Com "Crise dos Mísseis", URSS ganhou o respeito dos EUA
A União Soviética conseguiu ganhar com a "Crise dos Mísseis" o respeito dos Estados Unidos em plena Guerra Fria, mas essa aventura lhe custou mais tarde o cargo ao chefe do Kremlin, Nikita Kruschev.
"Foi uma pequena vitória política e moral. O triunfo fez com que os EUA aceitassem, a partir de então, o fato irrefutável de que a URSS era uma grande potência nuclear", assegurou à Agência Efe Nikolai Leonov, tenente-general da KGB já aposentado.
Leonov, professor de História que então operava como espião no México, lembra que foi assim que ambos os países começaram a falar pela primeira vez de comparações estratégicas e de pôr um freio à corrida armamentista.
Os historiadores russos asseguram que o que dissipou qualquer dúvida sobre a necessidade de comparecer em ajuda de Fidel Castro foi a "Operação Mangusto", ou seja, os planos de sabotagem da ilha aprovados pelo presidente americano, John F.Kennedy
Quando os dirigentes soviéticos receberam em abril de 1962 um relatório da KGB a respeito, Kruschev teve poucos problemas para receber o apoio do comitê central do Partido Comunista da União Soviética (PCUS).
"A razão número um para estabelecer mísseis na ilha foi a defesa da Revolução Cubana. A baía dos Porcos demonstrou que a URSS não podia defendê-la sem a presença militar na ilha. Em Moscou suspeitavam que em breve se repetiriam as tentativas dos EUA de atacar Cuba", assinalou Leonov.
A URSS tinha se negado durante os primeiros anos da revolução a respaldá-la econômica e militarmente, ao considerar que um regime comunista não poderia sobreviver a apenas cem milhas do litoral americano.
No entanto, Kruschev chegou à conclusão em meados de 1964 que o regime castrista apresentava uma oportunidade não melhorável para que a União Soviética revertesse sua desvantagem estratégica.
A operação "Anadir", a primeira vez que a URSS desdobrava mísseis fora de suas fronteiras, consistia, entre outras coisas, na instalação de foguetes nucleares R-12 (2 mil km) e R-14 (4 mil km), capazes de atingir Washington.
"Kruschev buscava reduzir um pouco a disparidade na correlação de forças nucleares. A URSS contava com poucos mísseis intercontinentais e a presença de foguetes de curto alcance perto do litoral dos EUA corrigia um pouco essa desvantagem. Anos depois se alcançaria a paridade nuclear", assinalou Leonov.
A jogada foi boa, já que Kennedy, em troca da retirada dos mísseis soviéticos de Cuba, ordenou o desmantelamento dos foguetes Júpiter, que os EUA tinham na Turquia e na Itália.
No entanto, Leonov matiza essa vitória estratégica, já que esses 45 mísseis de médio alcance (2.400 quilômetros) que levavam ogivas nucleares e apontavam contra a parte europeia da URSS, não eram a principal ameaça para Moscou.
"Enviar os mísseis a Cuba foi uma aventura de Kruschev. Mas, segundo se desprende dos documentos oficiais, não pensava em usá-los. Simplesmente queria assustar os EUA e obrigá-los a dialogar com a URSS do mesmo ao mesmo", comentou o historiador Aleksandr Fursenko.
Mal sabia o dirigente soviético que seu voluntarismo diplomático em Cuba acabaria lhe custando o cargo dois anos depois, embora ele tenha mantido até o final de seus dias que Moscou saiu ganhando com a crise.
O embate dos mísseis lançado por Kruschev foi considerado pela cúpula comunista como uma mostra mais do irresponsável voluntarismo do líder soviético, que não só pôs em perigo a paz mundial, mas acarretou graves problemas para a economia do país.
"Os dirigentes soviéticos consideraram que a crise tinha sido uma aventura muito perigosa. Em meu julgamento, Kruschev pagou sua responsabilidade com o cargo. A crise foi a última gota. Os americanos mataram Kennedy. Nós não matamos nosso líder, mas o afastamos do poder", ponderou Leonov.
A crise também teve um grande custo econômico, já que quase todos os equipamentos e o armamento que foi enviado a Cuba, acabou ficando na ilha (tanques, helicópteros, peças de artilharia).
"Tudo foi presenteado aos cubanos para suavizar as tensões. A Fidel foi concedida a ordem de Herói da URSS, algo incomum", disse o general da KGB, que é amigo pessoal do líder cubano, Raúl Castro.
Em sua opinião, o grande derrotado da crise foram os EUA, já que "tiveram que aceitar a Revolução Cubana e se comprometer a não atacar a ilha, o que supunha reconhecer sua primeira grande derrota no hemisfério ocidental e um grande revés para a doutrina Monroe".
Leonov opina que não é exagerado falar que o mundo esteve "à beira de um conflito mundial, já que em Cuba havia mais de uma centena de bombas atômicas e os 42 mil soldados soviéticos desdobrados na ilha não estavam dispostos a se deixar aniquilar em caso de agressão americana".
"Os relatórios que eu enviei a partir do México diziam que os EUA estavam dispostos a atacar a ilha. O perigo era muito grande e o confronto era possível. Embora eu pensasse que Cuba não justificava um Holocausto mundial e achasse que o bom senso prevaleceria", concluiu Leonov.