Eleição presidencial na Bolívia reacende debate sobre produção tradicional de coca e narcotráfico
Após 20 anos de políticas favoráveis aos produtores de coca, os dois candidatos de direita que disputam o segundo turno das eleições presidenciais da Bolívia, neste domingo (19), prometem intensificar o combate ao narcotráfico, que vem crescendo há vários anos.
Após 20 anos de políticas favoráveis aos produtores de coca, os dois candidatos de direita que disputam o segundo turno das eleições presidenciais da Bolívia, neste domingo (19), prometem intensificar o combate ao narcotráfico, que vem crescendo há vários anos.
Nils Sabin, correspondente da RFI em La Paz
"Colhemos primeiro as folhas mais bonitas, depois as de tamanho médio e, por fim, as em mau estado", explica Luci Camacho, em um terreno cercado por plantas, ao descrever como a colheita da coca é realizada a cada três ou quatro meses. "Nossa coca não vai para o tráfico de drogas; 90%, até 100%, é distribuída para consumo tradicional", insiste a cocaleira.
Na região montanhosa e tropical de Los Yungas, a cerca de 100 quilômetros de La Paz, a coca é cultivada há séculos. Hoje, o consumo tradicional ainda é comum, especialmente em atividades físicas, devido aos seus efeitos supressores de apetite e energizantes.
Produtores como Luci Camacho são membros da Associação Departamental de Produtores de Coca de Yungas de La Paz (Adepcoca), que conta com cerca de 46 mil membros em 2025. Às vésperas do segundo turno da eleição presidencial, a organização aguardava ansiosamente o nome do próximo presidente. "Esperamos que ele respeite nossa associação e nossa cultura ancestral", diz Daynor Choque, presidente da Adepcoca.
Política de "coca sim, cocaína não"
Nos últimos 20 anos, a folha de coca foi valorizada pelos governos de esquerda. Evo Morales, presidente de 2006 a 2019, é natural da região produtora de Chapare e lidera um poderoso sindicato do setor.
Quando chegou ao poder, a Bolívia emergia de décadas de erradicação forçada de plantações ilegais de coca, política promovida e financiada pelos Estados Unidos como parte da guerra contra as drogas.
"O governo anterior havia acabado de assinar um acordo em 2004 permitindo que os cocaleiros cultivassem legalmente um cato de coca [uma área de 40 m²], e o respeito a essa área era monitorado pelos próprios sindicatos, não mais por forças externas", explica o antropólogo Thomas Grisaffi, autor do livro Coca oui, cocaïne non : comment les cultivateurs de coca boliviens ont remodelé la démocratie (Coca sim, cocaína não: como os cocaleiros bolivianos remodelaram a democracia, em tradução livre).
Morales defendeu internacionalmente uma política de descolonização do discurso em torno da folha de coca, delegando o controle das áreas legais às organizações de produtores. Embora parte da produção tenha sido desviada para o tráfico, "menos coca significava preços mais altos, então havia uma pressão social bastante forte para que os cocaleiros respeitassem o acordo", continua Grisaffi. O consumo tradicional de coca também foi consagrado na nova Constituição de 2009.
No entanto, essa política de cultivo legal e autorregulamentação mostrou suas limitações a partir de 2019. O governo de Jeanine Añez (2019-2020) deu uma guinada, criminalizando novamente os cocaleiros do Chapare. O retorno da esquerda ao poder, no final de 2020, não restabeleceu as boas relações entre o Estado e os produtores.
"A confiança foi quebrada e os cocaleiros do Chapare não tinham mais tanto incentivo para honrar seus compromissos", explica a acadêmica.
Isso levou ao aumento das áreas de cultivo ilegal de coca, refletindo também uma mudança no papel da Bolívia no tráfico regional. "Antes, a Bolívia era principalmente um país de trânsito de cocaína. Hoje, é um país de refino", analisa a especialista em criminalidade Claudia Reyes. "Santa Cruz se tornou um centro estratégico para o armazenamento de cocaína, que depois é enviada para Brasil, Paraguai, Argentina e, em seguida, à Europa."
Nacionalização dos mercados legais de coca
Diante desse cenário, os candidatos à eleição presidencial no país, Jorge Quiroga (conservador) e Rodrigo Paz Pereira (centro-direita), prometem reprimir com mais rigor o narcotráfico e a produção ilegal de coca.
Entre suas propostas, estão uma maior colaboração com as polícias dos países vizinhos e o retorno da DEA, agência antidrogas dos EUA, expulsa da Bolívia em 2008. Quiroga também propõe a nacionalização dos dois mercados legais de coca — um em La Paz e outro em Cochabamba — para controlar melhor a comercialização da folha.
A medida preocupa alguns produtores de Yungas. "Nos preocupa porque nossa área de produção tradicional está sendo associada ao narcotráfico", diz Luci Camacho. Para eles, os Yungas não deveriam ser alvo da proposta, já que a grande maioria da produção passa pelo mercado legal, ao contrário de Chapare.
Segundo o Relatório de Monitoramento da Colheita de Coca de 2023 da UNODC, entre 90% e 100% da coca produzida em Los Yungas passa pelo mercado legal de La Paz, enquanto em Chapare esse número varia entre 9,5% e 12,5%. Claudia Reyes, entretanto, ressalta que "também há coca desviada para o tráfico nos Yungas".
Para Monica Quispe Quispe, líder local da Adepcoca, é melhor esperar para ver quais medidas o próximo governo realmente implementará. "Estamos em período eleitoral; esta proposta não está na agenda legislativa. Por outro lado, se em um mês a Assembleia quiser considerar uma lei para nacionalizar os mercados de coca, então, sim, teremos que nos mobilizar, protestar", afirma.
Volta dos conflitos sociais com os cocaleiros
No Chapare, as opiniões também se dividem. "Um partido, alinhado com Evo Morales, diz estar pronto para enfrentar a tempestade que se aproxima, desafiar o presidente e enfrentar qualquer soldado que venha erradicar sua coca", relata Grisaffi. "Outro partido, menor, não quer voltar à situação da década de 1990, marcada por violações de direitos humanos, pobreza generalizada e protestos constantes. Por isso, estão vendendo suas terras."
Embora o modelo implementado pela esquerda desde 2006 não tenha eliminado o desvio de coca para o narcotráfico, ajudou a limitar as áreas de cultivo e os conflitos ligados à erradicação. Por outro lado, as políticas de combate direto ao narcotráfico entre as décadas de 1980 e 2000 exigiram recursos significativos e, em alguns casos, militarização do Chapare - sem sucesso comprovado.
O candidato Jorge Quiroga não é alheio a esse histórico: foi vice-presidente entre 1997 e 2000 e presidente até 2001. Na época, o governo implementou o "Plano Dignidade", que visava erradicar todos os cultivos de coca no Chapare, com resultados limitados, segundo Claudia Reyes.
"Suas políticas duras com a coca foram um fracasso. Houve graves violações de direitos humanos e muitas mortes." Um retorno a esse tipo de política promete reacender os conflitos sociais com os cocaleiros.