Vitória de Kast no Chile revela 'cansaço social', aponta socióloga
O advogado ultraconservador José Antonio Kast, do Partido Republicano, venceu o segundo turno da eleição presidencial no Chile neste domingo (14), com 58,2% dos votos. O candidato de 59 anos ganhou em todas as regiões, inclusive no reduto histórico da esquerda, Santiago e sua periferia.
Naïla Derroisné, correspondente da RFI em Santiago
A adversária de Kast, Jeannette Jara, do Partido Comunista e ex-ministra do Trabalho, obteve 41,8% dos votos. Ela reconheceu rapidamente a derrota em uma mensagem no X. "A democracia se expressou de forma clara e forte", escreveu, dizendo ter falado "com o presidente eleito para desejar sucesso, pelo bem do Chile".
No primeiro turno, Kast perdeu para a candidata de esquerda, mas venceu graças ao apoio de outros partidos de direita. Ele terá de formar alianças para governar, já que seu partido não tem maioria no Congresso chileno.
Kast celebrou sua vitória com um discurso de quase uma hora. Ele alertou, entretanto, que os resultados de seu programa "não aparecerão da noite para o dia". Conhecido por ser 'linha-dura' na luta contra o crime, Kast prometeu "instaurar o respeito à lei em todas as regiões do país", diante de milhares de apoiadores reunidos na sede do Partido Republicano na zona leste de Santiago.
Como manda a tradição, o atual presidente Gabriel Boric telefonou para o vencedor para parabenizá-lo pela vitória, mas também para "avisar" que em breve ele descobrirá o significado da "solidão do poder".
'Cansaço social'
Primeiro líder de extrema direita a governar o Chile desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet, há 35 anos, Kast se beneficiou de um conjunto de insatisfações do eleitorado.
"Há um retorno ao conservadorismo e o movimento social de 2019 rejeitou o modelo neoliberal herdado da ditadura", analisa a socióloga Stéphanie Alenda, professora da Universidade Andrés Bello. "No entanto, entre 2019 e 2022 surgiu uma forma de 'cansaço social' após anos de mobilização, às vezes violenta. Soma-se a isso o aumento da insegurança e a pandemia e suas consequências, que reforçam os anseios por ordem e estabilidade."
Segundo ela, os eleitores foram convencidos pela promessa de diminuição da violência. O ex-deputado fez campanha com foco no combate à criminalidade e na promessa de expulsar cerca de 340 mil migrantes em situação irregular, em sua maioria venezuelanos.
Já Jeannette Jara, 51 anos, ex-ministra do Trabalho do presidente Gabrile Boric, prometia aumentar o salário mínimo e defender as aposentadorias. "Kast não se consolida porque a maioria dos chilenos virou 'pinochetista', mas porque ele encarnou, nos últimos tempos, a ordem e a segurança", diz a socióloga Stéphanie Alenda.
"Outro elemento que explica sua vitória é o voto contra a esquerda e o progressismo, diante de resultados econômicos decepcionantes a curto prazo e de expectativas sociais muito elevadas", observa Alenda. De acordo com a socióloga, isso explica por que alguns eleitores que apoiaram o movimento social de 2019 votaram no candidato.
O candidato de extrema direita chega à Presidência após três tentativas. Ele votou em Paine, a 40 km ao sul de Santiago, e foi aplaudido pela multidão, prometendo "unidade" em um país muito polarizado. "O vencedor da eleição deverá ser a presidente ou o presidente de todos os chilenos", afirmou.
No primeiro turno, em novembro, os dois candidatos obtiveram cerca de um quarto dos votos, com leve vantagem para a esquerda. Mas, somados, os candidatos de direita totalizaram 70%. "Esta eleição é uma rejeição ao comunismo que causou tantos danos na América Latina. Percebo muita unidade e otimismo", disse Pedro, um eleitor de 22 anos. Andrés, outro jovem que estava nas ruas após a eleição, "espera que o país recupere crescimento, estabilidade, mais emprego e segurança".
Admirador de Pinochet
Ex-deputado e advogado, José Antonio Kast, é o caçula de dez irmãos. Seu pai, nascido na Alemanha, chegou ao Chile após a Segunda Guerra Mundial, onde fundou uma empresa de embutidos. Em 2021, investigações revelaram que ele foi membro do partido de Adolf Hitler. Kast afirma que o pai foi recrutado à força pelo Exército alemão e nega que tenha sido partidário do nazismo.
Membro do movimento católico conservador de origem alemã Schönstatt, o novo presidente eleito considera a família em sua forma tradicional - pai, mãe e filhos - como o "núcleo fundamental da sociedade".
Durante a campanha, evitou temas sociais, mas no passado declarou-se contra o aborto mesmo em caso de estupro, contra a pílula do dia seguinte, o divórcio e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Segundo ele, o ex-ditador Augusto Pinochet (1973-1990), morto em 2006, teria votado nele se estivesse vivo.
O secretário de Estado americano, Marco Rubio, comemorou a vitória de Kast. "Estamos convencidos de que o Chile avançará em prioridades comuns, como o fortalecimento da segurança pública, o fim da imigração ilegal e a revitalização de nossa relação comercial", declarou em comunicado.
Com agências