Reino Unido e Canadá, deram esse passo. Mas o que mudará concretamente para a Palestina?
Dos 193 países-membros das Nações Unidas, mais de 150 reconhecem atualmente o Estado palestino - entre eles, grandes potências como China, Índia e Rússia, além da maioria dos países africanos e sul-americanos, e um número crescente de nações europeias. O objetivo é claro: relançar os esforços em prol de um povo aniquilado após décadas de guerra. No entanto, Israel está determinado a tomar um território que reivindica como seu e conta com o apoio de um forte aliado: os Estados Unidos.
Sem embaixadas
Até o momento, todos os países que anunciaram o reconhecimento da Palestina se limitaram a declarar sua intenção. Nem o Canadá, nem o Reino Unido, nem a Austrália se pronunciaram sobre a abertura de uma embaixada ou sobre a capital palestina. Já a França condiciona a abertura de um serviço diplomático à libertação dos reféns israelenses sequestrados pelo Hamas na Faixa de Gaza. Para Macron, essa é "uma das condições essenciais que defenderemos durante o processo de paz".
O principal objetivo da iniciativa é claro: pressionar Israel para o fim da guerra em Gaza, que já dura quase dois anos e provoca uma situação trágica no enclave palestino, classificada como "genocídio" por diversos líderes e entidades internacionais. Não por acaso a urgência do fim dos combates é mencionada por todas as nações que defendem o Estado da Palestina.
No entanto, apesar da iniciativa da comunidade internacional, muitos especialistas avaliam que não há condições, neste momento, para a formação de um Estado. Boa parte do território palestino é ocupado militarmente ou está em guerra com Israel. A Autoridade Palestina, que administra a Cisjordânia, por exemplo, não governa a Faixa de Gaza, embora seja um interlocutor privilegiado pelos líderes internacionais.
Por isso, o presidente palestino, Mahmoud Abbas, é convocado a reformar sua administração, e promete que "o Hamas não terá nenhum papel no [futuro] governo". O Canadá, por exemplo, sugere "a realização de eleições gerais em 2026, das quais o grupo Hamas não poderá participar".
Desarmamento do grupo Hamas
Outro ponto em aberto é o desmantelamento do grupo Hamas, que governa a Faixa de Gaza desde 2007 e perpetrou os ataques de 7 de outubro de 2023. Essa é uma exigência dos países que apoiam o Estado palestino, como o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, que defende que a organização armada não tenha "nenhum futuro (...), nenhum papel no governo ou na segurança" da Palestina. "O Hamas roubou o povo palestino, privou-o de suas vidas e liberdade, e não pode ditar seu futuro", disse o primeiro-ministro canadense, Mark Carney, no domingo (21).
Desde a sua criação, em 1994, a Autoridade Palestina conta com uma força policial, mas não com um Exército: um modelo que o presidente Mahmoud Abbas promete perpetuar. O líder defende que para garantir a segurança da futura nação, seria necessária uma "proteção internacional", mas os contornos desta força também seguem indefinidos, bem como a capacidade da Palestina de recuperar o arsenal das facções ainda engajadas na luta armada contra a ocupação israelense.
"É isso que é trágico. Quando falamos de um Estado palestino, ninguém imagina um Estado palestino com todos os atributos clássicos e capaz de prejudicar Israel. Todos concordam que um Estado palestino deve ser perfeitamente compatível com a segurança israelense", afirma à RFI o ex-embaixador francês Michel Duclos, consultor especial do Instituto Montaigne.
Represálias do governo israelense
Outro ponto em que esbarram os países defensores da Palestina é a posição clara do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. No domingo, o líder israelense - que atualmente governa com partidos de extrema direita, embora seja oriundo do partido de direita Likud - advertiu nas redes sociais: "não haverá Estado palestino". O premiê ainda garantiu que "continuará erguendo colônias judaicas na Cisjordânia" e ameaçou de represálias todos os países que apoiarem a causa palestina.
Dois de seus ministros, Itamar Ben-Gvir et Bezalel Smotrich, líderes da extrema direita ultranacionalista, defendem a anexação completa da Cisjordânia, um projeto que devem formalizar nesta semana. Cerca de meio milhão de colonos israelenses já vivem neste território palestinos. Diante desse quadro, o secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu que "não nos deixemos intimidar pelo risco de represálias, porque, não importa o que façamos, essas ações continuarão".
Além disso, o processo de integração da Palestina como país-membro da ONU permanece incerto, apesar do crescente número de países que reconhecem sua soberania. Isso porque apenas uma decisão por voto do Conselho de Segurança pode desbloquear o impasse - e os Estados Unidos, principal aliado político e militar de Israel, já sinalizaram que vetarão qualquer avanço nesse sentido.