PUBLICIDADE

América Latina

Eleições no Paraguai: médica comanda candidatura feminista à presidência

Lilian Soto, ex-ministra no governo de Fernando Lugo, encabeça chapa do movimento Kuña Pyrenda e aposta em discurso feminista na corrida pela presidência

20 abr 2013 - 14h18
(atualizado às 15h00)
Compartilhar
Exibir comentários
<p>Para Lilian Soto, a população paraguaia segue sendo maioritariamente sexista</p>
Para Lilian Soto, a população paraguaia segue sendo maioritariamente sexista
Foto: Kuña Pyrenda / Divulgação

A médica Lilian Soto, candidata à presidência do Paraguai nas eleições do próximo domingo pelo movimento Kuña Pyrenda, comanda uma chapa essencialmente feminina. E embasa na guerra da Tríplice Aliança o seu discurso de campanha: “A guerra acabou com a população masculina, e as mulheres reconstruíram o país. Sobre suas costas, mãos e ventres, se construiu o novo Paraguai”, diz Soto em entrevista exclusiva ao Terra.

Com experiência de quatro anos à frente da Secretaria das Funções Públicas durante o governo do ex-presidente Fernando Lugo, Lilian Soto faz questão de lembrar que a lista de candidatos aos cargos legislativos de seu movimento novato também tem homens, políticos identificados com o discurso do Kuña Pyrenda.

Nas pesquisas divulgadas pela imprensa, ela aparece bem atrás dos candidatos Horacio Cartes, do Partido Colorado, e Efraín Alegre, do Partido Liberal. É a última colocada dos seis candidatos (em algumas pesquisas, não chega a pontuar). Soto não participou dos debates promovidos pelas emissoras de televisão do país porque seu partido ainda não tem representação legislativa. Ela reconhece as dificuldades de uma candidatura nova, segmentada e polêmica – defende, entre outras coisas, o direito ao aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. “Sabemos que o processo que estamos construindo não é exclusivamente para essas eleições, estamos apostando em um trabalho a longo prazo”, afirmou.

Em entrevista exclusiva ao Terra, Lilian Soto falou sobre as barreiras que seu movimento enfrenta em uma eleição que, pelo que as pesquisas indicam, trará de volta a polarização entre os partidos Colorado e Libera e comenta o juízo político que tirou seu antigo aliado, Fernando Lugo, do poder em junho do ano passado.

Terra - Como a senhora avalia a participação das mulheres na política do Paraguai?

Lilian Soto - No Congresso Nacional temos menos de 15% de mulheres parlamentares; de 17 governos estaduais, só um é comandado por uma mulher; dos nove integrantes da Suprema Corte de Justiça, há somente duas mulheres. Acredito que essa representação pequena é causada pela cultura política machista e patriarcal que ainda persiste no Paraguai. O ambiente político ainda é considerado ‘natural’ para os homens e forçado para as mulheres. Por isso, o aumento da presença das mulheres na política requer esforços importantes, e o mecanismo por excelência, a cota obrigatória de presença feminina nas listas, que ajudou em países como Argentina e Costa Rica, é muito baixa no Paraguai. Apenas 20% nas listas primárias. Hoje, essa cota mínima já não é a demanda principal do movimento de mulheres. Lutamos pela paridade e ainda estamos longe de conseguir.

<p>'Nossa história nos diz que as mulheres sempre estiveram presentes na solução dos problemas, mas isso não se traduziu em representação política', afirma Lilian Soto, candidata feminista à presidência do Paraguai</p>
'Nossa história nos diz que as mulheres sempre estiveram presentes na solução dos problemas, mas isso não se traduziu em representação política', afirma Lilian Soto, candidata feminista à presidência do Paraguai
Foto: Kuña Pyrenda / Divulgação
Terra - A senhora considera que a sociedade paraguaia é sexista?

Lilian Soto - A população paraguaia segue sendo maioritariamente sexista. Privilegia o masculino e continua colocando a mulher como sujeito confinado ao ambiente doméstico, privado, com características de submissão, sacrifício, complemento dos homens. Este pensamento binário e sexista ainda existe no Paraguai, e com força.

Terra - Qual é o seu objetivo como candidata à presidência do Paraguai?

Lilian Soto - Kuña Pyrenda vai dando um passo de cada vez, sua própria existência já constitui um objetivo conquistado. Em menos de dois anos, colocamos o primeiro movimento político feminista da história do nosso país no cenário político nacional, com capacidade de competir nas eleições. Politicamente, nos interessa colocar claramente em debate as políticas públicas de igualdade de classe e gênero assim como as práticas políticas transformadores da cultural que impera.

Lilian Soto, médica e candidata feminista à presidência do Paraguai
Lilian Soto, médica e candidata feminista à presidência do Paraguai
Foto: Kuña Pyrenda / Divulgação
Terra - A senhora reconhece as dificuldades que terá contra os partidos tradicionais?

Lilian Soto - O nosso país foi construído e reconstruído por mulheres. A cultura guarani – base chave da nossa nacionalidade – sobreviveu à mercê das mulheres. A Guerra do Paraguai acabou com a população masculina, e as mulheres reconstruíram o país. Sobre suas costas, mãos e ventres se construiu o novo Paraguai. As mulheres sempre estiveram presentes na solução dos problemas, mas isso não se traduziu em representação política. Somos conscientes, desde que começamos a construir o movimento Kuña Pyrenda, das dificuldades que íamos enfrentar, mas ele já é e seguirá se consolidando como um ator fundamental, interpelador e propositivo na vida política do nosso país.

Terra - Entre as suas propostas, está a “democracia da terra”. Qual sua opinião sobre os chamados “brasiguaios”, que estão presentes no seu país?

Lilian Soto - O Kuña Pyrenda luta contra toda a forma de discriminação, incluindo a discriminação por razões de origem e a xenofobia. Quem mora no Paraguai e decidiu desenvolver sua vida em nosso território tem esse direito. As pessoas que se radicam no Paraguai devem compreender os problemas que nossa sociedade enfrenta e ajudar a ser parte da solução. Um dos nossos graves problemas é o modelo econômico produtivo baseado no monocultivo extensivo da soja, que gera pobreza e dependência econômica. Esse modelo deve ser transformado e vejo que todos que trabalham na terra são parte do processo de transformação.

Terra - A senhora fala também de “transformação social para a igualdade”. Quais são as transformações necessárias?

Lilian Soto - As transformações necessárias são estruturais e culturais. No nosso programa de governo, falamos das matrizes culturais discriminatórias que existem no Paraguai no que diz respeito aos povos indígenas, aos homossexuais, às pessoas afrodescendentes, às pessoas com deficiência, entre outros. Esses são setores da população que, em alguns casos, estão invisíveis e, em outros casos, diretamente excluídos do gozo de todos os direitos.

Terra - Uma candidatura formada maioritariamente por mulheres não vai encontrar resistência na população?

Lilian Soto - As resistências e apoios serão conhecidos quando as eleições terminarem. Sabemos que o processo que estamos construindo não é exclusivamente para essas eleições, é de longo prazo. A princípio, éramos só mulheres, mas quando nosso discurso foi se tornando conhecido, muitos homens se reconheceram em nossa proposta, pois, assim como as mulheres que não são feministas nem socialistas, há homens que são socialistas e feministas. 

Terra - Qual a sua opinião sobre o processo que culminou com a destituição do presidente Fernando Lugo no ano passado?

Lilian Soto - O que aconteceu no dia 22 de junho de 2012 foi um golpe de Estado mal maquiado, perpetrado pelas elites políticas de cinco partidos com representação parlamentar. O processo realizado – mal chamado de juízo político – não teve nenhum dos elementos fundamentais que poderiam outorgar-lhe legalidade e legitimidade.

Terra - Qual sua opinião a respeito do que aconteceu no país desde o impeachment de Lugo? A expulsão provisória do Mercosul é prejudicial?

Lilian Soto - O golpe no Paraguai aconteceu sob os olhos dos chanceleres da Unasul. O Paraguai não estava ilhado na região. Participa de todos os processos de integração, assinou acordos, e isso requer respeito a regras básicas que permitem que um país seja chamado de democrático. É o que não se respeitou no Paraguai por partes das elites políticas tradicionais, e foram aplicadas as penas correspondentes aos acordos assinados. Isso agrava a histórica debilidade de presença do Estado paraguaio no âmbito internacional. Buscamos redefinir o papel que ocupa a América Latina no âmbito internacional, o que requer o fortalecimento da integração regional.

Terra - Em seu eventual governo, como seriam as relações com os países vizinhos e, especialmente, com o Brasil?

Lilian Soto - Temos aspectos específicos de relacionamento (com o Brasil), como o que se refere a Itaipu, que cumpre um papel de grande importância para o desenvolvimento do Paraguai e que foi produto de negociações de governos paraguaios que tiveram pouco interesse na soberania do país. Por isso, pensamos que é necessário aprofundar as conversações para redefinir o que esse tratado tem de injusto. 

Fonte: Terra
Compartilhar
Publicidade
Publicidade