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América Latina

Venezuela: após um ano, casos de tortura não foram apurados

País está afundado em uma grave crise de abastecimento e inflação, com a popularidade do presidente Nicolás Maduro em baixa; um ano depois, militares acusados de tortura e maus tratos durante os protestos de fevereiro de 2014 ainda não foram chamados para depor

12 fev 2015 - 08h20
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Marvínia Jimenez durante manifestação pelos presos políticos, em frente à sede do PNUD da ONU, em Caracas
Marvínia Jimenez durante manifestação pelos presos políticos, em frente à sede do PNUD da ONU, em Caracas
Foto: Arquivo pessoal

A costureira Marvínia Jimenez virou símbolo da repressão durante os protestos na Venezuela, em fevereiro de 2014. O momento de sua prisão, quando foi imobilizada e agredida com um capacete por uma policial militar, foi imortalizado pelas câmeras de manifestantes, circulou na internet e ganhou destaque na imprensa internacional. Um ano após sua prisão, Jimenez, que está em liberdade condicional, deve se apresentar mensalmente à Justiça e está proibida de sair do país. Ela foi acusada e condenada por cinco delitos, entre eles resistência à autoridade e danos causados à propriedade privada. 

“A agente que me agrediu tem uma ordem de captura há onze meses, mas está foragida”, afirma. “Pedimos para ver em que situação ela está no comando militar onde trabalhava, se continua trabalhando, se está ativa ou em repouso, mas não conseguimos nenhuma informação”, diz. 

O caso de Jimenez não é uma exceção. “Foi constatada uma grande demora nos julgamentos. Algumas audiências foram deferidas até dez vezes de maneira não justificada pelo Ministério Público”, afirma o advogado do Centro de Direitos Humanos da Universidade Católica Andrés Bello, Nizar El Fakih. O Ministério Público reconheceu em junho, dois casos de tortura e 185 de maus tratos. Mas segundo o advogado, em quase um ano, os acusados, em sua maioria militares, não haviam sido convocados para depor.

Manifestante com a bandeira venezuelana durante protesto contra o presidente Nicolás Maduro
Manifestante com a bandeira venezuelana durante protesto contra o presidente Nicolás Maduro
Foto: Reuters

Cerca de 60 pessoas continuam presas de maneira arbitrária no país, em decorrência das manifestações, a espera de julgamento, segundo um balanço realizado pelo Centro de Direitos Humanos. Entre fevereiro e maio de 2014 teriam sido registradas 3.127 detenções arbitrárias, deste total, cerca de 2.000 pessoas estariam em liberdade condicional, como a costureira. 

“A impunidade em matéria de tortura, atos cruéis e prisões arbitrárias gera temor. A grave repressão veio seguida de impunidade. Não houve punição legal para os que violaram os direitos humanos”, afirma o advogado. 

O movimento de contestação ao governo do presidente Nicolás Maduro começou em 4 de fevereiro, em San Cristóbal, no estado de Táchira, no oeste da Venezuela, quando estudantes se manifestaram por maior segurança no campus universitário. Posteriormente, os protestos se espalharam por todo o país, integrando reivindicações contra a inflação e a escassez de produtos. Em 12 de fevereiro, três pessoas foram mortas durante uma manifestação em Caracas, em enfrentamentos entre estudantes e a polícia militar. Durante meses, o país foi palco de violentos protestos e manifestações que foram fortemente reprimidos.  

Novas manifestações

De acordo com o Observatório Venezuelano do Conflito Social, 2014 registrou mais de 6 mil protestos, um número recorde na última década. 

Segundo o cientista político da Universidade Central da Venezuela, Alejandro Margione, é difícil prever novas manifestações massivas. Mas de acordo com ele, existe uma tendência de aumento de protestos sociais. “A Venezuela é um dos países mais urbanizados do mundo, metade do país é desabitada. Os protestos podem acontecer por acaso, de maneira isolada, por falta de água, problemas no transporte”, afirma. “Frequentemente os mecanismos são de pressão imediata, como fechar uma via com uma barricada”.

Para Nizar El Fakih, o cenário para 2015 é de maior conflito, na medida que os problemas sociais e econômicos estão crescendo. “Diante da situação atual de desabastecimento de produtos básicos e fármacos, maior índice de inflação e aumento da pobreza,  o que se pode esperar é um registro ainda maior de manifestações do que em anos anteriores.”

<p>Venezuelanos aguardam na fila do caixa dentro da farmácia Farmatodo em Caracas, em 3 de fevereiro</p>
Venezuelanos aguardam na fila do caixa dentro da farmácia Farmatodo em Caracas, em 3 de fevereiro
Foto: Jorge Silva / Reuters
Desabastecimento

No dia a dia dos venezuelanos, os protestos deram lugar às filas. Desde janeiro, a crise de abastecimento de produtos se intensificou na Venezuela. Nos supermercados de todo o país, pessoas enfrentam longas esperas para comprar produtos básicos como arroz, leite, óleo, açúcar e café, mas também medicamentos e produtos de higiene pessoal. 

Grávida de oito meses, a dona de casa Mily Barrios sai três vezes por semana por Caracas para procurar produtos nos supermercados e farmácias. No começo, buscava as cobiçadas fraldas descartáveis, um dos produtos mais raros. “Agora, eu compro tudo o que acho”, diz. “Quando os produtos começaram a desaparecer por um, dois, três meses, decidi comprar tudo que poderia faltar e estocar em casa.” 

Segundo a dona de casa, a espera nas filas pode durar horas e ela divide espaço com os chamados “bachaqueros” (a palavra vem de “bachaco”, uma espécie de formiga), que compram os produtos escassos e revendem por valores até cinco vezes mais caros. “Um “bachaquero” pode ganhar o salário de um empregado de loja vendendo apenas quatro pacotes de fralda”, afirma Barrios. 

O presidente Maduro chegou a pedir que as pessoas não se deixem levar pelas “compras nervosas” de produtos que poderiam faltar nos supermercados. Segundo ele, este consumo geraria uma demanda adicional de alimentos. O governo também estabeleceu um plano para lutar contra a “especulação”.  

No começo do mês, os diretores da principal rede de farmácias do país foram presos, acusados de irregularidades na distribuição de produtos, boicote e desestabilização econômica. Segundo comunicado à imprensa da Superintendência para a Defesa dos Direitos Socioeconômicos, fiscais inspecionavam uma farmácia da rede em Caracas, onde detectaram a existência de várias caixas não operacionais, enquanto uma longa fila de compradores se formava.

Para impedir as aglomerações, alguns supermercados de redes particulares da capital começaram a vender por sistema de “rodízio”, de acordo com o número da carteira de identidade. “Minha identidade acaba em três, então eu posso comprar às segundas e quintas”, explica Barrios. “O problema é que muitas vezes os produtos chegam na quarta e no dia seguinte já não encontro nada”. 

<p>Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, assiste a um evento realizado em Caracas</p>
Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, assiste a um evento realizado em Caracas
Foto: Miraflores Palace / Reuters

A escassez de alimentos e a inflação fizeram com que o índice de aprovação do presidente venezuelano caísse para 22% em dezembro, segundo o instituto Datanalisis. A Venezuela enfrenta uma severa crise econômica, com uma inflação de 64% e a escassez de vários produtos da cesta básica. Além disso, a queda de mais de 60% do preço do petróleo ameaça piorar ainda mais o problema econômico do país, que obtém 96% de suas divisas das exportações petroleiras e que depende de importações para garantir o abastecimento de produtos.

Fonte: Especial para Terra
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