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Ásia

Jovens indianas enfrentam o estigma da 'solteirice' tardia

Profissional de marketing, de 28 anos, descreve os preconceitos diários que enfrenta por ser solteira e 'independente' na Índia

1 abr 2014 - 08h08
(atualizado às 08h10)
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<p>Suruchi Sharma: 'Todo mundo quer uma esposa que vai ser uma cuidadora do lar em primeiro lugar e uma mulher de carreira em segundo'</p>
Suruchi Sharma: 'Todo mundo quer uma esposa que vai ser uma cuidadora do lar em primeiro lugar e uma mulher de carreira em segundo'
Foto: BBC News Brasil

Para muitos jovens, a Índia é uma terra de oportunidades. Homem ou mulher, se você é bem educado e preparado, há uma boa chance de encontrar uma carreira bem remunerada. Mas há um problema, afirma a jovem Suruchi Sharma, uma bem-sucedida profissional da área de marketing digital: "Se você é mulher, precisa se casar até os meados de seus 20 anos". Caso contrário, afirma ela, enfrenta uma série de preconceitos e estigmas aos quais mulheres solteiras na sociedade indiana são associadas. Confira, a seguir, o seu relato:

"Solteira? Por que, qual a sua idade?

"28"

"OK. Isso é mal. Como você está lidando com isso? Você não encontrou ninguém?"

Bem-vindos ao tipo de conversa que uma mulher solteira na Índia, com 20 para 30 anos, se depara quase que diariamente. Sim, é um grande negócio se você tem 28 e ainda é solteira. Você é vista como um grande fracasso. Eu falo sério.

Eu vivo em Mumbai, a maior metrópole na Índia. Pertenço a uma típica família de classe média. Minha vida é a mesma de muitas jovens que saem de casa e que buscam uma vida independente.

Qual a sensação de viver sozinha na cidade? É incrível! Sou independente e sigo o padrão de vida com o qual eu sonhava. Nós sofremos com a desigualdade sexual a cada degrau da escada, mas encontramos uma saída antecipada.

Mas há uma pressão que se recusa a nos abandonar, a questão que nos segue em toda a parte: "Quais os seus planos de casamento?".

Na Índia, a identidade de uma jovem gira em torno de seu casamento. Quando crianças, somos criadas para entender que precisamos encontrar o parceiro certo e encontrar uma boa família para ser a nora.

Ainda hoje, o casamento arranjado é algo normal na Índia. Os pais encontram um marido apropriado e você se casa. Em alguns casos, pode demorar algum tempo para que eles se conheçam e decidam. De toda forma, você faz parte de uma tradição na qual você tem que tentar gostar de alguém.

Tudo que nós aprendemos nos é ensinado levando em conta nosso papel futuro como mulher e nora. Aprendemos a cozinhar, a fazer tarefas domésticas, a nos comportar e a manter a imagem esperada. No momento em que a questão da "imagem" começa a ficar problemática, nossa perspectiva de conseguir noivos começa a ser afetada.

<p>Suruchi conta que vem suportando as pressões graças ao apoio de sua família</p>
Suruchi conta que vem suportando as pressões graças ao apoio de sua família
Foto: BBC News Brasil
'De orientação familiar'

Se você conferir um site matrimonial (uma tendência comum na Índia de hoje em dia), você vai encontrar temos como ''de orientação familiar", "do lar", "não muito ligada em ter uma carreira". Estas são qualidades que os homens mais buscam em uma noiva.

Todo mundo quer uma esposa que vai ser uma cuidadora do lar em primeiro lugar e uma mulher de carreira em segundo. Toda família quer uma nora que respeite os mais velhos e que seja capaz de desistir de sua carreira no momento em que surgirem outras coisas, como a transferência de seu marido de local de trabalho, crianças, e outras emergências.

Para ser uma mulher ideal na vida de um homem, você precisa ter a melhor educação possível, um rosto bonito e uma carreira sólida. E ainda assim, deixar tudo de lado.

A razão pela qual eu sou solteira é simples - eu ainda não encontrei o homem certo.

Posso soar como uma pessoa que é contra o casamento. Não sou. Adoro a ideia de me casar. Acredito nessa instituição e anseio pelo dia em que me casarei com o cara certo. Mas é aí que começa o problema, com a frase "o cara certo".

Aos 28, o ideal é que eu já estivesse casada há uns dois anos. Pelos padrões indianos, eu deixei para casar tarde e estou provavelmente na base da pirâmide das mulheres elegíveis.

Concessões

Mas eu ainda não considero convidativa a ideia de ter de "se adaptar" para alguém.

Todo mundo sempre me lembra de como eu devo fazer concessões e reduzir minhas expectativas. Desde que o homem tenha uma aparência decente e uma carreira respeitável e uma base familiar, eu não deveria reclamar.

Não vejo a coisa desse jeito. Todo mundo a meu redor me fala de algum homem que seria perfeito para mim, mas sinto que sou eu quem deve decidir.

Ele pode ganhar muito, pode pertencer à melhor família e pode ser uma boa pessoa, mas se eu não o considero compatível para uma conversa ou para o convívio, eu não consigo me imaginar casada com ele. Não concordo com a ideia de fazer concessões antes da vida de casada. Os ajustes e concessões deveriam ser feitos dentro do casamento, não quando você está encontrando a pessoa com quem quer estar junto.

Existe um estigma associado a mulheres solteiras. Quando uma mulher diz ser solteira por escolha, existe um certo consenso segundo o qual ela não é respeitável.

Houve várias ocasiões em que eu tentei alugar um apartamento em um bom local, mas fui recusada. As pessoas não gostam de alugar apartamentos para profissionais solteiras. Elas temem que alguém como eu se porte de modo imoral - dar festas barulhentas, ter homens passando a noite, ser uma má influência sobre famílias locais. Ninguém pode imaginar que eu possa ser uma pessoa normal, com uma vida social perfeitamente saudável e normal.

Os proprietários estão sempre buscando uma chance de nos expulsar. O menor deslize e somos convidadas a deixar o local. Não podemos ter uma vida normal. Há regras e regulamentos para tudo. E se acontece de um amigo do sexo masculino aparecer em sua casa um dia, você é imediatamente tachada de prostituta.

De maneira geral, se uma mulher solteira leva uma vida independente, longe de sua família, parte-se do pressuposto que ela tem uma moral frouxa.

Quanto mais eu sigo levando essa vida, menor a chance de encontrar um bom marido de uma família bem respeitada. Por vezes, eu me pergunto se eu deveria simplesmente desistir e me casar com o primeiro cara que se mostrar mais ou menos apropriado, de modo a poupar os meus pais.

Tenho sorte de que minha família dá muito apoio. Meus pais ficam ao meu lado no que diz respeito a esperar pelo cara certo, mas eles enfrentam pressões extremas de parentes e de todo mundo dentro de seu círculo.

"Quando é que Suruchi vai se casar?". Essa pergunta é feita a eles diariamente e os deixa ansiosos. Eles começam a se perguntar se estão fazendo algo errado ao deixar que sua filha tome suas próprias decisões. Eles se preocupam com o meu bem-estar. Eles não têm certeza se a sociedade indiana irá permitir que eu viva feliz se eu permanecer solteira.

Saída: o aeroporto?

Meus pais já ouviram de algumas pessoas que teria sido um grave erro educar sua filha deixando que ela se torne uma pessoa independente. Agora, sua filha tem altas expectativas e casá-la se tornou tão difícil! Não consigo deixar de agradecer a meus pais por terem carregado esse peso. Eles são um grande apoio, mas sigo me perguntando como eu poderia facilitar o lado deles. Me preocupo muito menos comigo mesmo. Sei que estar com o homem errado seria pior do que estar sozinha.

Enquanto eu permanecer nessa sociedade, a pressão só seguirá crescendo. Para falar a verdade, tenho pensado em ir para o exterior se eu continuar solteira por um ano ou mais.

Fugir do olhar indiscreto da sociedade é o único caminho para ser deixada de lado e de levar uma vida tranquila. As pessoas não perguntarão sobre meus planos de casamento se eu estiver num país estrangeiro. Surpreendentemente, aí os indianos se tornam cabeça aberta. Tudo é OK se você vive no exterior.

No final das contas, não é fácil ser solteira aos 28. É uma batalha que eu enfrento 24 horas por dia. Decidi viver assim.

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