Primeiro muçulmano a comandar Nova York, Mamdani toma posse com juramento sobre o Alcorão em local simbólico
O democrata Zohran Mamdani iniciará o processo de tomada de posse da prefeitura de Nova York à meia-noite do dia 1º de janeiro com uma cerimônia pouco convencional e carregada de simbolismo. Aos 34 anos, ele se tornará o primeiro prefeito muçulmano da história da cidade. Após a meia-noite, na chegada de 2026, ele irá prestar juramento em uma estação de metrô abandonada sob a sede da prefeitura, fechada ao público desde 1945.
Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova York
A posse acontece na antiga estação City Hall, inaugurada em 1904 como parte da primeira linha do metrô nova-iorquino. Conhecida por seus lustres, claraboias e arquitetura monumental, o local hoje funciona apenas como ponto de manobra da linha 5. Para Mamdani, o lugar escolhido representa uma cidade que ousou investir em infraestrutura pública e transformar a vida da classe trabalhadora.
Em um pronunciamento, o novo prefeito disse que a estação simboliza "a ambição de uma Nova York que construiu coisas grandiosas e belas", um espírito que, segundo ele, deve orientar sua administração a partir do prédio da prefeitura, logo acima dos túneis.
Na cerimônia privada, restrita à família, Mamdani jurará o cargo sobre três exemplares do Alcorão: dois pertencentes à sua família e um que foi do intelectual e ativista porto-riquenho Arturo Schomburg, referência na preservação da história afro-diaspórica nos Estados Unidos. A posse será conduzida pela procuradora-geral do estado de Nova York, Letitia James.
Já a cerimônia pública ocorre na tarde desta quinta-feira (1°), na prefeitura, em um evento aberto à população que inclui uma festa para a comunidade no sul de Manhattan. Neste segundo juramento, a condução ficará por conta do senador Bernie Sanders, ao lado do responsável pelo Tribunal de Contas da cidade, Mark Levine, e do defensor público reeleito, Jumaane Williams.
Entre os ex-prefeitos, apenas Bill de Blasio confirmou presença até agora. Michael Bloomberg e Rudy Giuliani não se manifestaram, enquanto o atual prefeito, Eric Adams, diz que ainda avalia se comparecerá. Em entrevista, Adams afirmou não querer "atrapalhar o dia" do sucessor, mas Mamdani respondeu dizendo que o antecessor segue bem-vindo à cerimônia.
A escolha da estação City Hall também dialoga com a estratégia de comunicação do novo prefeito. Em novembro, logo após vencer a eleição contra Andrew Cuomo e o republicano Curtis Sliwa, Mamdani publicou um vídeo nas redes sociais com portas de metrô se abrindo e a mensagem: "A próxima e última parada é City Hall".
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Além do ineditismo religioso e do local da posse, Mamdani assume sob questionamentos a respeito de sua experiência administrativa. Durante a campanha, críticos apontaram sua idade e o fato de nunca ter comandado uma máquina pública do tamanho da prefeitura de Nova York, uma das maiores do mundo.
Às vésperas da posse, o bilionário Elon Musk criticou publicamente uma das primeiras nomeações do prefeito: a escolha de Lillian Bonsignore, veterana do serviço de emergência médica, para chefiar o Departamento de Bombeiros da cidade.
People will die because of this. Proven experience matters when lives are at stake. https://t.co/HV4kodU2aI
— Elon Musk (@elonmusk) December 26, 2025
Mamdani rebateu dizendo que experiência importa e destacou que a nova chefe atuou por mais de 30 anos no setor responsável por cerca de 70% das chamadas de emergência atendidas pelo órgão.
Desafios do novo prefeito
Além do simbolismo da posse, Zohran Mamdani inicia o mandato sob uma série de desafios políticos e administrativos. No horizonte imediato está a relação com o presidente Donald Trump, que, apesar de um encontro cordial na Casa Branca após a eleição, mantém um discurso de confronto. Trump já ameaçou cortar recursos federais destinados a Nova York e chegou a mencionar o envio da Guarda Nacional, recurso já adotado pelo governo federal em disputas com administrações locais.
No plano interno, Mamdani enfrenta o desafio de transformar em políticas públicas uma plataforma considerada ousada e cara. Entre as principais promessas estão creches gratuitas, opções de transporte público com tarifa zero e a criação de supermercados administrados pelo poder público para combater a insegurança alimentar.
A viabilidade dessas propostas depende de equilíbrio fiscal, apoio político e capacidade de gestão de uma máquina pública que muitos consideram difícil de governar.
Desde a vitória nas urnas, o processo de transição avança, mas em ritmo mais lento do que o de administrações anteriores. O atraso em algumas nomeações alimenta críticas de opositores e de integrantes do próprio establishment político nova-iorquino, que veem na demora um possível sinal de dificuldades na montagem da equipe.
Enquanto estrutura a equipe, Mamdani mantém uma agenda pública intensa, que mistura atos políticos e gestos simbólicos. Nos últimos meses, ele apareceu ao lado de trabalhadores em greve; conversou com educadores da primeira infância sobre o plano de creches universais; distribuiu chocolate-quente a inquilinos durante o inverno, enquanto defendia o congelamento de aluguéis; e viajou a Washington para reuniões com autoridades federais, incluindo o presidente norte-americano.
Apesar de novas nomeações recentes, cargos estratégicos seguem vagos. Ainda não há definição para o comando do sistema penitenciário municipal, que administra um dos maiores complexos carcerários do país.
Também permanecem em aberto as chefias do Escritório de Assuntos de Imigração e da Administração de Serviços à Criança, além da pasta de Transportes, central para tirar do papel o plano de ônibus "rápidos e gratuitos".
A transição também enfrenta controvérsias. A diretora de nomeações, Catherine Da Costa, pediu demissão menos de 24 horas após ser anunciada, depois que antigas publicações classificadas como antissemitas nas redes sociais vieram a público.
Mamdani admitiu falhas no processo de checagem, aceitou a renúncia e afirmou que mudanças claras passaram a ser adotadas na verificação de futuros indicados.
Com uma posse histórica e uma agenda ambiciosa, Mamdani começa o mandato sob expectativa elevada. Entre promessas de transformação, pressões internas e o risco de embates com Washington, o novo prefeito testa, desde os primeiros dias, os limites políticos de governar Nova York.