Maduro usa ameaças dos EUA para reprimir dissidência na Venezuela
Pressão militar dos Estados Unidos é usada pelo ditador venezuelano para ampliar repressão, prender opositores e restringir liberdades civis, aponta ONGs e especialista
O regime de Nicolás Maduro intensifica a repressão na Venezuela utilizando ameaças dos EUA como pretexto, com prisões de opositores, restrições a liberdades civis e acusações de violações de direitos humanos por organizações internacionais.
Enquanto forças americanas cercam a Venezuela, atacam supostos traficantes de drogas e apreendem petroleiros, autoridades locais mobilizam o exército, pedem apoio a aliados e apelam à ONU. Segundo observadores, o ditador, Nicolás Maduro, está se aproveitando para reprimir a dissidência.
"O chavismo usa a pressão dos EUA como pretexto para mobilizar as forças armadas, rotular críticos de 'traidores' e prender dezenas de dissidentes", disse Martina Rapido Ragozzino, pesquisadora da Human Rights Watch. A ONG de direitos humanos disse ter documentado 19 casos em setembro de opositores presos e mantidos incomunicáveis.
Este mês, opositor Alfredo Díaz, ex-governador do Estado de Nueva Esparta, morreu no Helicoide, sede do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin), em Caracas, um ano após ser preso durante tentativa de fugir da Venezuela. Sua família afirma que ele teve atendimento médico negado.
Na terça-feira, a Assembleia Nacional aprovou uma lei que impõe até 20 anos de prisão a qualquer pessoa que "promova, incite, favoreça, facilite, apoie, financie ou participe" da campanha dos EUA para apreender navios que transportam petróleo venezuelano, disse o autor da proposta, Giuseppe Alessandrello.
"A repressão à sociedade civil se intensificou, sufocando as liberdades individuais", disse Volker Türk, alto comissário da ONU para os direitos humanos. "Jornalistas, defensores dos direitos humanos, opositores e até trabalhadores humanitários enfrentam ameaças, assédio e o risco de detenção arbitrária simplesmente por fazerem seu trabalho."
"Os acontecimentos não são surpreendentes", disse o sociólogo David Smilde, da Universidade de Tulane. "Quando existe a ameaça real de uma operação militar, é claro que ela será usada como desculpa." A repressão intensificou a campanha iniciada por Maduro no ano passado.
O ditador reivindicou vitória nas eleições presidenciais de julho de 2024, apesar de auditorias e observadores independentes terem demonstrado sua derrota para o opositor Edmundo González, que teria recebido o dobro de votos. Quando os venezuelanos foram às ruas protestar, milhares foram detidos. O Foro Penal, ONG que monitora o sistema prisional, diz que o regime mantém 905 presos políticos.
Os EUA consideram Maduro ilegítimo desde 2018, após mais uma eleição fraudada. O governo de Donald Trump acusou o chavista de traficar drogas para os EUA. Maduro e vários altos funcionários foram indiciados em um tribunal americano por narcoterrorismo. O Departamentos de Justiça aumentou para US$ 50 milhões a recompensa por informações que levem à captura ou condenação de Maduro.
Trump começou a enviar navios de guerra para o Caribe em agosto. As forças americanas lançaram ataques contra pelo menos 29 embarcações na costa da América do Sul e Central, matando pelo menos 105 pessoas, desde o início de setembro. Em dezembro, a Guarda Costeira dos EUA apreendeu dois petroleiros e tentou capturar um terceiro.
A Casa Branca alega estar combatendo o narcotráfico. Mas Trump declarou repetidamente que os "dias de Maduro estão contados" e disse esta semana que seria "inteligente" se ele renunciasse. Maduro descreveu as apreensões dos petroleiros como atos de pirataria com o objetivo de roubar os recursos naturais da Venezuela.
Na segunda-feira, ele enviou um apelo formal a todos os 193 Estados-membros da ONU, alertando para uma "escalada de agressão grave" por parte dos EUA.
Em reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU, na terça-feira, a pedido da Venezuela, Samuel Moncada, representante venezuelano, acusou os EUA de protagonizar a "maior extorsão conhecida em nossa história". O representante dos EUA, Mike Waltz, respondeu que Maduro era "um fugitivo da Justiça americana e o chefe de uma organização terrorista conhecida como Cartel de Los Soles".
Na quarta-feira, Johany Méndez, de 35 anos, saiu de uma prisão no Estado de Lara com uma pequena sacola de alimentos e produtos de higiene para seu sobrinho. Durante a viagem de uma hora, ela rezou: "Só peço a Deus que ouça nosso clamor e traga meu garoto de volta."
Gabriel José Rodríguez tinha 16 anos, em janeiro, quando foi preso em um hospital de Lara. Ele havia dado entrada para tratar uma febre. "Era a véspera da posse de Maduro, e ele foi levado porque disseram que ele parecia encrenqueiro", disse Johany.
Ao longo do último ano, Gabriel comemorou seu 17.º aniversário e concluiu o ensino médio na prisão. Ele também foi acusado de terrorismo, condenado a 10 anos. Ele é um dos pelo menos cinco adolescentes mantidos presos pela ditadura.
Em Oslo, Jorgen Watne Frydnes, presidente do Comitê Norueguês do Nobel, falou sobre a morte do ex-governador de Nueva Esparta. "Alfredo Díaz foi retirado de um ônibus em novembro e jogado nas profundezas do Helicoide, a maior câmara de tortura da América Latina", disse. "Mais um prisioneiro político, em uma longa fila de outros. Esta semana veio a notícia de sua morte. Mais uma vida perdida. Mais uma vítima do regime."
No último ano, o governo venezuelano prendeu não apenas políticos e ativistas, mas também cidadãos comuns. Marggie Orozco, médica de 65 anos, compartilhou uma mensagem no WhatsApp reclamando da crise política. Ela foi presa e condenada por traição, incitação ao ódio e conspiração. Em novembro, foi sentenciada a 30 anos de cadeia.
Também em novembro, o Comitê para a Liberdade dos Presos Políticos informou que um grupo de homens armados invadiu uma casa em Caracas e prendeu a jovem Samanta Sofía Hernández Castillo, de 16 anos. Quarenta e oito horas depois, sua família soube da prisão de sua irmã, Aranza Hernández Castillo, de 19 anos, em Maracaibo, conforme relatou sua mãe, Ambar Castillo, à CNN . Sofía e Aranza são irmãs do ex-tenente do exército venezuelano Cristian Hernández, acusado de traição, que vive no exílio.
Na terça-feira, do lado de fora do Helicoide, a pequena família de um prisioneiro vestia-se de branco para a visita. "Isto é o mais perto que chego do inferno", disse a mulher do preso, que falou sob condição de anonimato por medo de represálias, como o cancelamento de seu direito de visita ou sua própria prisão.
A mulher e seus dois filhos levaram alguns presentes, que foram examinados pelos guardas. Eram hallacas - pastéis de milho recheados -, um prato natalino da região. "Meus filhos levaram um boneco de madeira, para protegê-lo do mal."
Em agosto, a Human Rights Watch relatou que o Helicoide limitou as entregas de alimentos às famílias às sextas-feiras, "acabando com a distribuição diária de comida e as múltiplas entregas semanais".
"Em outros casos", afirmou o grupo de direitos humanos, "as autoridades permitiram visitas por um período de tempo e depois as negaram arbitrariamente por semanas ou meses". "Honestamente", disse a mulher do prisioneiro, "às vezes, vejo a Justiça com os olhos vendados imagino se existe algum jeito de tirar a venda e ajudá-la a enxergar.