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Estadão Conteúdo

Editorial: o algoritmo das redes sociais está matando o estilo pessoal

Como o excesso de referências nas redes sociais está achatando o gosto pessoal, nivelando a criatividade por baixo e enfraquecendo a identidade estética de uma geração inteira

29 jul 2025 - 11h53
(atualizado às 11h55)
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Algoritmo devorando o gosto pessoal
Algoritmo devorando o gosto pessoal
Foto: Imagem feita por IA. Diego Ortiz/Estadão / Estadão

"Dias atrás, quase comprei mais um Adidas Samba. Não porque eu realmente precisava ou porque aquele modelo tivesse algum significado especial pra mim. A verdade é que fui tragada por uma vontade repentina, quase automática, depois de ver o mesmo par repetido em carrosséis infinitos do Instagram. Só percebi que aquela vontade não era minha quando a aba do carrinho já estava aberta. Fechei a página. E fiquei com a sensação de que o algoritmo tinha me vencido, mais uma vez. Essa sensação virou diagnóstico".

O texto da jornalista Jennifer Stevens no The Times trouxe uma reflexão precisa e incômoda sobre como a curadoria das máquinas das redes sociais tem matado o gosto pessoal e achatado a diversidade estética. O algoritmo, diz ela, está nos transformando em consumidores de um só gosto, de uma só cor, de uma só silhueta.

O nome desse comportamento é "exiguidade visual", uma expressão que resume bem essa estética pasteurizada, repetitiva e morna que domina os feeds e, por consequência, as ruas. O algoritmo nos dá o que ele acha que queremos ver, só que isso nos torna cada vez menos capazes de escolher o que realmente gostamos. A exaustão visual vem da sobreposição de referências que, em vez de abrir caminhos, fecha o campo de visão.

Na prática o vimos é que, mesmo quem é consciente da lógica algorítmica, ainda usa o Instagram e o TikTok como principal fonte de referência e, inevitavelmente, repete as mesmas fórmulas visuais. A estética das redes virou um padrão de consumo: o mesmo moletom oversized, o mesmo estilo de tênis, a mesma calça de alfaiataria com barra dobrada, os mesmos tons neutros filtrados em editores de fotos... Quando tudo parece ser "a tendência", questionar virou quase um desvio. E nós queremos sempre pertencer.

O mais preocupante é que, ao nos viciar nessa previsibilidade, o algoritmo também emburrece nosso radar estético. O pensamento de grupo promovido pelas redes sociais nos afasta da autonomia crítica. E a consequência é visível. Nunca se usou tanto o termo "estilo pessoal" ao mesmo tempo em que ele parece ter desaparecido.

Os lançamentos de tênis, especialmente os mais comerciais, seguem essa cartilha com precisão. Basta um collab viralizar para que todo mundo deseje uma paleta parecida ou uma silhueta idêntica. E o desejo, que antes nascia da construção de repertório, hoje nasce da repetição. Chega a ser triste ver tantos auto-entitulados gatekeepers misturados na multiudão homogênia de difenças tão iguais que eles mesmos criaram.

Estímulo visual exige atrito, ruído, fricção. O mesmo vale para o vestuário. Para cada tendência nivelada, ainda há quem escolha um par de tênis fora do hype, um look que não conversa com o algoritmo, uma estética que incomoda o feed. A saída está na "inteligência estética", um termo que gosto muito. Repertório se constrói fora das telas, com referências analógicas, visitas a museus, olhares sobre fachadas, textos longos, caminhadas sem direção e, claro, erros de estilo. Ninguém vai formar gosto pulando de Reels em Reels com trilha da Doja Cat.

E a culpa não é do Samba, óbvio, ele é clássico e versátil. E nem dos alfaiates. Eles estão aí desde a Idade Média deixando Reis e Rainhas mais bonitos. Mas a pergunta que vale agora é: você quer porque gosta, ou gosta porque viu? A resposta, nos tempos de hoje, já não é tão simples quanto parece, pois a moda contemporânea virou um catálogo de personalidades prontas para uso, como os gorpcore, blokecore, cleangirl, ecletic grandpa e labubuzentos (essa eu que dei o nome, desculpa).

Há indícios de esgotamento da fórmula

Kyle Chayka, autor do livro 'Mundo filtrado: como os algoritmos nivelaram a cultura', já percebe o esgotamento deste tipo de fórmula pela diminuição das postagens. Ele chama esse movimento de "postagens zero", um ponto em que as pessoas comuns percebem que não vale a pena compartilhar suas vidas online. E a falta do espelho de repetição das trends pode fazer com que os algoritmos parem de pasteurizar escolhas.

No entanto, esse sequestro fácil pelos algoritmos diz mais sobre nós do que sobre máquinas. Sim, é difícil resistir a essa sensação pré-histórica que nos leva a uma aura de poder na comunidade. Mas é preciso. Estamos ficando doentes e nos endividando com esse consumo da diferenciação que nunca acontece na prática e precisa de um novo insumo. Doentes de verdade.

Estadão
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